quarta-feira, setembro 15, 2010

O NEGRO E O VERMELHO

CAPÍTULO VII

Questões Morais e Políticas. – Da Razão de Estado.

O Sr. Fr. Morin censurou¬me, é a sua última e principal queixa, de ter atacado Mazzini. A esse respeito, julgou¬se obrigado, para me instruir, a reunir as listas de serviço e fazer a apologia do grande conspirador.
Agradeço de novo ao Sr. Fr. Morin a maneira cortês com a qual fez nesta circunstância apelo aos meus sentimentos a favor de Mazzini. As suas simpatias não foram oportunidade para deixar cair sobre mim a mí¬nima palavra de descrédito. Sendo essa moderação de linguagem tão exemplar como de bom gosto, esforçar¬me¬ei por a imitar, sem que a verdade que os livres pensadores devem um ao outro se ressinta.
Farei inicialmente observar ao Sr. Fr. Morin, com toda a consideração que merece o seu carácter, que o seu elogio de Mazzini, muito sincero, não duvido, parece¬me no entanto, no lugar que ele ocupa, ter um pouco por objectivo fazer passar o resto do artigo. O Sr. Fr. Morin tinha necessidade desse pára¬quedas para fazer compreender aos seus leitores de Lyon, sem se expor ele mesmo a perder a sua confiança, que um homem podia muito bem reprovar a unidade italiana e combater a política de Mazzini, sem ser por isso um inimigo do povo e da liberdade. É assim que o Sr. Pelletan, protestando nas suas duas brochuras contra o unitarismo italiano, se julgou obrigado a misturar às suas críticas, de um lado um pomposo elogio de Garibaldi, mesmo que seja forçado a condenar a expedição, do outro uma diatribe contra a Áustria, mesmo que recentemente tenha dito dela: A liberdade como na Áustria! o que lhe valeu um mês de prisão.
Tal é nos nossos dias a miséria intelectual e moral da democracia, que os seus mais devotados defensores não podem aventurar a mínima obser¬vação fora do corrente pressuposto sem se tornarem imediatamente suspei¬tos.

Com que horrível juramento é preciso tranquilizar¬vos?

Um escritor democrata deve ter sem cessar esse verso de Hipólito para Teseu presente na memória. Ser Fr. Morin, Pelletan, e sujeitar¬se a um acto vergonhoso de uma perpétua justificação!...
Pois bem, falemos ainda de Mazzini. Repito, e será pela última vez, que não se trata aqui do homem, mas do tribuno; que creio Mazzini tão respeitável, tão virtuoso na sua vida privada quanto o defunto Savonarola e Garibaldi, e que ninguém mais que eu admira a constância do seu carác¬ter. Mas acrescento que, feita essa reserva, reserva de direito, que é humi¬lhante para a Democracia que se deva renovar sem cessar, não concebo como, sendo o que sou, negando energicamente o sistema da unidade e afirmando a federação, condenando consequentemente o princípio e toda a política de Mazzini, deveria inclinar¬me de seguida diante da sua fama de agitador. Que se tornariam a liberdade de opinião, a independência da crítica, as isenções da tribuna e da imprensa, se, depois de ter derrubado pela discussão uma doutrina, ter mostrado os seus erros e imoralidade, se devesse, por conclusão, atirar uma coroa ao seu autor? É dessa forma que o próprio Mazzini entende a política? Se me não enganei, inicialmente na apreciação que fiz dos acontecimentos que se realizaram na Península, depois na teoria que apresentei do sistema federativo, tive razão em dizer que Mazzini tinha sido o desastre da liberdade italiana e da Revolução, e tenho o direito de exigir que ele se retire. Como é que o ascetismo de um chefe de partido serviria de cobertura aos desastres causados pelo seu sistema?
Mazzini é homem de uma ideia e de uma política. O que o distingue entre todos, é que ele tem a religião da sua ideia, e que para a servir não hesita a seguir¬lhe as máximas até às suas últimas consequências. Poucos homens têm essa coragem: é por aí que se distinguem os inovadores dignos desse nome, o que os torna grandes na história, quando por destino a sua ideia responde à consciência dos seus contémporâneos. Julguemos então a ideia e a política de Mazzini, sem juízo antecipado, mas sem fraqueza, e deixemos o homem. Se cometer algum erro, ficarei contente que mo façam ver, e apressar¬me¬ei a retratar¬me, bem menos ainda por consideração para com Mazzini, cuja pessoa deve continuar estranha ao debate, que pela própria Democracia, da qual ele não é aqui senão o representante.
Mazzini é democrata, da mesma forma que o era Robespierre e que o são todos os jacobinos. Quer dizer que, se pelo seu ponto de partida e pelos interesses que ele representa, a liberdade, em geral, é a sua dominante, ela transforma¬se bem rapidamente em Autoridade pura pela substituição da soberania colectiva pela soberania dinástica. Isso resulta da vida, dos escritos e de toda a política de Mazzini. A liberdade indivi¬dual, o direito do homem e do cidadão ocupam pouco espaço nas suas preocupações. O contrato social não é aos seus olhos senão um contrato tácito, unilateral, onde o homem desaparece na massa, onde a individualidade é sacrificada à unidade. A sua divisa, Deus e Povo; o seu horror à anarquia e ao socialismo, os seus esforços pela unidade italiana, mostram que esse democrata não é, como Robespierre, senão um homem de autoridade.

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