Falais da semelhança dos princípios. Mas na hora actual há mais semelhança de princípios entre a Áustria e o Piemonte, ambos constitucionais, que entre este e a França imperial; e é ainda um lugar comum que, se a Áustria consentisse mediante indemnização em devolver Veneza, a mais terna amizade uniria as cortes de Viena e Turim. Talvez o Sr. Guéroult entenda por semelhança dos princípios, que regressando a França aos costumes constitucionais, um tratado de garantia mútua uniria os interesses capitalistas da França, da Itália e da Áustria? Mostrei precedentemente que essa consolidação do burguesismo, como dizia Pierre Leroux, está nas coordenadas da monarquia constitucional. Neste caso não falemos mais nem de nacionalismo nem de democracia; deixemos sobretudo de lado a divisa S. simoniana, que considera a emancipação da classe mais numerosa e mais pobre como o fim da Revolução. A unidade italiana, casando¬ se nestas condições com a unidade francesa e a unidade aus¬tríaca, e formando trindade com elas, encontrar¬se¬ia então voltada contra quem? contra o proletariado dos três países. Dir-se¬á que calunio os sentimentos democráticos e socialistas do Sr. Guéroult? Mas aqui o passado e o presente respondem pelo futuro: o saint¬simonismo, que primeiro pela boca de Saint¬Simon denunciou o federalismo industrial, tomou como missão, na pessoa do Sr. Enfantin e dos seus discípulos, realizá¬lo. É por isso que nós o vimos operar a conversão, primeiro em direcção à monarquia de Julho, depois em direcção do segundo Império: de modo que do republicanismo transitório do Sr. Guéroult nada resta, nem mesmo uma intenção.
O Sr. Guéroult reprova ao governo federativo que este multiplique os estados¬ maiores. A objecção da sua parte tem falta de sinceridade: é o contrário, ele sabe¬ o, que é verdade. Quem acreditará que um adepto do Sr. Enfantin, um dos seus sectários que tanto contribuíram, desde há vinte anos, para multiplicar as grandes companhias, lastima- se seriamente do que faz o encanto de tudo o que ele gosta, as sociedades por acções e as grandes unidades políticas? Relembrei na minha última brochura, segundo a estatística orçamental dos diferentes Estados da Europa, e o Sr. Gué¬roult conhece esses documentos tão bem como eu, que as despesas gerais da governação progrediram na razão directa e geométrica da centralização, de modo que sendo, a média de contribuição federal por cabeça de 15,77 fr. no cantão do Vaud, mais a contribuição federal que chega também por cabeça a 6,89 fr., total 22,66 fr.; – essa mesma média eleva¬se a 30 fr. na Bélgica e a 54 na França. No entanto nós vemos que na Suíça, para uma população de 2.392.760 habitantes, existem vinte e cinco governos canto¬nais, mais o governo federal, total de vinte e seis estados¬ maiores, como diz o Sr. Guéroult. Não conheço os orçamentos dos outros cantões; mas supondo¬os todos iguais ao do Vaud, um dos cantões mais povoados e ricos, ter¬se¬ia como despesa total desses vinte e seis governos uma soma de 53.821.531,20 fr. Em França, para uma população de 38 milhões de almas, quer dizer dezasseis vezes mais considerável que a da Suíça, não existe senão um único estado, um só governo, um só estado¬maior; mas ele custa, segundo as previsões do último orçamento, dois biliões e sessenta e oito milhões, ou seja, por cabeça, 54,40 fr. E nesse orçamento, as despe¬sas das comunas, as da cidade de Paris, por exemplo, cujos impostos administrativos se elevam no conjunto a 75 milhões, e que tem dívidas, não estão incluídas. Eis ao que o Sr. Guéroult teria tentado responder se tivesse estado de boa fé. Mas o que é bom saber nem sempre é bom de dizer, e o Sr. Guéroult achou mais simples desviar sobre o federalismo o testemunho acusatório que eu tinha apresentado contra a unidade. É assim que se fazem os negócios e se redigem os jornais.
O Sr. Guéroult insiste, com um fingimento particular, sobre a acusação da anarquia, que chega a confundir com a federação. Tão bem como o Sr. Taxile Delort, o Sr. Guéroult sabe a que público se dirige. O que o Papado é para os leitores do Siècle, aliás excelentes cristãos, a anarquia é¬o, parece, para os assinantes da Opinion nationale, aliás perfeitos democratas. Então seremos nós sempre o mesmo povo ignorante e pretencioso? Conta¬se que, quando os Venezianos enviaram embaixadores pedir desculpas a Luís XIV, certo burguês de Paris pensou morrer de riso ao saber que os Venezianos eram uma nação que vivia em república, e que a república era uma governação sem rei. A quem de entre o Sr. Guéroult ou dos seus leitores é preciso que eu ensine que a anarquia é o corolário da liberdade; que em teoria, ela é uma das formas a priori do sistema político do mesmo modo que a monarquia, a democracia e o comunismo; que na prática figura em mais de três quartos da sociedade, pois que se deve entender, sobre esse termo, todos os factos que relevam exclusivamente da iniciativa individual, factos cujo número e importância devem aumentar sem cessar, com grande desagrado dos autores, promotores, cortesãos e exploradores das monarquias, teocracias e democracias; que a tendência de todo o homem laborioso, inteligente e honesto, foi sempre necessariamente anárquica, e que esse santo horror que inspira a anarquia é o resultado de sectários que, colocando como princípio a malignidade inata e a incapacidade do sujeito humano, acusando a razão livre, invejosos da ri¬queza adquirida pelo trabalho livre, desconfiando do próprio amor da família, sacrificando, uns a carne ao espírito, os outros o espírito à carne, esforçando¬se para anular todo o individualismo e toda a independência sob a autoridade absoluta dos grandes estados¬maiores e dos pontificados.
Depois deste simulacro de refutação, o Sr. Guéroult põe¬se a desvendar os mistérios da minha consciência. Segundo ele, a ideia que me fez escrever teria sido uma inspiração do mais infernal maquiavelismo.
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