A Dinâmica da Extinção da Autoridade
É importante fazer algumas precisões sobre o tema deste trabalho. Trata-se de um tema vasto, que não iremos analisar em todas as suas implicações nem o iremos abordar sob os diferentes pontos de vista segundo os quais pode ser considerado (10). Em particular, queria assinalar que não é meu propósito elucidar a dinâmica da transição para a anarquia, quer dizer, de construir um quadro das diferentes medidas reformadoras que deveriam favorizar, segundo Proudhon, o princípio da sociedade mutualista ao mesmo tempo que o declínio do poder, no sentido tradicional do termo.
A minha intenção é sobretudo trazer à luz o quadro teórico no qual se inscreve, segundo o filósofo, a perspectiva da queda do princípio autoritário e, nesse contexto, verificar se estamos em presença dum quadro teórico tendo uma configuração unívoca, ou então se ele revela com o tempo variações estruturais ou formais.
Antecipando as minhas conclusões, preciso, desde já, que elaborei em Proudhon diferentes esquemas de leitura da dinâmica do declínio da autoridade: esquemas que se sobrepõem recortando-se e completando-se reciprocamente e que, estreitamente ligados um ao outro no princípio da carreira intelectual de Proudhon, adquirem no tempo uma autonomia relativa e sofrem desenvolvimentos verdadeiramente notáveis.
Finalmente alguns esclarecimentos sobre os limites cronológicos que fixei à investigação. É bem conhecido que o anarquismo proudhoniano atinge a sua formulação mais radical nos anos da Segunda República e sofre de seguida enfraqueci-
mentos consideráveis, em alguns dos seus motivos inspiradores aparecendo então obscurecidos. Acontece assim que o tema da extinção do poder, que prima na produção proudhoniana até 1852, cede o lugar, nos escritos posteriores, ao da sua regeneração. Como bem o disse Aimé Berthod (11):
“Por um progresso natural do seu pensamento, Proudhon, dá-se conta de que o que havia nas suas primeiras afirmações de demasiado teórico, de demasiado absoluto, passando da determinação rigorosa da ideia às “aproximações” que são uma necessidade de toda a aplicação prática, foi levado a ter um lugar, tão estritamente delimitado que seja, a um princípio de autoridade, a esta noção de governo e de Estado do qual tinha proclamado dum modo tão ousado, em 1849-1850, a total queda.”
Será que o quadro teórico no qual se inscreve esta nova perspectiva proudhoniana coincide com o que se apoia a hipótese da extinção da autoridade? Podemos dizer em substância que os pressupostos teóricos da vinda da sociedade federalista correspondem, com algumas excepções aqueles que governam a dinâmica da exaltação do anarquismo? Eis um problema cativante que não irei já abordar.A minha finalidade era de reconstruir a evolução e a articulação da grelha de leitura proudhoniana dizendo respeito ao declínio do poder, obrigatoriamente limitei a minha análise aos escritos dos anos 1838-1852. Entre estes últimos privilegiei alguns textos que me pareceram particularmente reveladores da configuração que esta grelha de leitura revestiu por certos momentos a maturação intelectual de Proudhon.
Tomei como primeiro ponto de referência a memória sobre a propriedade de 1840: escrito no qual, sabemo-lo, Proudhon pela primeira vez encara o anarquismo como o termo próximo e inevitável da marcha histórica da humanidade e a reivindica como ideal político (12). Apesar de nos referirmos genericamente a este texto tendo no espírito problemas de outra natureza, convém observar que o seu quinto e último capítulo desenha um fresco sugestivo do curso histórico da humanidade, que é dum grande interesse para o nosso propósito, pois ele contém uma análise da génese da autoridade, e, correlativamente, pressupostos do seu enfraquecimento.
Não me demorarei a ilustrar a interpretação da história que este texto nos propõe. Limitar-me-ei a lembrar que se trata duma interpretação que revela duma maneira muito clara os traços que a conotarão pelo que se segue. Trata-se com efeito: primeiramente duma interpretação marcada por uma confiança inabalável no progresso; em segundo lugar, duma interpretação que define este progresso como o lento e penoso caminho do homem da autoridade à liberdade, da hierarquia à anarquia. Trata-se enfim duma concepção que indica na razão a alavanca deste progresso.
