Ou então, é a existência do Papado que se encontra posta em causa pelo próprio facto da unidade italiana. De novo o partido bonapartista se divide: o Sr. de la Guéronnière e de la Rochejaquelein, unidos aos cardeais, tomam a defesa do poder temporal, que os Srs. Piétri e de Persigny acutilam em excesso. Ninguém sonha em examinar a questão nem do ponto de vista da moral eterna contida nos princípios da Revolução, nem daquele do princípio federativo, único capaz de fazer justiça exacta às pretensões do Pontificado. Longe disso, cada um proclama o seu respeito pelo catolicismo, o que implicitamente resolve a questão a favor do Rei Papa: somente, enquanto que uns perguntam se o poder temporal não é uma causa de enfraquecimento para a Igreja, os outros asseguram que é para ela uma garantia indispensável. No fundo, nada existe de sério neste debate senão a cobiça do Piemonte que, contra direito e razão, depois de ter tomado os Estados de Nápoles, Toscania, etc., quer ainda ter os da Igreja, e que pensa ter conquistado o sufrágio imperial, interessando para a sua causa uma das fracções do bonapartismo.
O Sr. Guéroult lançou¬se nesta confusão: que faz ele aí? de balança. Não ousaria negá¬lo, ele que, mesmo fazendo ao catolicismo uma guerra de difamação mais que de controvérsia, acusa os Srs. Renan e Larroque, do mesmo modo que a mim próprio, de serem ateus: como se na filosofia, como se no pensamento da Revolução, ateísmo e teísmo, materialismo e espiritualidade fossem outra coisa senão simples aspectos metafísicos. A propósito da peça do Sr. Emile Augier, o Sr. Guéroult teve a boa sorte de receber um aviso: ei¬lo transformado em vítima da perseguição clerical. Mas estejam tranquilos: o Sr. Guéroult tem a protecção do bonapartismo voltairiano que assistia à representação do Fils de Giboyer, e que não deixará cair um cabelo da cabeça do seu jornalista .
Apoiei a independência da Bélgica, uma nacionalidade tão respeitável como qualquer outra, contra o apetite dos anexacionistas, entre os quais se conta na primeira linha o Sr. Guéroult. Como recompensa, obtive o quê? a simpatia do palácio de Laeken? a ordem de Leopold? não, recebi um tumulto. Toda a imprensa liberal belga se levantou contra mim! É verdade que invocava a favor da independência belga a política de federação, e que desde há algum tempo o liberalismo belga e o governo do rei Leopold, por uma contradição que toda a gente notou, pareciam inclinados às ideias unitárias... De resto, compreendo que um publicista tome partido pela unidade contra a federação: questão deixada às disputas. Admito mesmo, a despeito da etimologia, que o martírio não é um testemunho seguro da verdade, como tão pouco a venalidade da testemunha não é uma demons¬tração de falso testemunho: mas tenho o direito de saber se o escritor que leio fala como advogado ou como professor. Sr. Guéroult, não sereis vós condecorado com a ordem de São Lázaro?
Abordando o fundo da questão, o Sr. Guéroult pelo menos forneceu a favor da causa que defende razões plausíveis? Destruiu os meus argu¬mentos a favor do Federalismo? As suas formas de raciocinar são das mais estranhas. Se faço intervir a geografia e a história, o Sr. Guéroult trata essas considerações como lugares comuns. Seja: aceito a acusação. Não inventei nem a geografia nem a história; mas até que o Sr. Guéroult tenha provado que as tradições históricas e as condições geográficas da Itália conduzem a um governo unitário, ou que tenha mudado umas e outras, manterei as minhas razões como sólidas, precisamente porque são lugares comuns.
Pretende que a Itália unificada, tornando¬se ingrata e hostil, nada poderá contra nós. Sem ter estudado a estratégia, acredito que o contrário resulta da simples inspecção das fronteiras. Será necessário ser um grande naturalista para dizer, à vista de um quadrúpede armado de garras e de dentes, como o leão, que este animal está preparado para a matança, destinado a alimentar¬se de carne viva e a beber sangue? É assim que a Itália, armada até aos dentes do lado da França, é inofensiva para nós somente enquanto está dividida. O Sr. Guéroult defende, é verdade, que esse armamento é destinado à Áustria; quanto à França, a semelhança dos princípios faz dela uma irmã da Itália. Doce fraternidade! Infelizmente a experiência, outro lugar comum, dá a essas duas asserções o mais estron¬doso desmentido. É com a pátria de Breno f) que a Itália sempre esteve em guerra; é desse lado que ela sempre temeu a invasão; é contra a França que depois da morte de Luís o Bem¬ Amado g) a política romana chama os Alemães ao império; é pelo efeito dessa antipatia da nação italiana contra a nossa que se atirara irreflectidamente na unificação, e que a Áustria se encontra ainda hoje na posse do Estado de Veneza; é contra a França, finalmente, que a casa de Sabóia dirigiu constantemente a sua política.
41) Ao citar o nome do Sr. Émile ANGIER ao lado do do Sr. Guéroult, não tenciono envolvê-los na mesma desaprovação. O autor dramático capta no ar os vícios e ridí¬cu¬los do seu tempo: é o seu direito, e não é, gosto de o crer, culpa do Sr. Angier se se usa a sua obra, que eu não vi nem li, em manobras políticas. O Sr. Guéroult, dando a sua adesão à dinastia a fim de poder melhor atirar sobre a Igreja e servir a sua seita, não está na mesma situação. Uma coisa no entanto me espanta, é ver certo partido aplaudir com tanto entusiasmo o mesmo escritor, que anteriormente, nos Effrontés, de que Fils de Giboyer é uma continuação, lhe infligiu tão rudes golpes. Os aplausos dados a Giboyer filho teriam como fim fazer esquecer Giboyer pai?
f) Do latim Brennus. Príncipe dos Sénones, chefe dos gauleses (séc. IV a.c.). Derrotou os romanos conquistando e saqueando Roma em 387 a.c. (N.T.)
g) Trata-se de Luis XV de França, que reinou entre 1715 e 1774. (N.T.)
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