quarta-feira, março 24, 2010

O NEGRO E O VERMELHO

Os jurisconsultos têm, portanto, razão em aplicar aos proprietários esta palavra da Escritura: Ego dixi: Dil estls et filli Exceisi omnes: Disse: Sois deuses e todos filhos do Todo-Poderoso.
A propriedade é o direito do lucro: esta axioma será para nós como o nome do monstro do Apocalipse, nome no qual está encerrado todo o mistério desse monstro. Sabe-se que quem desvendasse o mistério do nome obteria o conheimento de toda a profecia e venceria o monstro. Bem! será pela interpretação profunda do nosso axioma que destruiremos a esfinge da propriedade. Partindo deste facto tão eminentemente característico, o direito de lucro, vamos seguir nos seus desvios a velha serpente, contaremos os meneios homicidas desta ténia espantosa cuja cabeça, com os seus mil sugadouros, sempre se livrou da espada dos inimigos mais ardentes, abandonando-lhes bocados enormes do seu, cadáver. Era preciso mais do que coragem para vencer o monstro: estava escrito que não sucumbiria antes que um proletário, armado de uma varinha mágica, o tivesse medido.
COROLÁRIOS. 1.º - A parte do lucro é proporcional à coisa. Qualquer que seja o valor do interesse, quer se eleve a 3, 5 ou 10 por cento, quer baixe a 1/2, 1/4, 1/10, não interessa, a lei de crescimento continua a mesma. Eis qual é essa lei.
Todo o capital avaliado em números pode ser considerado como um termo da progressão aritmética tendo por razão 100 e o ganho do capital relaciona-se com o termo correspondente de uma outra progressão aritmética que tem por razão a taxa de interesse. Assim, sendo um capital de 500 francos o quinto termo da progressão aritmética cuja razão é 100, o seu lucro a 3 por cento será indicado pelo quinto termo da progressão aritmética cuja razão é 3:

100. 200. 300. 400. 500.
3. 6. 9. 12. 15.

É o conhecimento desta espécie de Iogaritmos, de que os proprietários têm tábuas calculadas a um grau muito alto, que nos dará a chave dos enigmas mais curiosos e nos fará caminhar de surpresa em surpresa.
Segundo esta teoria logarítmica do direito de lucro, uma propriedade com o seu lucro pode ser definida como um número cujo logaritmo é igual à soma das suas unidades dividida por 100 e multiplicada pela taxa do interesse.
Por exemplo, uma casa estimada em 100.000 francos e alugada à razão de 5 por cento dá 5.000 francos de lucro, sendo a fórmula:

100000 X 5 = 5000
100

Recriprocamente uma terra de 3.000 francos de lucro avaliada a 2 1/2 por cento vale 120.000 francos. Segundo esta outra fórmula:

3000 x 100 = 120 000
2 1/2

No primeiro caso a progressão que designa o crescimento do interesse tem cinco por razão, no segundo 2 1/2.
Observação. O lucro denominado renda, interesse, paga-se todos os anos; os alugueres correm à semana, ao mês ou ao ano, os proveitos e benefícios têm lugar tantas vezes quantas as trocas. De maneira que o lucro é, ao mesmo tempo, em razão da coisa e em razão do tempo, o que faz dizer que a usura cresce como cancro, faenus serpit sicut cancer.
2.º - A quantia paga ao proprletárío pelo detentor é coisa pordida para este. Porque, se o proprietário devesse qualquer coisa além da permissão que concede; em troca do ganho que recebe, o seu direito de propriedade não seria perfecto; não possuiria jure optimo, jure perfecto, quer dizer, não seria realmente proprietário. Portanto, tudo o que transacciona das mãos do coupante para as do proprietário a título de lucro e como preço da licença para ocupar, é irrievogavelmente adquirido pelo segundo, perdido pelo primeiro, nada podendo voltar a este senão como doação, esmola, salário de serviços ou pagamento de mercadorias por ele entregues. Numa palavra, o lucro é perdido para o que pede ou, como teria dito energicamente o latino, res perit solventi.
3.º - O direito de lucro tem lugar contra o proprietário como contra o estranho. O senhor da coisa, distinguindo em si o possuidor do proprietário, impõe-se a si próprio, para o usufruto da sua propriedade, uma taxa igual à que poderia receber de um terceiro; de maneira que um capital tanto se reveste de interesse nas mãos do capitalista como nas do que empresta e do comandatário.
Com efeito, em vez de aceitar 500 francos do aluguer do meu apartamento, se eu preferir ocupá-lo e usufruí-lo, é claro que me torno devedor perante mim mesmo de uma renda igual à que recuso: este princípio é universalmente seguido no comércio e olhado como um axioma -pelos economistas. Também os industriais, que têm a vantagem de ser proprietários dos seus fundos de meneio, se bem que não devam interesses a ninguém não calculam os seus benefícios senão depois de ter deduzido os interesses do seu capitais com os salários e custos. Pela mesma razão os que emprestam dinheiro conservam em sua posse a mínima quantia possível, porque revestindo-se necessáriamente de interesse todo o capital, se esse interesse não é servido por ninguém, cairá sobre o capital que, assim, se encontrará diminuído. Pelo direito de lucro o capital lesa-se a si próprio: foi, sem dúvida, o que Papiniano pretendeu exprimir nesta fórmula tão elegante quanto enérgica: Faenus mordet solidum. Peço desculpa de empregar tantas vezes o latim neste assunto: é uma homenagem que presto ao poso mais usurário que houve.

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