Nesta situação, foi o Sul que tomou a iniciativa proclamando a sua independência: qual foi a conduta do Norte? Invejoso em conservar a sua supremacia pois que o território dos Estados Unidos não comporta, segundo ele, senão uma nação única, começa por tratar os separatistas como rebeldes; depois, para anular todo o pretexto para a cisão, decide¬se a transportar para fora da república, através de indemnização aos proprietários, todos os escravos, com a excepção de dar aos de entre estes últimos que o pedissem, a autorização para ficar, mas numa condição inferior, que lembra a dos párias indus. Deste modo, ao passo que se declaram rebeldes os Confederados do Sul que, para salvarem a sua exploração parti¬cular, pedem para sair de uma confederação tornada impossível, decreta¬se a autoridade, legaliza¬ se, torna¬se irrevogável a separação política e social dos homens de cor: maneira nova de aplicar o princípio de nacionalidade! Tal é o projecto de Lincoln. Se esse projecto for aprovado, é claro que a servidão negra não terá feito senão mudar de forma; que bom número de Negros, indispensáveis à cultura das regiões tórridas serão retidos nos Estados que habitam; que a sociedade americana não será por isso mais homogénea; que além disso o desejo de impedir no futuro toda a tentativa de separação dos Estados do Sul terá feito dar um passo mais em direcção à centralização, de forma que, a constituição geográfica vinda aqui em ajuda da constituição social , a república federativa dos Estados Unidos não terá feito, pela solução Lincoln, senão encaminhar¬se mais rapida¬mente em direção ao sistema unitário.
Ora, a mesma Democracia que entre nós apoia a unidade italiana, apoia igualmente, sob pretexto da abolição da escravatura, a unidade americana; mas, como para melhor testemunhar que essas duas unidades não são aos seus olhos senão duas expressões burguesas, quase¬monárquicas, tendo por objectivo consolidar a exploração humana, aplaude a con¬versão, proposta pelo Sr. Lincoln, da escravatura dos Negros em proletariado. Aproximai isso da proscrição com a qual atacou o socialismo desde 1848, e tereis o segredo dessa filantropia democrática, que não suporta a escravatura, pois então!... mas que se acomoda maravilhosamente com a mais insolente exploração; tereis o segredo de todas essas unidades cujo fim é quebrar, pela centralização administrativa, toda a força de resistência nas massas; tereis adquirido a prova de que o que governa a política dos pretensos republicanos e democratas na América, da mesma forma que na Itália e na França, não é a justiça, não é o espírito de liberdade e de igualdade, não é sequer um ideal, é egoísmo puro, a mais cínica das razões de Estado.
Se nas suas discussões sobre a questão da América a imprensa democrática tivesse trazido tanto de julgamento como de zelo; se, em lugar de empurrar o Norte contra o Sul e de gritar: Mata! mata! tivesse procurado os meios de conciliação, teria podido oferecer às partes beligerantes conse¬lhos sensatos e nobres exemplos. Ter¬lhes¬ia dito:
«Numa república federativa, o proletariado e a escravatura parecem igualmente inadmissíveis; a tendência deve ser para a sua abolição.
«Em 1848 a Confederação helvética, depois de ter colocado na sua nova constituição o princípio de Igualdade perante a lei e abolido todos os antigos previlégios de burguesia e de família, não hesitou nada, em virtude desse novo princípio, em conferir aos heimathlosen (pessoas sem pátria) a qualidade e os direitos de cidadãos. – A confederação americana pode, sem faltar ao seu princípio e sem retroceder, recusar aos homens de cor, já libertados, que abundam sobre o seu território, as mesmas vantagens que a Suíça concedeu aos seus heimathlosen? Em lugar de afastar esses homens e de os sobrecarregar com afrontas, não será preciso que todos os Anglo- saxões, os do Norte e os do Sul, os recebam na sua comunhão e saúdem neles concidadãos, iguais e irmãos? Ora, a consequência dessa medida será admitir à isonomia, com os libertos, os Negros retidos até agora na escravatura.
46) Se alguma vez uma confederação foi colocada em condições geográficas desfavoráveis, de certeza foi a dos Estados Unidos. Lá pode dizer-se que a fatalidade é profundamente hostil e que a liberdade tem que fazer tudo. Um vasto continente com seicentas a mil léguas de largura, de forma quadrada, banhada por três lados pelo Oceano, mas cujas costas são de tal forma distantes umas das outras que se pode dizer o mar inacessível a três quartos dos habitantes; no centro desse continente, um corredor imenso, ou de preferência uma passagem estreita (Mississipi, Missouri, Ohio), que, se não é neutralizado, ou declarado propriedade comum, não formará para os dezanove vigésimos dos ribeirinhos senão uma artéria sem saída: Eis, em duas palavras, a configuração geral da União americana. Assim o perigo da cisão foi imediatamente compreendido, e é incontestável que, sob esse aspecto, o Norte combate pela sua existência pelo menos tanto como pela Unidade. Lá tudo se encontra neste momento em contradição: os Brancos e os Negros, o Norte e o Sul, o Este e o Oeste (Protestantes e Mormons), o carácter nacional (germânico e federalista) expressa pelo pacto, e o território, os interesses e os costumes. À primeira vista a América do Norte parece predestinada para formar um grande Império unitário, comparável, superior mesmo, ao dos Romanos, dos Mongóis ou dos Chineses. Mas não é também uma coisa maravilhosa que esse continente tenha caído justamente nas mãos da raça mais federalista pelo seu temperamento, o seu génio e as suas aspirações, a raça anglo-saxónica? Que o Sr. Lincoln ensine aos seus compatriotas a ultrapassar as suas aversões; que admita os Negros ao direito de cidadania e declare ao mesmo tempo guerra ao proletariado e a União está salva.
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