sábado, março 06, 2010

O NEGRO E O VERMELHO

os fatos gastam-se, as provisões esgotam-se, dentro em pouco a bolsa esvazia-se em proveito da particular para quem se trabalhou, o único a fornecer as mercadorias precisas porque é o único que as cultiva. Depois, quando o trabalhador pobre se encontra no fim dos recursos o homem da pitança apresenta-se farejando de longe a vítima, qual ogre da fábula; oferece a este retomá-lo à jorna, propõe àquele um bom preço na compra de um bocado desse mau terreno de que não faz nada, de que nunca fará nada; por sua própria conta faz explorar o campo de um pelo outro; tão bem que, passados vinte anos, de trinta particulares primitivamente iguais em fortuna, cinco ou seis ter-se-ão tornado proprietários de toda a região, os outros terão sido desaapossados filantropicamente.
Neste século de moralidade burguesa, onde tive a felicidade de nascer, o sentido moral está de tal maneira enfraquecido que não ficaria absolutamente nada espantado ouvir um proprietário muito honesto perguntar-me o que encontro em tudo isso de injusto o ilegítimo. Alma de lama! cadáver galvanizado! como tentar convencer-vos, se o roubo em acção vos não parece manifesto? Um homem, por palavras doces e insinuantes, encontra o segredo de fazer contribuir os outros para a sua propriedade; depois, uma vez enriquecido pelo esforço comum, recusa, nas mesmas condições que ele próprio ditara, procurar o bem-estar daqueles que fizeram a sua fortuna: e perguntais o que tal conduta tem de fraudulento! Sob o pretexto de que pagou aos operários, que não lhes deve nada, que tem mais que fazer do que pôr-se ao serviço de outro enquanto as suas próprias ocupações o reclamam recusa-se, digo, a ajudar os outros no seu estabelecimento como eles o ajudaram no seu; e logo que, na impotência do isolamento, os trabalhadores abandonados caem na necessidade de arranjar dinheiro ele, o proprietário ingrato, o patife esperto, encontra-se pronto a consumir o seu espólio e a sua ruína. E achais isso justo! tomai cuidado, leio nos vossos olhares surpresos, a censura de uma consciência culpada e não o espanto ingénuo de uma ignorância involuntária.
Diz-se que o capitalista pagou as jornas dos operários; para ser exacto é preciso dizer que o capitalista pagou tantas vezes uma jorna quantos operários empregou por dia, o que não é exactamente a mesma coisa. Nunca pagou a força imensa que resulta da união e da harmonia dos trabalhadores, da convergência e da conjugação de esforços. Duzentos soldados levantaram desde a base, em poucas horas, o obelisco de Luqsor;
um só homem tê-lo-ia conseguido em duzentos dias? No entanto, pelas contas do capitalista, a soma dos salários foi a mesma. Bem, um deserto para cultivar, um casa para construir, uma manufactura para explorar representa um obelisco para erguer, uma montanha pars mudar de lugar. A fortuna mais pequena, o menor estabelecimento, a conservação da indústria mais insignificante exige um concurso e trabalhos e talentos tão diversos que um único homem nunca alcançaria. É espantoso como os economistas nunca o observaram. Façamos, pois, o balanço do que o capitalista recebeu e do que pagou.
O trabalhador precisa de um salário que lhe permita viver enquanto trabalha, porque só produz se consumir. Quem contratar um homem deve-lhe a alimentação e o sustento ou o salário equivalente. É a primeira coisa a fazer em toda a produção. De momento, concordo que quanto a isto o capitalista tenha cumprido.
É preciso que o trabalhador, à parte a actual subsistência, encontre na produção uma garantia da sua subsistência futura, sob pena de ver a fonte do produto secar e a sua capacidade produtiva tornar-se nula; noutros termos, é preciso que o trabalho a faça renascer perpetuamente do trabalho executado: tal é a lei universal de reprodução. É assim que o cultivador proprietário encontra: 1.º - Nas colheitas, os meios não só de viver com a família, mas de manter e aumentar o seu capital, numa palavra, de trabalhar e reproduzir sempre; 2.º - Na propriedade, um instrumento produtivo para segurança permanente de um fundo de exploração e de trabalho.
Qual é o fundo de exploração do que aluga os seus serviços? a presumida necessidade que o proprietário tem dele e a vontade que gratuitamente lhe advém de o ocupar. Como outrora o servo tinha a terra por generosidade do senhor, assim hoje o traballho do operário depende da disposição e necessidade do senhor e proprietário: é o que se chama possuir a título precário (1). Mas essa condição precária é uma injustiça porque implica desigualdade no mercado.
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(1) Precária, de precor, peço, porque o acto de concessão indicava expressamente que o senhor tinha concedido, a pedido dos seus homens ou servos, a permissão de trabalhar.

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