quarta-feira, maio 19, 2010

O NEGRO E O VERMELHO

A liberdade é essencialmente organizadora: para assegurar a igualdade entre os homens, o equilíbrio entre as nações é preciso que a agricultura e a indústria, os centros de instrução, comércio e entreposto, estejam distribuídos segundo as condições geográficas e climatéricas de cada país, a espécie dos produtos, o carácter e os talentos naturais dos habitantes, etc., em proporções tão justas, tão sábias, tão bem combinadas que nenhum lugar apresente nunca excesso ou falta de população, de consumo e de produto. Aí começa a ciência do direito público e do direito privado, a verdadeira economia política. É aos jurisconsultos, libertos do falso principio de propriedade, que cabe descrever as novas leis e pacificar o mundo. Não lhes faltam a ciência e o génio; o ponto de apoio foi-lhes dado (1).
Acabei a obra a que me tinha proposto; a propriedade está vencida; nunca se reerguerá. Onde este discurso for lido e comunicado será deixado um germe de morte para a propriedade: cedo ou tarde desaparecerão aí o privilégio e a servidão; ao despotismo da vontade sucederá o reino da razão.
______________
(1) De todos os socialistas modernos, os discípulos de Fourier pareceram-me durante muito tempo os mais avançados e quase os únicos dignos desse nome. Se tivessem sabido compreender a sua tarefa, falar ao povo, despertar simpatias, calar-se sobre o que não entendessem; se tivessem tido pretensões menos orgulhosas e mostrado mais respeito pela razão pública, talvez a reforma tivesse começado, graças a eles. Mas como é que esses reformadores tão determinados se curvam constantemente diante do poder e opulência quer dizer, perante o que há de mais anti-reformista? Como é que com um século de raciocínio, não compreendem que o mundo quer ser convertido por razão demonstrativa, não por mitos e alegorias? Como é que, adversários implacáveis da civilização, lhe pedem, no entanto, o que ela produziu de mais funesto: propriedade, desigualdade de fortuna e classes, gula, concubinagem, prostituição, que sei eu? Teurgia, magia e feitiçaria? Porquê intermináveis discursos contra a moral, metafísica, psicologia, quando o abuso dessas ciências, das quais nada entendem, faz todo o sistema? Porquê essa mania de divinizar um homem cujo mérito principal foi o de raciocinar sobre uma quantidade de coisas que só conhecia de nome, na linguagem mais estranha? Quem admite a infalibilidade de um homem torna-se por isso mesmo incapaz de instruir os outros; quem abdica da razão proscriará dentro em pouco o livre exame. Os falansterianos não cairiam em falta se fossem os senhores. Que, enfim, se dignem raciocinar, que procedam com método, que façam demonstrações, não revelações e escutá-los-emos de boa vontade; depois que organizem a indústria, a agricultura, o comércio, que tornem o trabalho atraente, honrosas as funções mais humildes e dar-lhes-emos os nossos aplausos. Sobretudo que se desfaçam desse iluminismo que lhes dá um ar de impostores e ingénuos e não de crentes e apóstolos.

Sem comentários: