quarta-feira, abril 14, 2010

O NEGRO E O VERMELHO

SEXTA PROPOSIÇÃO
A propriedade é impossível porque é mãe da tirania
O que é o governo? O governo é a economia pública, a suprema administração dos trabalhos e bens de toda a nação.
Ora a nação é uma grande sociedade da qual todos os cidadãos são accionistas: cada um tam voz deliberativa na assembleia e, se as acções forem iguais, dispõe de um sufrágio. Mas, sob o regime de propriedade, as posições dos accionistas são de uma desigualdade extrema: assim determinado indivíduo pode ter direito a várias centenas de vozes enquanto que outro apenas terá uma. Se, por exemplo, eu usufruo um milhão de receita, quer dizer, se sou proprietário de uma fortuna de 30 a 40 milhões em bens e essa fortuna perfaz por si só a trinta milionésima parte do governo e se a nação conta com 34 milhões de indivíduos, eu sozinho valho tanto como 1133 accionistas simples.
Assim, quando Arago pede o sufrágio eleitoral para todos os nacionais, está perfeitamente no seu direito, visto que cada cidadão está inscrito pelo menos com uma acção nacional que lhe dá direito a uma voz; mas o ilustre orador devia ao mesmo tempo pedir que cada eleitor tivesse tantas vozes quantas acções possui, como observamos na prática das sociedades comerciais. Porque, de outra maneira, seria pretender que a nação pode dispor dos bens dos particulares sem os consultar, o que é contra o direito de propriedade. Num país de propriedade, a igualdade dos direitos eleitorais é uma violação da propriedade.
Ora, se a soberania não pode nem deve ser atribuída a cada cidadão senão em razão da sua propriedade, conclui-se que os pequenos accionistas estão à mercê dos mais fortes que poderão, desde que lhes apeteça, fazer daqueles seus escravos, casá-los à sua vontade, roubar-lhes as mulheres, fazer dos seus filhos eunucos, prostituir-lhes as filhas, deitar os velhos às lampreias e serão mesmo obrigados a isso se não preferirem taxar-se a si próprios para alimentar os seus servidores.
É o caso em que se encontra hoje a Grã—Bratanha: John Bull, pouco curioso de igualdade, liberdade, dignidade, prefere servir e mendigar: mas tu, Jacques simplório?
A propriedade é incompatível com a igualdade política e civil, portanto, a propriedade é impossível.
Comentário histórico. 1.º - Quando a duplicação do terceiro estado foi, decretada pelos estados gerais de 1789, cometeu-se uma grande violação da propriedade. Só a nobreza e o clero possuíam três quartos do solo francês; a nobreza e o clero deviam formar três quartos da representação nacional. A duplicação do terceiro estado era justa, diz-se, porque só quase o povo pagava impostos. Esta razão seria boa se apenas se tivesse tratado de votar sobre impostos: mas falava-se de reformar o governo e a constituição; a partir daí, a duplicação do terceiro estado era uma usurpação e um ataque à propriedade.
2.º - Se os representantes actuais da oposição radical chegassem ao poder fariam uma reforma pela qual todo o cidadão seria eleitor e todo o eleitor elegível: ataque à propriedade.
Transformariam a renda: ataque à propriedade.
Fariam leis sobre a exportação de gado o cereais, no interesse geral: ataque à propriedade.
Mudariam a base do imposto: ataque à propriedade.
Promoveriam a instrução gratuita entre o povo: conjuração contra a propriedade.
Organizariam o trabalho, quer dizer que assegurariam trabalho ao operário o fá-lo-iam participar nos lucros: abolição da propriedade.
Ora, esses mesmos radicais são zelosos defensores da propriedade, prova radical de que não sabem nem o que fazem nem o que querem.
3.º - Visto que a propriedade é a grande causa do privilégio e do despotismo, a fórmula do juramento republicano devia ser modificada. Em vez de: Juro ódio à monarquia, daqui em diante o recipiendário de uma sociedade secreta deveria dizer: Juro ódio à propriedade.

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