domingo, março 28, 2010

O NEGRO E O VERMELHO

SEGUNDA PROPOSIÇÃO

A propriedade é impossível porque, onde é admitida, a produção custa mais do que vale

A proposição precedente era de ordem legislativa; esta é de ordem económica. Serve para provar que a propriedade, que tem por origem a violência, tem por resultado criar um valor nulo.
«A produção, diz Say, é uma grande troca: para que a troca seja produtiva é preciso que o valor de todos os serviços se encontre nivelado pelo valor da coisa produzida. Se esta condição não for satisfeita a troca foi desigual, o produtor deu mais que recebeu.»
Ora, tendo o valor por base necessária a utilidade, resulta que todo o produto inútil é necessariamente sem valor, que não pode ser trocado, portanto que não pode servir para pagar os serviços da produção.
Assim, se a produção pode igualar o consumo nunca o ultrapassará; porque não há produção real senão onde há produção de utilidade e não há utilidade senão onde há possibilidade de consumo. Portanto, todo o produto que uma excessiva abundância torna inconsumível torna-se inútil para a quantidade não consumida, sem valor, não trocável, daí, impróprio para pagar o que quer que seja; já não é um produto.
O consumo, por sua vez, para ser legítimo, para ser um verdadeiro consumo, deve ser reprodutor de utilidade; porque se é improdutivo os produtos que ele destrói são de valores anulados, coisas produzidas em vão, circunstância que rebaixa os produtos abaixo do seu valor. O homem tem o poder de destruir, não consome senão o que reproduz. Numa economia justa há, pois, equação entre a produção e o consumo.
Estabelecidos todos estes pontos, imagino uma tribo de mil famílias fechada numa determinada superície de território e privada de comércio externo. Esta tribo representará toda a humanidade que, espalhada pelo globo, está verdadeiramente isolada. Com efeito, a diferença entre uma tribo e o género humano estando em proporções numéricas, os resultados económicas serão absolutamente os mesmos.
Conjecturo, então, que essas mil famílias, entregues à cultura exclusiva do trigo, devem pagar cada ano, em natureza, uma importância de 10 por cento sobre o produto a cem particulares de entre eles. Vê-se que aqui o direito de lucro se assemelharia a um levantamento feito sobre a produção social. Para que servirá esse levantamento?
Não pode ser para o abastecimento da tribo porque esse abastecimento nada tem de comum com a renda; também não é para pagar serviços e produtos porque os proprietários, trabalhando como os outros, só trabalham para eles. Então, esse levantamento não terá utilidade para os capitalistas que, tendo coIhido trigo em quantidade suficiente para o seu consumo e não se podendo procurar outra coisa, numa sociedade sem comércio e sem indústria, perderão assim a vantagem dos seus lucros.
Numa tal sociedade sendo inconsumível a décima parte do produto, há um décimo do trabalho que não é pago: a produção custa mais do que vale.
Transformemos agora 300 dos nossos produtores de trigo em industriais de toda a espécie: 100 hortelões o vindimadores, 60 sapateiros e alfaiates, 50 marceneiros e ferreiros, 80 de profissões diversas e, para que nada aí falte, sete professores, um presidente da Câmara, um juiz, um padre: cada ofício, no que lhig diz respeito, produz para toda a tribo. Ora sendo 1.000 a produção total, o consumo para cada trabalhador é 1, a saber: trigo, carne, cereais, 0,700; vinho e horticultura, 0,100; calçado e fato, 0,060; ferramentas e móveis, 0,050; produtos diversos, 0,080; instrução, 0,007; administração, 0,002; missa, 0,001. Total, 1.
Mas a sociedade deve uma renda de 10 por cento; e observaremos que pouco importa que só os trabalhadores a paguem ou que todos os trabalhadores sejam solidários, o resultado é o mesmo. O rendeiro aumenta o preço das suas mercadorias em proporção do que deve; os industriais seguem o movimento da subida; depois de algumas oscilações o equilíbrio estabelece-se e cada um pagou uma soma mais ou menos igual. Seria um erro grave julgar que numa nação apenas os arrendatários pagam rendas; é toda a nação.
Digo, pois, atentando no levantamento de 10 por cento, que o consumo de cada trabalhador está reduzido da seguinte maneira: trigo, 0,630; vinho e hortaliça, 0,090; fato e calçado, 0,054; móveis e ferragens, 0,045; outros produtos, 0,072; escola, 0,0063; administração, 0,0018; missa, 0,0009. Total, 0,9.

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