Sobre a tela de fundo desta visão da história, Proudhon traça, do nascimento da autoridade e, paralelamente, das condições da sua decadência, uma leitura que liga estas dinâmicas ao processo de desenvolvimento da razão. Mais exactamente Proudhon, imputando o nascimento da autoridade a um estado de infância da razão, liga naturalmente a sua queda a um estado de maturidade desta mesma razão. “Numa sociedade dada,” diz ele (13), “a autoridade do homem sobre o homem está na razão inversa do desenvolvimento intelectual ao qual esta sociedade chegou.”
Na esteira da filosofia das luzes, Proudhon partilha com muitos dos seus contemporâneos uma concepção dinâmica da razão e um sentimento muito vivo do progresso do conheci-
mento. Isso leva-o a conceber a razão como fonte de erro, e por consequência do mal, no primeiro estádio do desenvolvimento histórico, e como instrumento de emancipação e de liberdade nas épocas mais avançadas (14).
Mas vejamos duma maneira mais precisa em que consiste este avanço da razão que constitui aos olhos de Proudhon a premissa necessária do declínio da autoridade: vejamos então o que ele entende por maturidade e imaturidade da razão.
Dum ponto de vista geral, podemos dizer que a infância da razão corresponde a uma etapa da evolução da humanidade, na qual a razão se opõe ao instinto, ignorando as suas leis: uma etapa na qual esta, não tem em conta as leis da natureza, entrava esta sociabilidade à qual o instinto nos conduziria naturalmente: daí a necessidade dum recurso quase espontâneo ao governo, como instrumento de ordem e de paz. Pelo contrário a maturidade da razão corresponde a um estádio de evolução da humanidade caracterizado pela reconciliação entre razão e instinto: estádio no qual a razão, se torna-se favorável à procura das leis da natureza, se faz instrumento do seu conhecimento, e descobre a existência de regras presidindo ao desenvolvimento da sociedade, e, portanto, à autonomia do social (15). Com a linguagem metafórica e eficaz que lhe é próprio, Proudhon apresenta a infância da humanidade como uma época de incesto entre razão e instinto, donde deriva o mal; e a maturidade da humanidade como”uma misteriosa e santa união” entre estes dois elementos, donde deriva o bem (16).
Neste quadro de interpretação, é o nascimento da ciência da sociedade, quer dizer o conhecimento finalmente adquirido das leis presidindo à evolução social, que constitui a premisa de extinção da autoridade (17): a descoberta das leis do social implicando o reconhecimento da sua autonomia, e por isso mesmo, o reconhecimento da inutilidade deste aparelho de poder falsamente considerado como fonte de ordem.
A temática da ciência da sociedade, já esboçada na “Celebração de Domingo” (18), emerge claramente neste texto. Não me demorarei a lembrar que esta temática revela uma continuidade evidente entre o pensamento de Proudhon e o de Saint-Simon e Auguste Comte; autores dos quais encontramos claramente influência nos escritos de Proudhon, e a respeito dos quais aliás este último não hesita a admitir a sua dívida de reconhecimento (19). O que tenho que chamar a atenção, pelo contrário, é que a “Primeira Memória” oferece-nos uma grelha de leitura da decadência da autoridade, que liga duma maneira explícita esta decadência à consciência que a sociedade adquire da sua estrutura de ordem. Consciência que se exprime pelo estabelecimento da ciência da sociedade, mesmo se, é preciso lembrá-lo, não encontramos neste escrito uma definição precisa dos caracteres desta ciência, definição que só virá no seguimento.
Paralelamente a esta grelha de leitura do esvaziamento da autoridade, Proudhon propõe contudo uma segunda, estreitamente ligada à precedente, e que constitui, num certo sentido, um enriquecimento e uma variante. A maturidade da razão sobre a qual se insere a crise de poder tradicionalmente concebido, corresponde com efeito aos olhos de Proudhon a uma fase do desenvolvimento histórico caracterizado não somente pelo conhecimento das leis específicas do social, mas ainda pela ultrapassagem das tensões antagónicas que ensanguentaram os princípios da espécie. Segundo uma visão típica da filosofia das Luzes a qual assimila o mal ao erro e o bem ao verdadeiro, Proudhon afirma que nas origens da humanidade a razão não foi somente a fonte do erro, mas também a causa do mal: o mal identificando-se às irrupções da individualidade, e em particular à apropriação privada. É a “autocracia da razão”, a “terrível faculdade de raciocinar do melhor e do pior”, observa ele (20), que opõe indivíduo a indivíduo, que fomenta o egoísmo, que engendra enfim o sentimento do privado, ao qual devemos ligar a propriedade, a desigualdade, o conflito, do mesmo modo que o papel mediador naturalmente atribuído ao governo.
Podemos então dizer que, para Proudhon, a razão joga inicialmente um papel de desagregação do tecido social, que desaparece no momento em que ela cessa de proceder duma maneira arbitrária e torna-se veículo do conhecimento da nossa natureza. A reconciliação entre razão e instinto, cuja génese da ciência social testemunha, coincide em substância, com a ultrapassagem das tensões antagónicas que acompanharam a vida da sociedade, das suas origens até ao presente.
Apesar da “Primeira Memória” apresentar o nascimento da ciência social do mesmo modo que o enfraquecimento do antagonismo como as manifestações dum mesmo processo de emancipação da razão, parece-me importante observar que Proudhon, atira a sua atenção sobre o fim do conflito social enquanto premissa da crise da autoridade, foi levado a fazer entrar em linha de conta uma série de dinâmicas objectivas ligadas às transformações da vida material, iniciando assim a ultrapassagem duma leitura exclusivamente intelectualista deste processo. Podemos em resumo verificar que a “Primeira Memória” propõe, ainda que duma maneira embrionária, dois esquemas interpretativos da extinção da autoridade, diferentes, no entanto imbricados. De um lado, apresenta um esquema de leitura que liga o declínio da autoridade ao autoconhecimento do social; do outro, traça uma interpretação deste mesmo processo, que o prende a dinâmicas objectivas, cujo desapareci-
mento do antagonismo seria o indício.
Se dermos um salto em frente de alguns anos e se nos transportarmos ao período crucial e intenso da Segunda Républica, no momento em que Proudhon, sob o fogo dos acontecimentos desencadeados pela Revolução de 1848, concentra a sua atenção sobre os grandes temas da autoridade e do poder, notamos então que as duas grelhas de leitura anteriormente analisadas suportam desenvolvimentos consideráveis.
Nos artigos da “Voix du Peuple”, nas “Confissões dum Revolúcionário” e na “Ideia Geral da Revolução”, Proudhon elabora duma maneira original esta interpretação do fim do político enquanto que resultado da autoconsciência social, já esboçada na “Primeira Memória”.Esta elaboração apoia-se por um lado, sobre a definição finalmente acabada da teoria da sociedade enquanto ser colectivo; do outro, sobre o emprego de paradigmas conceptuais próprios à esquerda hegeliana.
Transpondo para o domínio político o procedimento de desmistificação do fenómeno religioso tratado por Feuerbach, e radicalizando a crítica do Estado burguês avançada por Marx na “Questão Judaica” e na “Contribuição à Crítica da Filosofia do Direito de Hegel” (21), Proudhon propõe de facto uma leitura do político enquanto que alienação, que não deixará de exercer a sua influência sobre os desenvolvimentos teóricos do anarquismo. Trata-se duma interpretação que foi analisada de maneira magistral por Pierre Ansart (22), e onde não me demorarei mais tempo. Limitar-me-ei a salientar que, nesta óptica, a noção de Estado e a sua possibilidade de existência repousam, são as próprias palavras de Proudhon (23), “sobre esta hipótese que um povo, que o ser colectivo que nomeamos uma sociedade, não pode governar-se, pensar, agir, exprimir-se por ele próprio duma maneira análoga à dos seres dotados de personalidade individual; que tem necessidade, para isso, de se fazer representar por um ou mais indivíduos que, a um qualquer título, são tidos serem os depositários da vontade do povo e dos seus agentes”.
A existência do Estado, instituição autoritária por excelência, encontra a sua premissa necessária na desvalorização do social, no desconhecimento da sua capacidade de produzir uma força colectiva, na ignorância da sua prioridade genética em relação ao político. É exactamente através do açambarcamento da força colectiva imanente à sociedade que nasce a instituição política, falsamente considerada como a sua fonte. Nesta nova perspectiva, a dinâmica da extinção da autoridade é concebida por Proudhon como o resultado da recuperação pela sociedade, das suas características de força, de ordem, de harmonia, que lhe seriam essenciais e que ela teria, sem ter consciência, alienado em proveito duma entidade exterior: o Estado, o governo.
Como na “Primeira Memória” o processo de enfraquecimento da autoridade desenrola-se quase que exclusivamente ao nível da consciência; mas os seus mecanismos parecem agora bem mais complexos. Ainda que no célebre artigo “O que é o Governo? O que é Deus ?” (24) Proudhon faz referência ao criticismo racionalista kantiano, a análise do poder que ele traça denota uma certa influência dos procedimentos intelectuais da esquerda hegeliana. Não me inclinarei sobre os tempos, os modos, as vozes desta influência: foram objecto dum estudo minucioso (25). Entretanto queria sublinhar que, sob a influência dos “doutores além-Reno” (Grün, Ewerbeck, Marx, Feuerbach, etc.), a leitura do fenómeno autoritário opera-se em Proudhon seguindo o esquema da inversão sujeito-predicado empregue por Feuerbach para explicar o fenómeno religioso: esquema em que o sujeito é a sociedade e o predicado torna-se o Estado.
Vejamos então como o emprego deste esquema ressalta no sujeito que nos interessa, a saber sobre a concepção da extinção da autoridade. Muito esquematicamente podemos dizer que isso implica, antes de tudo, que somente a correcção desta inversão, quer dizer a consciência da prioridade genética do social sobre o político, poderá iniciar o enfraquecimento deste último. Isso arrasta, além disso, que o fim da autoridade passa necessa- -riamente por um processo psicológico e intelectual, que arrasta o desmantelamento do aparelho mítico e místico sobre o qual o Estado foi fundado, precisamente por causa da sua natureza artificial (26). Em poucas palavras isto significa que o declínio da autoridade é percebido como a libertação intelectual desta espécie de malefício místico no qual o poder reteve a humanidade. Vemos então, que a interpretação do esvaziamento da autoridade enquanto resultado da autoconsciência social evoluiu e enriqueceu-se em relação à “Primeira Memória”.
Poderíamos fazer considerações análogas a propósito da segunda grelha de leitura que pus em evidência: a saber, aquela que liga a extinção da autoridade ao desaparecimento do antagonismo social. Se fizermos a análise dos textos do período de 1848-1852, e particularmente da “Ideia Geral da Revolução”, verificamos que esta grelha adquire um relevo que não tinha anteriormente e que faz objecto dum aprofunda-
mento considerável.
O quadro de interpretação no interior do qual toma lugar a tese do desfalecimento do antagonismo, desfalecimento sobre o qual se insere o enfraquecimento do princípio governamental, é o da passagem da sociedade teológico-feudal à sociedade industrial e científica: sociedade na qual a lógica conflitual própria ao mundo feudal cede passo a uma lógica de solidaridade, que seria o resultado inevitável das relações múltiplas e complexas criadas pelo trabalho.”Numa sociedade transformada, quase sem ela saber, pelo desenvovimento da sua economia”, escreve Proudhon (27), “não há mais nem fortes nem fracos, só existe trabalhadores, cujas faculdades e os meios tendem sem cessar, pela solidariedade industrial e a garantia de circulação, a igualar-se”.
