domingo, abril 18, 2010

O NEGRO E O VERMELHO

OITAVA PROPOSIÇÃO

A propriedade é impossível porque o seu poder de acumulação é infinito e só se exerce sobre quantidades finitas

Se os homens instituídos em igualdade, atribuíssem a um o direito exclusivo de propriedade e esse único proprietário empregasse com a humanidade, a juros compostos, uma soma de 100 francos a 5 por cento, elevar-se-ia a 107.845.010.777.600 francos, soma igual a 2696 vezes e um terço o capital da França, supondo esse capital em 40 biliões. É mais de vinte vezes o que vale o globo terrestre, móveis e imóveis.
Segundo as nossas leis um homem que, no reinado de S. Luís, tivesse pedido a mesma quantia de 100 francos e se tivesse recusado, ele e os seus herdeiros, a restituíra, se se reconhecesse que os ditos herdeiros tinham sido possuidores de má fé e que a prescrição tinha sido sempre interrompida em tempo útil, o último herdeiro poderia se obrigado a entregar esses 100 francos com juros e juros dos juros, o que, como se acaba de ver, atingiria um reembolso de perto de 108.000 biliões.
Todos os dias se vêem fortunas cuja progressão é incomparávelmente mais rápida: o exemplo precedente supõe o benefício igual ao vigésimo do capital: não é raro que iguale o décimo, o quinto, a metade do capital e o próprio capital.
Os fourieristas, irreconciliáveis inimigos da igualdade, que tratam os adeptos de requins julgam, ao quadruplicar a produção, satisfazer todas as exigências do capital, do trabalho e do talento. Mas quando a produção tivesse quadruplicado, centuplicado, a propriedade depressa absorveria os produtos, os capitais, a terra, e mesmo os trabalhadores, pelo seu poder de acumulação e os seus efeitos de capitalização. Será proibido ao falanstério capitalizar e colocar a juros? Que se explique então o que se entende por propriedade.
Não levarei mais longe estes cálculos, que cada um pode variar até ao infinito e sobre os quais seria pueril eu insistir; só pergunto segundo que regra os juízes atribuem juros num processo ao possessório? e pergunto, voltando à questão:
O legislador previu todas as consequências ao introduzir na República o princípio de propriedade? Conheceu a lei do possível? Se a conheceu porque não fala nisso o Código, porquê essa latitude assustadora deixada ao proprietário no crescimento da sua propriedade e na petição dos seus juros; ao juiz, no reconhecimento e fixação do domínio de propriedade; ao Estado, no poder de estabelecer continuamente novos impostos? Fora de que limites o povo tem direito a recusar o orçamento, o rendeiro a renda, o industrial os juros do capital? Até que ponto o ocioso pode explorar o trabalhador? Onde comega o direito de espoliação, onde acaba? Quando pode dizer o produtor ao proprietário: Não te devo mais nada? Quando está a propriedade satisfeita? Quando é que não é permitido roubar?
Se o legislador conheceu a lei do possível e não fez caso em que se baseia a sua justiça? Se não a conheceu que é feito da sua sabedoria? Iníquo ou imprevidente, como lhe reconheceremos autoridade?
Se as nossas cartas e códigos só têm por princípio uma hipótese absurda, que se ensina nas escolas de direito? Em que bases deIiberam os nossos tribunais? O que é política? A que chamemos homens de Estado? Que significa jurisprudência? Não seria jurisignorância que deveríamos dizer?
Se todas as nossas instituições assentam num erro de cálculo não advém daí que essas instituições laboram mentiras? E se todo o edifício social se baseia nesta impossibilidade absoluta da propriedade, não é verdade que o govemo sob que vivemos é uma quimera e a actual sociedade uma utopia?

Sem comentários: