domingo, setembro 05, 2010

O NEGRO E O VERMELHO

O Journal des Débats foi desde 1830 e depois de 1848 o órgão mais obstinado da reacção: é a sua glória. Se a República regressasse ao poder, poderia ser que ele tivesse mais de uma conta a regular com ela. Como a publicação dos Srs. Molé, Guizot, Thiers, Falloux, etc. se declarou a favor do reino de Itália, uma criação revolucionária? Isso surpreendeu¬me de novo. – Mas o Journal des Débats contribuiu para a revolução de Julho; foi um dos principais beneficiados dela. Se faz caso da legitimidade, a usurpação não lhe desagrada nada. Numa circunstância como esta, em que se tratava ao mesmo tempo de conservar e de se apossar, podia¬se decidir por um ou o outro partido, como diz o Sr. Guizot. O motivo tudo justificava. Notai por outro lado que Napoleão III, a cujo governo se diz que o Journal des Débats, se aliou em último lugar, é, como Luís¬Filipe, ao mesmo tempo o conservadorismo e a Revolução. Qual é então o motivo que determinou o Journal des Débats a favor do Piemonte? É um motivo de reação ou um motivo de revolução? É um e o outro ao mesmo tempo?
O Journal des Débats apoiava em 1846 o Sunderbund, em 1849 a expedição contra Roma: como pode ele hoje combater os direitos do Santo Padre? – Mas o Journal des Débats é voltariano tanto como cristão, jansenista tanto como jesuíta, burguês e unitário tanto como dinástico, revolucionário tanto como conservador e amigo da ordem. Quem sabe? Talvez ele esteja convencido que a religião ganharia com o espoliamento do Papa. Então o que de mais simples que, no interesse da grande coligação burguesa como naquele do triunfo da Igreja, ele tenha sacrificado o temporal do Santo Padre à unidade italiana? Para qualquer lado que vos voltardes, o Journal des Débats apresenta¬ vos uma razão. Qual é a sua razão, finalmente, a sua verdadeira razão? Quœrite, et non invenietis.k)
Antes de 1848, o Journal des Débats era quase o único órgão do Sr. Gui¬zot, o austero; mas era ao mesmo tempo o dos Srs. Teste, Cu-bières e Pellaprat... – É uma infelicidade: ninguém pode responder pela virtude dos seus amigos; a cada um os seus erros.
As pessoas que lêem os Débats e que seguem a sua direcção, admitem voluntariamente duas morais, a grande e a pequena. Combinando essas duas morais, poderia resumir¬se toda a política dos Débats nessa fórmula de meio termo transcendente e de elevada doutrina:

É PRECISO VIRTUDE, diz o provérbio, DEMAIS NÃO É PRECISO:
É PRECISO RELIGIÃO, DEMAIS NÃO É PRECISO;
É PRECISO JUSTIÇA, DEMAIS NÃO É PRECISO;
É PRECISO BOA FÉ, DEMAIS NÃO É PRECISO;
É PRECISO HONESTIDADE, DEMAIS NÃO É PRECISO;
É PRECISO FIDELIDADE AOS PRINCÍPIOS, DEMAIS NÃO É PRECISO;
É PRECISO PATRIOTISMO, DEMAIS NÃO É PRECISO;
É PRECISO CORAGEM CÍVICA, DEMAIS NÃO É PRECISO;
É PRECISO PUDOR, DEMAIS NÃO É PRECISO...

A cantilena não acabaria.
As almas demasiado escrupulosas julgarão esse sistema pouco edificante. Que espécie de descaramento, com efeito, que cobardia, que vilania, que traição, que infâmia, que crimes contra Deus e contra os homens não se podem justificar por esse meio termo entre a grande e a pequena moral? Mas, apesar de tudo, não se é obrigado a mais fé que o carvoeiro, nem a mais sabedoria que os provérbios.
O Journal des Débats resolve como grande senhor; dele ostenta a elegância e arroga¬ se a impertinência, gabando¬se de ser, entre os seus confrades, um modelo de bom tom e de bom gosto. Aqui, interrompo de repente o Journal des Débats. Essas maneiras aristocráticas

Não inspiram respeito senão às pessoas que não são daqui,

como diz Alcestel). É calão disfarçado. Sabe¬se, desde a revolução de Julho, – não é mesmo o próprio Journal des Débats que o teria dito? – que há canalha em cima e canalha em baixo.
Para o excedente, o Journal des Débats serve¬se do federalismo italiano como o Pays e a Patrie: não examina, coisa pedante, ele critica maldosamente

k) Em latim, no original. Investigai e não inventeis. (N.T.)
l) Figura da mitologia grega. Ofereceu a vida pelo seu marido Admeto, condenado à morte por Ártemis, mas Hérodes salvou-a de morrer. Foi também personagem de um drama de Eurípides. (N.T.)

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