segunda-feira, maio 10, 2010

O NEGRO E O VERMELHO

Mas o banqueiro empresta a curto prazo, enquanto que a duração do prazo do usurário pode ser anual, bienal, trienal, novenal, etc.; ora uma diferença na duração do prazo e algumas variantes de forma no acto não modificam a natureza do contrato. Quanto aos capitalistas que colocam os seus fundos quer no Estado quer no comércio a 3, 4, 5 por cento, quer dizer que recebem uma usura menor que a dos banqueiros e usurários, são a flor da sociedade, o melhor das pessoas honestas. Na moderação do roubo está toda a virtude (1).
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(1) Seria um assunto curioso e fértil numa revista dos autores que trataram da usura ou, como alguns dizem sem dúvida por eufemismo, do empréstimo a juros. Os teólogos sempre combateram a usura: mas como sempre admitiram a legitimidade da renda de terra ou de aluguer, sendo a identidade do aluguer o do empréstimo a juros evidente, perderam-se num labirinto de subtilezas e distinções e acabaram por já não saber o que deviam pensar da usura. A Igreja, essa senhora da moral, tão ciosa e orgulhosa da pureza da sua doutrina, ficou numa ignorância perpétua quanto à verdadeira natureza da propriedade e da usura: proclamou mesmo, pelo órgão dos seus pontífices. os mais deploráveis erros. Non potest mutuum, diz Benedito XIV, locationi ulio pacto comparati. A constituição de rendas, segundo Sossuet, está tão longe da usura como o céu da terra. Como condenar o empréstimo a juros, com tais ideias? Sobretudo como justificar o Evangelho, que proíbe formalmente a usura? Também o trabalho dos teólogos foi grande: não podendo recusar-se à evidência das demonstrações económicas que assemelham, com razão, o empréstimo a juros ao aluguer, já não ousam condenar o empréstimo a juros e estão reduzidos a dizer que, visto que o Evangelho proíbe a usura, todavia é bem preciso que alguma coisa seja usura. Mas o que é então a usura? Nada mais divertido que ver esses instituidores das nações hesitar entre a autoridade do Evangelho que, dizem, não pode ter falado em vão e a autoridade das demonstrações económicas; nada eleva mais a glória desse mesmo Evangelho que a velha infidelidade dos seus pretensos doutores. Tendo Saumaise equiparado o empréstimo a juros ao lucro do aluguer foi refutado por Grócio, Puffendorf, Burlamaqui, Wolf, Heineccius e o que é mais curioso ainda é que Saumaise reconheceu o seu erro. Em vez de concluir dessa equiparação de Saumaise que todo o lucro é ilegítimo e seguir por ai para a demonstração da igualdade evangélica tirou-se uma consequência completamente oposta: sendo a renda e o aluguer reconhecidos por todo o mundo como permitidos se se concorda que não difere da taxa de juros já não há nada a que se possa chamar usura, portanto a ordem de Jesus Cristo é uma ilusão, um nada, o que não se poderia admitir sem incredulidade. Se esta memória tivesse aparecido no tempo de Bossuet o grande teólogo teria provado pela Escritura, os pais, a tradição, os concilias e os papas que a propriedade é de direito divino enquanto a usura é uma invenção do diabo, e a obra herética leria sido queimada e o autor encerrado na Bastilha.

Rouba-se: 13.º - por constituição de renda, por renda de terra, aluguer.
O autor das Provincias divertiu muito os cristãos honestos do século dezassete com o jesuíta Escobar e o contrato Mohatra. «O contrato Mohatra, dizia Escobar, é aquele pelo qual se compram matórias caras e a crédito para logo a seguir as revender à mesma pessoa, a pronto e a mais alto preço.» Escobar tinha encontrado razões que justificavam essa espécie de usura. Pascal e todos os jansenistas troçavam dele. Mas que teriam dito o satírico Pascal e o douto Nicole e o invencível Arnaud se o pai Anltónio Escobar de Valladolid lhes tivesse posto este argumento: O aluguer é um contrato pelo qual se compra um móvel, caro e a crédito para o revender ao fim de um certo tempo, à mesma pessoa, a preço mais elevado; só que, para simplificar a operação, o comprador se contenta em pagar a diferença entre a primeira e a segunda venda. Ou negam a identidade do arrendamento e do Mohatra e eu baralho-vos já; ou se reconhecem a semelhança confessam também a exactidão da minha doutrina, senão abolirão do mesmo golpe as rendas e as rendas da terra,
A esta assustadora argumentação de jesuíta o senhor de Montalte teria tocado a rebate e exclamado que a sociedade estava em perigo, que os jesuítas a minavam até à base.
Rouba-se: 14.º - pelo comércio, quando o lucro do comerciante ultrapassa o salário legitimo da sua função.
É conhecida a definição do comércio: Arte de comprar a 3 francos o que vale 6 e de vender a 6 o que vale 3. Entre o comércio assim definido e o roubo à americana toda a diferença está na proporção relativa dos valores trocados, numa palavra, na grandeza do lucro.
Rouba-se: 15.º - beneficiando sobre o produto, aceitando uma sinecura fazendo-se atribuir grandes ganhos.
O Iavrador que vende ao consumidor o seu trigo a tanto e que no momento da pesagem mergulha a mão no alqueire o desvia um punhado de grãos, rouba; o professor a quem o Estado paga as lições e que por intermédio de uma livraria as vende ao público uma segunda vez, rouba; o sinecurista que em troca da sua vaidade recebe um enorme produto, rouba;

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