É assim que o papel de mediação do poder torna-se necessariamente supérfluo, o trabalho aparece então como o veículo mais poderoso da integração social. “Um tempo virá onde, estando o trabalho organizado por ele próprio, segundo a lei que lhe é próprio, e não tendo mais necessidade de legislador nem de soberano, a oficina fará desaparecer o governo”, podemos ler numa passagem célebre (28). O governo dissolver-se-à então na organização económica: esta última substituirá a organização política, absorvendo-a; e o regime dos contratos sucederá ao regime das leis, símbolo do velho mundo autoritário (29). Desprende-se aqui claramente a influência do pensamento de Saint-Simon, influência que, de resto, Proudhon não hesita em reconhecer (30).
É oportuno observar que, segundo este esquema de leitura, a dinâmica da solidaridade é recortada do autoconhecimento do social, favorecendo-a. Com efeito, enquanto que na “Primeira Memória” o processo de autoconsciência social era predomi-
nante e governava a dinâmica do declínio do antagonismo, agora parece que a relação entre estes dois processos seja quase invertida, e que seja sobretudo o enfraquecimento do conflito arrastado pelo desenvolvimento económico, que ponha em marcha e active o autoconhecimento da sociedade (31).
Não me vou estender mais tempo sobre esta leitura do declínio do fenómeno autoritário; todavia parece-me importante assinalar que o colocar valorativamente a solidariedade enquanto alavanca do enfraquecimento da autoridade tem implicações notáveis, pois facilita a passagem duma interpretação determinista do fim do político a uma interpretação que sublinha com força o papel da intervenção do sujeito. Com efeito se a prática da solidariedade constitiu o pressuposto do autoconhe-
cimento do social e da decadência da autoridade, é evidente que a sua expansão é entendida como um poderoso instrumento de aceleração deste mesmo processo.
Observamos no que pensamento de Proudhon o lugar da liberdade aumenta progressivamente (32). Esta observação encontra uma confirmação pontual no caso que nos interessa. O enfraquecimento do princípio autoritário, se aparece sempre como saída do curso histórico, revela-se cada dia um pouco mais como uma conquista da iniciativa consciente das classes produtivas.As páginas da “Ideia Geral” onde Proudhon desenha as medidas através das quais se deve traduzir esta iniciativa são por demais conhecidas para serem aqui lembradas (33). Basta-me dizer que isto implica que uma terceira grelha de leitura da extinção da autoridade nasce neste texto. Grelha, à luz da qual este processo, mergulhando as suas raízes nas profundezas da história, aparece contudo como o resultado da intervenção dum sujeito colectivo específico, que é a classe operária.
Podemos dizer para concluir que a interpretação do enfraquecimento da autoridade proposto por Proudhon, durante uma dúzia de anos evolui, refina-se, articula-se. O esvaziamento do poder, no sentido tradicional do termo, inicialmente preso a uma emancipação da razão concebida de maneira ainda vaga, aparece, no cume do itinerário intelectual de Proudhon, como o produto do concurso de dinâmicas diferentes e imbricadas. Dinâmicas que dizem respeito à evolução dos meios e das formas do conhecimento (é nesse caso o processo que leva do mito à ciência e da alienação política à autoconsciência do social); dinâmicas que se prendem com as transformações da actividade material (é nesse caso o trabalho que se substitui à guerra aproximando os homens e os povos); dinâmicas, finalmente, que sendo fatais e inexoráveis, implicam cada dia um pouco mais o sujeito, abrindo espaços de intervenção à prática reformadora das massas laborais. É à volta desta mensagem, penso, que se articula a produção ulterior de Proudhon, a qual, e isto não é um azar, encontrará o seu ponto culminante na “Capacidade Política das Classes Trabalhadoras”. Neste momento, entretanto, é necessário lembrá-lo, as dinâmicas que estiveram aqui em questão, parecem comandar não mais a extinção do poder, mas sobretudo a sua regeneração.
É importante fazer algumas precisões sobre o tema deste trabalho. Trata-se de um tema vasto, que não iremos analisar em todas as suas implicações nem o iremos abordar sob os diferentes pontos de vista segundo os quais pode ser considerado (10). Em particular, queria assinalar que não é meu propósito elucidar a dinâmica da transição para a anarquia, quer dizer, de construir um quadro das diferentes medidas reformadoras que deveriam favorizar, segundo Proudhon, o princípio da sociedade mutualista ao mesmo tempo que o declínio do poder, no sentido tradicional do termo.
A minha intenção é sobretudo trazer à luz o quadro teórico no qual se inscreve, segundo o filósofo, a perspectiva da queda do princípio autoritário e, nesse contexto, verificar se estamos em presença dum quadro teórico tendo uma configuração unívoca, ou então se ele revela com o tempo variações estruturais ou formais.
Antecipando as minhas conclusões, preciso, desde já, que elaborei em Proudhon diferentes esquemas de leitura da dinâmica do declínio da autoridade: esquemas que se sobrepõem recortando-se e completando-se reciprocamente e que, estreitamente ligados um ao outro no princípio da carreira intelectual de Proudhon, adquirem no tempo uma autonomia relativa e sofrem desenvolvimentos verdadeiramente notáveis.
Finalmente alguns esclarecimentos sobre os limites cronológicos que fixei à investigação. É bem conhecido que o anarquismo proudhoniano atinge a sua formulação mais radical nos anos da Segunda República e sofre de seguida enfraqueci-
mentos consideráveis, em alguns dos seus motivos inspiradores aparecendo então obscurecidos. Acontece assim que o tema da extinção do poder, que prima na produção proudhoniana até 1852, cede o lugar, nos escritos posteriores, ao da sua regeneração. Como bem o disse Aimé Berthod (11):
“Por um progresso natural do seu pensamento, Proudhon, dá-se conta de que o que havia nas suas primeiras afirmações de demasiado teórico, de demasiado absoluto, passando da determinação rigorosa da ideia às “aproximações” que são uma necessidade de toda a aplicação prática, foi levado a ter um lugar, tão estritamente delimitado que seja, a um princípio de autoridade, a esta noção de governo e de Estado do qual tinha proclamado dum modo tão ousado, em 1849-1850, a total queda.”
Será que o quadro teórico no qual se inscreve esta nova perspectiva proudhoniana coincide com o que se apoia a hipótese da extinção da autoridade? Podemos dizer em substância que os pressupostos teóricos da vinda da sociedade federalista correspondem, com algumas excepções aqueles que governam a dinâmica da exaltação do anarquismo? Eis um problema cativante que não irei já abordar.A minha finalidade era de reconstruir a evolução e a articulação da grelha de leitura proudhoniana dizendo respeito ao declínio do poder, obrigatoriamente limitei a minha análise aos escritos dos anos 1838-1852. Entre estes últimos privilegiei alguns textos que me pareceram particularmente reveladores da configuração que esta grelha de leitura revestiu por certos momentos a maturação intelectual de Proudhon.
Tomei como primeiro ponto de referência a memória sobre a propriedade de 1840: escrito no qual, sabemo-lo, Proudhon pela primeira vez encara o anarquismo como o termo próximo e inevitável da marcha histórica da humanidade e a reivindica como ideal político (12). Apesar de nos referirmos genericamente a este texto tendo no espírito problemas de outra natureza, convém observar que o seu quinto e último capítulo desenha um fresco sugestivo do curso histórico da humanidade, que é dum grande interesse para o nosso propósito, pois ele contém uma análise da génese da autoridade, e, correlativamente, pressupostos do seu enfraquecimento.
Não me demorarei a ilustrar a interpretação da história que este texto nos propõe. Limitar-me-ei a lembrar que se trata duma interpretação que revela duma maneira muito clara os traços que a conotarão pelo que se segue. Trata-se com efeito: primeiramente duma interpretação marcada por uma confiança inabalável no progresso; em segundo lugar, duma interpretação que define este progresso como o lento e penoso caminho do homem da autoridade à liberdade, da hierarquia à anarquia. Trata-se enfim duma concepção que indica na razão a alavanca deste progresso.
