segunda-feira, março 22, 2010

O NEGRO E O VERMELHO

A PROPRIEDADE É FISICA E MATEMATICAMENTE IMPOSSÍVEL

DEMONSTRAÇÃO

Axioma. - A propriedade é o direito de lucro que o proprietário se atribui sobre uma coisa por ele marcada com o seu cunho.

Esta proposição é um verdadeiro axioma. Porque:
1.º - Não é uma definição, pois não exprimo tudo o que o direito de propriedade encerra: direito de vender, trocar, dar; direito de transformar, alterar, consumir, destruir, usar e abusar, etc. Todos esses direitos são efeitos diversos da propriedade que se podem considerar separadamente, mas que negligenciamos aqui para nos ocuparmos apenas de um, do direito de lucro.
2.º - Esta proposição é universalmente admitida; ninguém pode negá-la sem negar os factos, sem ser imediatamente desmentido pela prática universal.
3.º - Esta proposição é de uma evidencia imediata, visto que o facto que ela exprime acompanha sempre a propriedade, quer real, quer facultativamente, e que é principalmente por ele que ela se manifesta, constitui e ergue.
4.º - Enfim, a negação desta proposição implica contradição: o direito de lucro é realmente inerente, de tal maneira ligado à propriedade que a propriedade é nula onde ele não existe.
Observações. O lucro recebe nomes diferentes segundo as coisas que o produzem: renda, pelas torras; aluguer, pelas casas e móveis; juro, pelos fundos colocados; interesse, para o dinheiro; benefício, ganho, lucro (três coisas que é preciso não confundir com o salário ou preço legítimo do trabalho), para as trocas.
O lucro, espécie de regalia, homenagem tangível e consumível, pertence ao proprietário em virtude da sua ocupação nominal e metafísica; o seu cunho está aposto na coisa; isso basta para que ninguém possa ocupar essa coisa sem a sua permissão.
O proprietário pode outorgar essa permissão de ocupar a coisa para nada: geralmente vendo-a. De facto assa venda é um estelionato e uma fraude;
mas pela ficção legal do domínio de propriedade essa mesma venda, severamente punida noutros casos não se sabe bem porquê, torna-se uma fonte de lucro e consideração para o proprietário.
O reconhecimento que o proprietário exige pela prestação do seu direito exprime-se quer em signos monetários, quer por um dividendo em natureza do produto presumido. De maneira que, pelo direito de lucro, o proprietário guarda e não trabalha, recolhe e não cultiva, cwsome e não produz, goza e não faz nada. Bem diferentes dos ídolos do Salmista são os deuses da propriedade: aqueles tinham mãos e não mexiam; estes, pelo contrário, manus habent et paipabunt.
Tudo é misterioso e sobrenatural na colação do direito de lucro. Cerimónias terríveis acompanham o princípio de um proprietário como, outrora, a recepção de um iniciado. É, primeiramente, a consagração da coisa, consagração pela qual é feito saber a todos que têm a pagar uma oferta conveniente ao proprietário tantas e quantas vezes desejem usar da sua coisa, por meio da outorga obtida e assinada por ele.
Segundo, o anátema que fora do caso citado proíbe tocar na coisa, mesmo na ausência do proprietário e declara sacrílego, infame, irrecuperável, digno de ser entregue ao braço secular todo o violador da propriedade.
Terceiro, a dedicatória, pela qual o proprietário ou o santo designado, o deus protector da coisa, nela habita mentalmente como uma divindade no seu santuário. Por efeito dessa dedicatória a substância da coisa é, por assim dizer, convertida na pessoa do proprietário, sempre presente sob as espécies ou aparências da dita coisa.
Isto é a doutrina pura dos jurisconsultos. «A propriedade, diz Toullier, é uma qualidade moral inerente à coisa, um laço real que a liga ao proprietário e que não pode ser rompido senão por ele.» Locke duvidava respeitosamente de que Deus pudesse tornar a matéria pensante; Toullier afirma que o proprietário a torna moral; que lhe falta para ser divinizada? Com certeza não são as adorações.
A propriedade é o direito de lucro, quer dizer, o poder de produzir sem trabalhar; ora produzir sem trabalhar é fazer do nada qualquer coisa, numa palavra, é criar: não deve ser mais difícil do que moralizar a matéria.

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