domingo, setembro 19, 2010

Software livre

Hoje é o dia internacional da liberdade do software. E de quem o usa. Celebra o ideal de que os programas de computador devem ser livres de restrições que nos privem destas liberdades:

0 – A liberdade de executar o programa como quisermos.
1 – A liberdade de estudar o programa, perceber o que faz e alterá-lo.
2 – A liberdade de distribuir cópias do programa e ajudar os outros.
4 – A liberdade de distribuir as alterações que fizermos ao programa e contribuir para o melhorar.

Para muitos isto parece utopia, absurdo ou, pior ainda, comunismo. Mas suponham que tentávamos aplicar estas regras à matemática. Imaginem que alguém defendia a liberdade de fazer contas onde quisesse; a liberdade de estudar, perceber e ajudar outros a fazer contas; e a liberdade de criar e distribuir as melhorias que fizesse nas expressões algébricas. Estas liberdades são tão fundamentais na álgebra que nem vale a pena defendê-las, porque ninguém vai propor limitá-las.

Pois um segredo bem conhecido da informática é que o software é álgebra, e o computador é apenas uma máquina de calcular. Uma máquina muito versátil e rápida, com disco, memória, monitor e mais umas coisas mas que, no fundo, só faz contas e copia valores. Absurdo é este sistema de nos vender contas para fazer na nossa máquina de calcular e proibir-nos de saber que contas são e como se fazem, de as partilhar com outros ou de as melhorarmos.

Um exemplo disto é o SolTerm, um programa para cálculo do desempenho de sistemas solares térmicos e fotovoltaicos. É de uso obrigatório na certificação energética de edifícios (pelo Dec. Lei 80 de 4 de Abril de 2006), para evitar que haja concorrência. Foi desenvolvido pelo Laboratório Nacional de Energia e Geologia, uma instituição pública financiada por todos nós. Mas cobram 130€ para autorizar o uso deste programa que a lei obriga a usar. 130€ por uma licença restrita «a um utilizador único, para um único posto (i.e. computador)»(2). E não permitem sequer que se veja os cálculos que o programa faz.

Na licença de utilização, só acessível depois de comprar o programa, escreveram que «este software e os seus bancos de dados são propriedade do LNEG, I.P.», provavelmente sem notar a ironia de um instituto público ser proprietário do programa que lhes pagámos para criar e dos dados que lhes pagámos para recolher. E a cereja, no cimo do bolo:

«ESTE SOFTWARE E OS SEUS BANCOS DE DADOS SÂO PROVIDENCIADOS "TAL-QUAL" E SEM GARANTIAS DE QUALQUER TIPO, EXPRESSAS OU IMPLICITAS, INCLUINDO E SEM LIMITAÇÃO, QUALQUER GARANTIA DE ADEQUAÇÃO A QUAISQUER FINS PARTICULARES OU COMERCIAIS.»

Depois de cobrarem o desenvolvimento nos impostos e a autorização na licença, proibirem o uso de alternativas e impedirem que se examine o código, ainda se isentam de qualquer responsabilidade pelo resultado. E isto nem é o pior. O pior é que o pessoal aceita calado.

Admito que este exemplo é extremo, mas mostra onde se pode chegar se ignorarmos estas liberdades fundamentais. O software, e o conteúdo digital em geral, não é produto nem propriedade. É álgebra. É conhecimento. Pode ser público ou privado, pode ser acerca de coisas ou de pessoas, pode ser regulado para proteger a vida privada ou outros direitos fundamentais. Mas não é coisa que se venda a retalho. Tem de se investir para o criar mas, uma vez que se obtém conhecimento de interesse público devemos ser livres de o examinar, compreender, usar e partilhar.

Software Freedom Day
Associação Nacional para o Software Livre

1- GNU OS, The Free Software Definition
2- Manual de SolTerm, pdf.

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