Na monarquia constitucional, sistema híbrido, equívoco, fundado ao mesmo tempo sobre a autoridade e o contrato, o juramento de fidelidade ao príncipe é exigido aos funcionários e representantes; mas é¬o ao mesmo tempo ao príncipe, obrigado, na sua tomada de posse, a jurar fidelidade à constituição. Aí, o poder é dividido em quatro categorias ministeriais, mas a administração é centralizada; aí, o governo é impessoal, no sentido em que toda a ordem do rei deve ser assinada secundariamente por um ministro; mas torna¬se de novo pessoal na medida em que é o rei que escolhe os ministros, e que é muito difícil que ele não encontre, se necessário, um que assine por ele. Tudo isso, quando se olha de perto, é bastante extravagante, e os acontecimentos provaram¬no. Mas, finalmente, isso é compreensível: é mais razoável, apesar de tudo, que a monarquia absoluta; nós tínhamos mesmo reconhecido que de todas as fundações do empirismo essa tinha sido até ao presente a mais feliz. Pode¬ se portanto admitir que numa sociedade onde a monarquia é reconhecida como parte integrante do sistema político, juntamente com a soberania do povo, o juramento pode ser requerido pela coroa. Monarca e súbditos estão ligados uns em rela¬ção aos outros, como o estavam na idade média, mas por um pacto ou juramento diferente do da idade média. É o que os homens de 89 exprimiram pela fórmula: A Nação, a Lei, o Rei.
Regressemos agora a Mazzini e à sua política.
Mazzini é o homem da unidade, o que implica, senão exactamente a monarquia constitucional, pelo menos a república unitária, essência pura da monarquia. Devido ao seu princípio, não somente Mazzini podia exigir dos seus aderentes o juramento de fidelidade à República una e indivisível, superior ao direito e à liberdade, e da qual fez um ídolo; podia mesmo prestᬠlo e fazer prestᬠlo a todo o representante, individual ou colectivo, dessa República, a Vítor¬Emanuel, por exemplo, em relação a quem se pode dizer que ele se tinha comprometido pelo seu lado por juramento, quando lhe ofereceu o seu apoio na condição de Vítor-Emanuel se devotar pelo seu lado à unidade. Foi mais ou menos assim que os Jaco¬binos de Robespierre prestaram, em 1804,juramento a Napoleão, e mais tarde, em 1814, a Luís XVIII. Só o republicano federalista, para quem o governo é exclusivamente o produto e a expressão de um contrato, está autorizado, pela lógica e pelo direito, a recusar o juramento. O pacto federativo e a homenagem feudal ou imperial são contraditórias.
Teremos brevemente eleições em França. Naturalmente o Sr. Fr. Morin, jacobino, mazziniano, católico romano, admitirá, não tendo outra ra¬zão, que em virtude do princípio de unidade que é a alma e a razão de Estado do seu partido, os candidatos da Democracia podem perfeitamente prestar juramento ao Imperador. Eles não têm para isso necessidade alguma de ser afeiçoados à sua pessoa ou aprovar a sua política, como tão pouco antigamente o adepto da realeza, ao prestar juramento, não tinha necessi¬dade de gostar ou estimar o seu rei; como tão pouco o Sr. Thiers, entrando no ministério e prestando juramento, não tinha necessidade de ser a alma danada de Luís-Filipe. É suficiente, hoje como então, que o prín¬cipe seja a expressão do pensamento geral ao qual se alia aquele que presta jura-mento.
Assim, conforme reconhece a Democracia e o próprio Sr. Frédéric Morin, por um lado, a constituição francesa, adepta da realeza, imperial ou democrática, o título e a forma não contam, sendo uma constituição fundada sobre um contrato, mas na qual entra mais autoridade que liberdade, que consequentemente admite, numa certa medida a personalidade do governo; por outro lado, tendo sido Napoleão III criado pelo sufrágio universal primeiro representante da nação e chefe de Estado, o juramento, que nada o força a exigir, pode lógica e legalmente por ele ser tornado obriga¬tório: nesse caso, não há dúvida que todo o bom democrata possa prestᬠlo de consciência segura. Entre a oposição democrática e Napoleão III, não percamos isso de vista, não existe mais diferença que entre Luís-Filipe e Lafayette, Vítor¬ Emanuel e Garibaldi. A recusa do juramento, pelo qual se assinalavam os eleitos da Democracia em 1852, dirigia¬se à pessoa do soberano, mas não tocava na sua dignidade. Actualmente o juramento já não é recusado, o que é o mesmo que dizer que a Democracia, mesmo se critica a política imperial, reconhece definitivamente o direito do Impera¬dor e a consanguinidade que os une. Conserva a sua atitude de oposição; mas essa oposição não é mais nada senão o que na Inglaterra se chama eufemisticamente Oposição a Sua Majestade.
A fim de que o Sr. Fr. Morin compreenda melhor a importância da questão, far¬lhe¬ ei observar que Mazzini, depois de ter prestado jura-mento, possui, para o caso em que estivesse descontente com o príncipe, e sem¬pre em virtude da sua teoria, um meio de se libertar. Se a máxima do Estado não é respeitada; se, por exemplo, a unidade da Itália, objectivo da Democracia mazziniana, não for feita; se Vítor¬ Emanuel se mostrar incapaz ou mal intencionado; se ceder às ordens formais do estrangeiro, Mazzini pode declarar o príncipe infiel à razão de Estado, traidor da unidade e da pátria, e proclamar- se ele próprio liberto do seu juramento. Era assim que na idade média, quando um rei se tornava culpado de qualquer atentado à moral pública ou doméstica, aos direitos da nobreza ou à autoridade da Igreja, era excomungado pelo Sumo Pontífice e os seus súbditos desligados do seu juramento. Mas essa teoria da dissolução do juramento, já muito duvidosa quando a dissolução era pronunciada em nome da sociedade crente pelo chefe espiritual, e que levantou as mais vivas reclamações contra os papas, é bem mais reprovável ainda quando a decisão a tomar depende unicamente da consciência do indivíduo. Não é outra coisa senão a aplicação da máxima jesuítica: Jura, perjura a), etc. Porque, finalmente, prestar juramento sob reserva, fazer¬se juiz da situação em que o juramento deverá ser mantido ou daquele em que o não será, ou tratar um acto tão sério como simples formalidade; é, em princípio, ignorar a essência do juramento; no fundamental, é negar o direito do príncipe, saudado inicialmente como parte integrante da constituição; é, numa palavra e sem necessidade, cometer perjúrio.
a) Em latim, no original. Jura e perjura. (N.T.)
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