CAPÍTULO V
Entrada em Campanha: a Federação Escamoteada
Dos dois lados dos Alpes, a democracia tinha portanto tomado à letra a palavra de Napoleão III: que a França fazia a guerra por uma ideia; que essa ideia era a independência da Itália, e que as nossas tropas não parariam senão no Adriático. O princípio das Nacionalidades, como se lhe chama, estava assim posto, segundo os comentadores, na declaração de guerra.
As nacionalidades! Qual é este elemento político? Definiu¬se, analisou¬se? Determinou¬se o seu papel e importância? Não: ninguém na de¬mo¬cracia unitária sabe uma palavra, e poderá ser que ela o aprenda um dia da minha boca pela primeira vez. Que interessa: as nacionalidades, asseguram eles, é sempre a Revolução.
Pois bem, seja. Não está nos meus pensamentos desaprovar nem muito nem pouco as esperanças mais ou menos exageradas que tinha feito conceber a descida até Itália do exército francês. Cada um sabe quanto os acontecimentos modificam na guerra as resoluções; teria sido sábio tê¬lo em conta: não vou aproveitar dessa falta de reserva. Não sou eu, federalista, que contestarei a independência a quem quer que seja. As minhas observações têm um outro fim.
A nacionalidade não é a mesma coisa que a UNIDADE: uma não supõe necessariamente a outra. São duas noções distintas, que, longe de se envol¬verem, muito frequentemente se excluem. O que constitui a nacionalidade suíça, por exemplo, o que lhe dá a originalidade e o carácter, não é a língua, pois que se falam na Suíça três idiomas; não é a raça, pois que há tantas raças como línguas: é a independência cantonal . Ora, a Itália, não menos que a Suíça, parece ter sido talhada pela natureza para uma confe¬deração: porquê então, desde antes do começo da campanha, ter levantado essa questão da unidade? Porquê essa extensão dada ao objectivo primitivo, e perfeitamente definido, da expedição? Havia nisso necessidade, oportunidade? É o que é necessário ver.
Quando invoquei, depois de tantos outros, em favor de uma federação italiana, a constituição geográfica da Itália e as tradições da sua história, responderam¬ me que isso não passava de lugares comuns esgotados, fatalidades que competia a uma nação inteligente e livre, agindo na pleni¬tude do seu poderio e no seu mais alto interesse, ultrapassar. Disse¬se que a teoria que tende a explicar a política e a história pelas influências do solo e do clima era falsa, mesmo imoral; pouco faltou para me tratarem como materialista, porque eu tinha julgado ver na configuração da Península uma condição de federalismo, o que segundo a minha opinião significa uma prova de liberdade.
Esta argumentação singular dos meus contraditores revelou¬me uma coisa muito triste: as ideias existem na sua memória no estado de formigueiro; a sua inteligência não as coordena. Daí a incoerência das suas opiniões e esse arbitrário indizível que dirige a sua política.
36) O artigo 109 da Constituição federal suíça contém: « As três principais línguas fala¬das na Suíça, o alemão, o francês e o italiano, são línguas nacionais da confederação. » Este artigo, ditado pela necessidade e simples bom senso, é um dos mais notáveis que já encontrei em qualquer constituição; responde admiravelmente à fantasia nacionalista da época. Os constituintes da Helvécia não podiam melhor testemu¬nhar que aos seus olhos a nacionalidade não é coisa puramente fisiológica e geográfica; é também, e bem mais, coisa jurídica e moral.
Não é assim que o entendem nos Estados unitários: aí não se encontra mais nem mesmo respeito pelos idiomas nem o mesmo sentimento de nacionalidade. No reino dos Países Baixos, fundado em 1814 e que durou até 1830 sob o rei Guilherme, aliás excelente príncipe, a língua francesa estava no index; no interesse da unidade, recusava¬se¬lhe a nacionalidade. Desde a revolução de 1830 e a separação da Bélgica, sob o rei Leopoldo, é a vez do flamengo (a mesma língua que o holândes) de ser olhada como estrangeira, direi mesmo hostil, mesmo que seja falada por dois terços da população belga. Ouvi honrados cidadãos da Flandres queixarem¬ se da falta de notários e magistrados que compreendessem a sua língua, e acusar bem alto a male¬volência do governo. Uma doméstica flamenga, enviada ao correio para retirar ou pagar o porte de uma carta, não encontrava a quem falar. Aprenda o francês, dizia¬ lhe bruscamente o empregado. Os senhores de letras parisienses observarão sem dúvida que a extinção do flamengo não seria para o espírito humano uma grande perda: pode mesmo acontecer que empurrem o amor da unidade até a sonhar com uma língua universal. Em todo o caso, isso não é liberdade, não é nacionalidade, não é direito.
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