terça-feira, março 30, 2010

O NEGRO E O VERMELHO

O trabalhador produziu 1. só consome O,9; perde, pois, um décimo sobre o preço do seu trabalho; a sua produção custa sempre mais do que vale. Por outro lado, o décimio recebido pelos proprietários não deixa de ser um valor nulo; porque, sendo trabalhadores eles próprios, tendo que viver com os 9 décimos do seu produto como os outros, nada lhes falta. Para que serve a duplicidade da sua ração de pão, vinho, carne, fato, alojamento, etc., se não podem consumi-Ia nem trocá-la? O preço da renda fica pois um valor nulo, tanto para eles como para o resto dos trabalhadores e parece nas suas mãos. Estendam a hipótese, multipliquem o número e as espécies dos produtos, nada modificarão ao resultado.
Até aqui considerei o proprietário tomando parte activa na produção, como diz Say, não somente pelo serviço do seu instrumento mas de uma maneira efectiva, pelo trabalho das suas mãos; ora é fácil ver que em semelhantes condições a propriedade nunca existirá. Que acontece?
O proprietário, animal essencialmente libidinoso, sem virtude nem vergonha, não se acomoda com uma vida de ordem e disciplina; se ama a propriedade é para fazer apenas a sua vontade, quando e como quer. Seguro dos seus víveres, abandona-se à futilidade, à moleza; joga, disparata, procura curiosidades e sensações novas. A propriedade, para gozar de si própría, deve renunciar à condição comum e entregar-se a ocupações de luxo, a prazeres imundos.
Em vez de renunciar a uma renda que parecia nas suas mãos e aliviando, assim, o trabalho social, os nossos cem proprietários repousam. A produção parece equilibrar-se, com esta retirada, sendo reduzida absolutamente de cem, enquanto o consumo continua o mesmo. Mas primeiro, visto que os proprietários já não trabalham, o seu consumo é improdutivo, segundo os princípios da economia, por consequência, já não há, como dantes, na sociedade, cem serviços não pagos pelo produto mas cem produtos consumidos sem serviço; o défice é sempre o mesmo, qualquer que seja a coluna do orçamento que o exprime.
Ou os aforismos da economia política são falsos ou a propriedade, que os contradiz, é impossível.
Os economistas, olhando todo o consumo improdutivo como um mal, como um roubo feito ao género humano, não deixam de exortar os proprietários à moderação, ao trabalho, à economia: pregam-lhes a necessidade de se tornarem úteis, de dar à produção o que dela recebem; rogam as mais terríveis imprecações contra o luxo e a preguiça. Seguramente esta moral é muito bela; é pena que não tenha senso comum. O proprietário que trabalha ou, como dizem os economistas, que se torna útil, faz-se pagar por esse trabalho e essa utilidade: está menos ocioso em relação às propriedades que não explora e de que recebe os lucros? A sua condição, faça o que fizer, é a improdutividade e a traição; não pode deixar de gastar e destruir senão deixando de ser proprietário.
Mas esse é ainda o menor dos males que a propriedade engendra. Defende-se que a sociedade sustente ociosos; haverá sempre cegos, manetas, loucos, imbecis; bem pode sustentar alguns preguiçosos. Eis onde as impossibilidades se complicam e acumulam.

Sem comentários: