se perdesse os seus direitos sobre a terra a partir do momento em que deixasse de a ocupar, o colono tornar-se-ia mais ávido! e a impossibilidade de exigir um lucro, de cobrar uma contribuição do trabalho de outrem seria fonte de querelas e processos! A lógica dos economistas é singular. Mas não chegámos ao fim. Admitamos que o proprietário é o senhor legítimo da terra.
«A terra é um instrumento de produção», dizem; isso é verdade. Mas, transformando o substantivo em qualificativo, quando dizem ao operar esta conversão: «A terra é um instrumento produtivo», cometem um erro tremendo.
Segundo Quesnay e os economistas antigos, toda a produção vem da terra; Smith, Ricardo, de Tracy, atribuem, pelo contrário, a produção ao trabalho. Say e a maior parte dos que se lhe seguiram ensinam: E a terra é produtiva; E o trabalho é produtivo; E os capitais são produtivos. É o eclectismo na economia política. A verdade é que NEM a terra é produtiva, NEM o trabalho é produtivo, NEM os capitais são produtivos; a produção resulta desses três elementos igualmente necessários mas igualmente estéreis, tomados separadamente.
Com efeito a economia política trata da produção, distribuição e consumo das riquezas ou dos valores; mas de que valores? dos valores produzidos pela indústria humana, quer dizer, das transformações que o homem realizou na matéria para a apropriar ao seu uso, e de maneira nenhuma das produções espontâneas da natureza. O trabalho do homem só consistiu numa simples apreensão da mão, não há valor produtivo para ele senão quando se deu a esse trabalho: até aí o sal do mar, a água das fontes, a erva dos campos, a lenha das florestas, são para ele como se não existissem. O mar, sem o pescador e as redes, não dá peixe; a floresta sem o lenhador e o seu machado não dá lenha para aquecimento nem para trabalhar; o prado sem o segador não dá feno nem erva. A natureza é como uma vasta matéria de exploração e produção; mas a natureza só produz para ela própria; no sentido económico, os seus produtos, em relação ao homem, não são ainda produtos.
Os capitais, os utensílios e as máquinas são paralelamente improdutivos. O martelo e a bigorna sem ferreiro nem ferro não forjam; o moinho não mói sem moleiro nem grão, etc.
Amontoem utensílios e matérias-primas; deitem uma charrua e sementes num solo fértil; montem uma foda, acendam o fogo, nada produzirão.
Esta observação foi feita por um economista em quem o bom senso ultrapassa a média dos seus colegas: «Say faz desempenhar aos capitais um papel activo que a sua natureza não comporta: são instrumentos inertes por si próprios.» (J. Droz, Economia política.)
Enfim, o trabalho e a má combinação dos capitais reunidos continuam a nada produzir. Trapalhem um deserto de areia, batam a água dos rios, passem pelo crivo caracteres de imprensa, tudo isso não vos dará nem trigo, nem peixes, nem livros. O vosso trabalho será tão improdutivo como o foi essa grande tarefa do Exército de Xerxes que, no dizer de Heródoto, fez bater o Hellespont com varas, pelos seus três milhões de soldados, durante vinte e quatro horas, para o punir de ter rompido e dispersado a ponte de barcos que o grande rei tinha mandado construir.
Os instrumentos e os capitais, a terra, o trabalho, separados e abstractamente considerados apenas são produtivos por metáfora. O proprietário que exige uma recompensa como paga do seu instrumento, da força produtiva da terra, supõe pois um facto radicalmente falso, a saber, que os capitais produzem por ai próprios alguma coisa; e fazendo-se pagar esse produto imaginário recebe, à letra, qualquer coisa por nada.
Objecção. Mas se o ferreiro, o carpinteiro, numa palavra, todo o industrial tem direito ao produto pelos instrumentos que fornece e se a terra é um instrumento de produção, porque não renderia esse instrumento ao seu proprietário, verdadeiro ou presumido, uma parte dos produtos como acontece com os fabricantes de charruas e de carros?
Resposta. Aqui reside o nó do enigma, o mistério da propriedade, que se torna essencial analisar com atenção, se queremos compreender qualquer coisa dos estranhos efeitos do direito do lucro.
O operário que fabrica ou repara os instrumentos do cultivador recebe o pagamento disso uma vez, quer seja no momento da entrega quer em vários pagamentos, e uma vez pago esse preço ao operário, os utensílios que entregou já não lhe pertencem. Nunca reclama salário duplo para um mesmo utensílio, uma mesma reparação: se todos os anos partilha com o rendeiro é porque todos os anos faz qualquer coisa ao rendeiro.
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