sábado, outubro 30, 2010

O NEGRO E O VERMELHO

A Negação do Estado Nacional

A corrente mais profunda da história do XIX século favorizava a afirmação do princípio nacional. O ponto de vista federalista que foi expresso ao mesmo tempo, apesar de não ter nenhuma possibilidade de se afirmar, permitiu denunciar o aspecto negativo desta fase da história da Europa e os limites do estado nacional.
Pierre Joseph Proudhon condenou a formação do Estado nacional italiano e reconheceu no princípio nacional e no Estado unitário, não factores de desenvolvimento da democracia, mas novas formas de opressão, não factores de paz, mas fontes de antagonismo duma violência inaudita entre os Estados.
A propósito da unificação italiana, Proudhon escreve: “Um Estado de vinte e seis milhões de almas, como seria a Itália, é um Estado no qual todas as liberdades provinciais e municipais são confiscadas em proveito duma potência superior, que é o governo. Aí, toda a localidade deve obedecer, o espírito de bairro, calar-se: fora o dia das eleições, no qual o cidadão manifesta a sua soberania por um nome próprio escrito num boletim, a colectividade é absorvida no poder central... A fusão, numa palavra, quer dizer a destruição das nacionalidades particulares, onde vivem e se distinguem os cidadãos, numa nacionalidade abstracta onde não se respira nem se conhece mais: eis a unidade...” E conclui “E quem lucra deste regime de unidade? O povo? não, as classes superiores.”(7)
A democracia de tipo jacobino, quer dizer a “república una e indivisível”, que confere a soberania ao povo, entendida como fechada em si mesma, uniforme, monolítica e que condena como um atentado à soberania popular tudo o que pode dividir, diferenciar, opor as vontades que concorrem à formação da vontade nacional, não deveria, falando com propriedade, nomear-se democracia, porque todos os grupos sociais, todas as comunas e todas as outras colectividades locais, submetidas à mesma autoridade e à mesma administração, perdem a sua autonomia.
Uma democracia que não se manifesta a não ser ao nível nacional, sem autonomia local, é uma democracia nominal, porque controla do topo, sufocando as comunidades, quer dizer a vida concreta dos homens. O princípio da soberania popular transforma-se mesmo num mito que serve para legitimar a subordinação do povo ao poder central.
Proudhon também mostra que a estrutura do estado unitário reduz o princípio da divisão dos poderes, que é a garantia fundamental do governo livre, a uma fórmula jurídica vazia. Com efeito, existe uma contradição insuperável entre o princípio da limitação do poder pela sua divisão e o da centralização do poder pela eliminação de todo o limite á acção do governo central. Enquanto que o primeiro repousa na autonomia de centros de poder determinados relativamente ao governo central e logo na existência de contrapesos, de oposições e de antagonismos entre os poderes de Estado, o segundo não tolera nenhum centro de iniciativa política fora do governo central.
Proudhon antecipa (8) também, de modo pertinente, os aspectos autoritários e centralizadores dum regime colectivista: a planificação rígida e centralizada, o controle burocrático e policial de todos os aspectos da vida social, a supressão da liberdade de expressão e de associação, o culto da personalidade. São, nas suas grandes linhas, os mecanismos sociais e políticos que conduzirão ao estalinismo.
O ponto de vista federalista permite portanto esclarecer os limites do modelo de Estado unitário e centralizado, tanto na sua variante liberal-democrática como na sua variante comunista.
Sobre a crítica do princípio nacional, quer dizer, da fusão do Estado e da nação, Proudhon exprime-se, mais uma vez, com uma lucidez surpreendente nas páginas publicadas após a sua morte numa recolha intitulada France et Rhin (1867), onde parece estar condensado o resultado da sua longa e penosa reflexão sobre a questão nacional.
Para ele, é claro que existe uma nacionalidade espontânea, que é o produto de laços naturais entre as comunidades locais e o seu território, a sua cultura e as suas tradições, e uma nacionalidade organizada, que é o produto artificial dos laços entre o Estado e os indivíduos que residem no seu território, expressão da necessidade de uniformidade social e cultural e de lealismo exclusivo ao Estado burocrático e centralizado.(9)
Proudhon traz também uma contribuição importante à compreensão do princípio moderno de nacionalidade, explicando como é que um mito serve para justificar um tipo determinado de organização política: o Estado democrático unitário nascido da Revolução Francesa, que se mantém graças ao apoio material do exército permanente, fundado sobre o recrutamento obrigatório, e dum aparelho burocrático e policial centralizado e graças ao apoio ideológico da fusão do Estado e da nação.
Proudhon previu que a mistura explosiva do Estado e da nação acentuariam a agressividade e o belicismo dos Estados, transformando-os em “máquinas de guerra”. Compreendeu, em particular, que a aplicação do princípio nacional na Europa central e oriental, onde era impossível delimitar os Estados com precisão na base deste princípio, teria o efeito dum detonador. A organização da Europa em Estados nacionais teria como resultado romper o equilíbrio das potências, complicar de tal modo a situação internacional e levar o continente para uma série de “guerras nacionais”. A Europa negligenciará esta sábia advertência, ontem como hoje.
Enquanto que a afirmação do princípio nacional empurrava os Estados a transformarem-se em grupos fechados, hostis e belicosos, o desenvolvimento da revolução industrial tendia a multiplicar e a intensificar as relações sociais e a unificá-las em espaços cada vez mais vastos, exigindo a formação e a organização política de sistemas económicos continentais.
Ao contrário de Constantin Frantz que condenou a formação do estado nacional alemão em que o seu federalismo está ligado à nostalgia de certos aspectos da sociedade pré-nacional e a sua negação do princípio nacional define-se mais como um meio de estabelecer uma continuidade com a ordem universal do império medieval do que em termos de ultrapassagem, no sentido dialéctico do termo, do estado nacional, o federalismo integral de Proudhon é projectado para o futuro. Um dos aspectos mais interessantes do seu pensamento consiste na formulação, ao lado dum federalismo político, nacional e internacional, de um federalismo económico e social, necessário para limitar o poder de Estado e dos privilegiados que sustêm este poder.

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