quinta-feira, setembro 02, 2010

O NEGRO E O VERMELHO

CAPÍTULO IV

A Presse, a Patrie, o Pays, os Débats,o Écho de la Presse, a Revue Nationale

Toda a gente reconhece ao Sr. Peyrat um notável talento invectivo, e uma arte ainda maior para confundir as questões por meio de uma fraseologia tempestuosa e de uma erudição indigesta. Diz que eu fui o flagelo da democracia, em 1848, compara¬me a Hébert, trata a minha argumentação como digna de dó; e, depois de ter afirmado que a unidade é necessária à Itália para combater a Áustria, que os Estados pequenos acabam, que a tendência vai para as grandes unidades, como um leão imponente que tivesse provocado um rato do campo, atira¬me para longe dele. Que quereis que eu responda a esse espadachim, para quem nem a geografia, nem a história, nem o direito público e o direito dos povos contam; que, em toda a sua vida, não reflectiu cinco minutos sobre o sistema fede-rativo assim como sobre a Carta de 1814 ou sobre a Constituição de 93, e que vê o progresso e a Revolução na unidade e bel prazer dos velhos jacobinos? – Sois condecorado, Sr. Peyrat, com a ordem de São Maurício e de São Lázaro?
Ao Sr. Peyrat acaba de suceder na direcção de la Presse o Sr. de Girardin. Como ele só acaba de chegar, devo mudar a forma da minha interpe¬lação: O Sr. de Girardin teria inveja da fita?
O antigo redactor de la Presse reapareceu mais vivo que nunca. Seis anos de reforma em nada o envelheceram: tem sempre a mesma petulância, a mesma vivacidade, a mesma bravura. O seu regresso devolveu um pouco de vida aos jornais. As suas declarações divertiram, interessaram o público. Veterano da Liberdade, que escolheu por divisa, como é que não se declarou logo de início federalista?... Era ele que, é verdade, dizia em 1848: Preferia três meses de poder a trinta anos de jornalismo. De onde se pode concluir que a Liberdade do Sr. de Girardin é prima direita da centralização! É já coisa ousada apoiar a unidade italiana em 1860, enquanto que, Nápoles conquistada por Garibaldi, toda a gente acreditava nessa unidade realizada. O Sr. de Girardin não hesita em tomá¬la sob a sua proteção, quando ela mete água por todos os lados. A solução que ele propõe consiste mais ou menos nisto: Em nome da Liberdade e da Unidade, um decreto do Imperador separaria a Igreja do Estado, suprimiria o orçamento dos cultos, retiraria o ensino popular das mãos do clero, excluiria os cardeais do Senado. Feito isto, e o governo imperial tornado anti¬cristão como outrora o governo directorial, nada mais simples do que fazer regressar os nossos soldados de Roma, dar carta branca ao general Cialdini, e deixar o Santo Padre sob a protecção da Providência... Uma parte do que há momentos eu colocava como desafio ao le Siècle, na pessoa do Sr. Taxile DELORT, tentar. Eh! Sr. de Girardin, as suas ten¬dências valem mais que as suas teorias: poderíamos quase entender¬nos.
Notai no entanto uma coisa. Se o Imperador regressa, no que diz respeito à Igreja, ao status quo de 1795¬1802, é preciso que siga as coordenadas até ao fim. Uma ideia nunca vem só, e a política não suporta divi¬sões. O Consulado implicava a reabertura das igrejas, lêde de preferência o Sr. Thiers: pode mesmo dizer¬ se que uma das causas do sucesso do 18 Brumário e da popularidade do Consulado foi que o Directório não podia, por princípio, dar satisfação à piedade pública. Cortar com a Igreja, como propõe o Sr. de Girardin, seria renunciar à tradição imperial, recomeçar em sentido inverso o 18 Brumário e o 2 de Dezembro, abolir o princípio dinástico, restabelecer, com a constituição de 1848, a liberdade de im¬prensa, o direito de associação e de reunião, a liberdade de ensino; finalmente, construir, por cima de uma revolução política, uma revolução eco-nómica, social, moral, quatro vezes tanto labor como empreenderam em 89 os Esta¬dos Gerais, em 93 a Convenção, em 99 o primeiro Cônsul. Cortar com a Igreja, numa palavra, seria atentar contra essa bela unidade, objecto do culto do Sr. de Girardin, e pôr em perigo o sistema imperial.
O Sr. de Girardin sente¬se suficientemente forte, de cabeça e de cora¬ção, para apoiar uma tal tarefa? Ouso responder que não. Mas então o seu projecto de solução reduz¬ se a zero: falou para nada dizer. Depois de ter muito bem compreendido que a questão papal arrasta de seguida a questão religiosa, enganou¬se enormemente se imaginou que, para resolver esta, seria suficiente colocar por decreto imperial o clero fora do orçamento e da propriedade, os cardeais fora do Senado, a Igreja fora do ensino, a religião fora da política. É caso para lhe relembrar a frase: Expulsai¬ os pela porta, eles reentrarão pela janela. Sois capaz de substituir a religião, que sem dúvida a vossa intenção não é proscrever? E se não sois capaz de operar essa substituição, podeis, Sr. de Girardin, impedir, sob um regime de liberdade, as reuniões e asociações religiosas? Podeis fechar as escolas livres? Podeis excluir do direito de voto, das candidaturas e dos empregos, os eclesiásticos?... Votada ao ostracismo pelo governo, a Igreja vai portanto, em virtude da legislação e da liberdade, reaparecer, não importa o que façais, no plano temporal, no Estado, no governo. Restabelecer¬se¬á tanto mais fortemente quanto vos mostrardes mais incapaz de substi¬tuir o seu ministério nas regiões elevadas da ordem moral. Aperceber¬ vos¬ eis então que a questão religiosa não se resolve por receita, assim como a questão da unidade italiana não se pode resolver dando Nápoles, Roma e Veneza a Vítor¬Emanuel.
É seriamente, aliás, que se propõe a um chefe de Império saído de dois golpes de Estado contra a Revolução, aliado pelo sangue a quase todas as famílias principescas da Europa, filho mais velho da Igreja, devotado aos interesses capitalistas, adoptar uma semelhante política? Oh! quando disse que o Império estava solidário com o Papado; que os seus destinos, não obstante as suas querelas, eram inseparáveis, eu estava profundamente dentro da verdade. O Imperador sem Igreja, como o quer o Sr. de Girardin, seria Robespierre do mais puro, a menos que não fosse Marat: Robespierre seguindo a pé, com um ramo de flores na mão, a procissão do Ser Supremo, seis semanas antes do 9 termidor; Marat, no dia do seu triunfo, transportado pelos braços nús, dois meses antes da visita de Charlotte Corday. Parece¬me ouvir o Imperador exclamar como o Papa: Non possumus! j)

j) Em latim, no original. Não podemos. (N.T.)

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