Sobre a tela de fundo desta visão da história, Proudhon traça, do nascimento da autoridade e, paralelamente, das condições da sua decadência, uma leitura que liga estas dinâmicas ao processo de desenvolvimento da razão. Mais exactamente Proudhon, imputando o nascimento da autoridade a um estado de infância da razão, liga naturalmente a sua queda a um estado de maturidade desta mesma razão. “Numa sociedade dada,” diz ele (13), “a autoridade do homem sobre o homem está na razão inversa do desenvolvimento intelectual ao qual esta sociedade chegou.”
Na esteira da filosofia das luzes, Proudhon partilha com muitos dos seus contemporâneos uma concepção dinâmica da razão e um sentimento muito vivo do progresso do conheci-
mento. Isso leva-o a conceber a razão como fonte de erro, e por consequência do mal, no primeiro estádio do desenvolvimento histórico, e como instrumento de emancipação e de liberdade nas épocas mais avançadas (14).
Mas vejamos duma maneira mais precisa em que consiste este avanço da razão que constitui aos olhos de Proudhon a premissa necessária do declínio da autoridade: vejamos então o que ele entende por maturidade e imaturidade da razão.
Dum ponto de vista geral, podemos dizer que a infância da razão corresponde a uma etapa da evolução da humanidade, na qual a razão se opõe ao instinto, ignorando as suas leis: uma etapa na qual esta, não tem em conta as leis da natureza, entrava esta sociabilidade à qual o instinto nos conduziria naturalmente: daí a necessidade dum recurso quase espontâneo ao governo, como instrumento de ordem e de paz. Pelo contrário a maturidade da razão corresponde a um estádio de evolução da humanidade caracterizado pela reconciliação entre razão e instinto: estádio no qual a razão, se torna-se favorável à procura das leis da natureza, se faz instrumento do seu conhecimento, e descobre a existência de regras presidindo ao desenvolvimento da sociedade, e, portanto, à autonomia do social (15). Com a linguagem metafórica e eficaz que lhe é próprio, Proudhon apresenta a infância da humanidade como uma época de incesto entre razão e instinto, donde deriva o mal; e a maturidade da humanidade como”uma misteriosa e santa união” entre estes dois elementos, donde deriva o bem (16).
Neste quadro de interpretação, é o nascimento da ciência da sociedade, quer dizer o conhecimento finalmente adquirido das leis presidindo à evolução social, que constitui a premisa de extinção da autoridade (17): a descoberta das leis do social implicando o reconhecimento da sua autonomia, e por isso mesmo, o reconhecimento da inutilidade deste aparelho de poder falsamente considerado como fonte de ordem.
A temática da ciência da sociedade, já esboçada na “Celebração de Domingo” (18), emerge claramente neste texto. Não me demorarei a lembrar que esta temática revela uma continuidade evidente entre o pensamento de Proudhon e o de Saint-Simon e Auguste Comte; autores dos quais encontramos claramente influência nos escritos de Proudhon, e a respeito dos quais aliás este último não hesita a admitir a sua dívida de reconhecimento (19). O que tenho que chamar a atenção, pelo contrário, é que a “Primeira Memória” oferece-nos uma grelha de leitura da decadência da autoridade, que liga duma maneira explícita esta decadência à consciência que a sociedade adquire da sua estrutura de ordem. Consciência que se exprime pelo estabelecimento da ciência da sociedade, mesmo se, é preciso lembrá-lo, não encontramos neste escrito uma definição precisa dos caracteres desta ciência, definição que só virá no seguimento.
Paralelamente a esta grelha de leitura do esvaziamento da autoridade, Proudhon propõe contudo uma segunda, estreitamente ligada à precedente, e que constitui, num certo sentido, um enriquecimento e uma variante. A maturidade da razão sobre a qual se insere a crise de poder tradicionalmente concebido, corresponde com efeito aos olhos de Proudhon a uma fase do desenvolvimento histórico caracterizado não somente pelo conhecimento das leis específicas do social, mas ainda pela ultrapassagem das tensões antagónicas que ensanguentaram os princípios da espécie. Segundo uma visão típica da filosofia das Luzes a qual assimila o mal ao erro e o bem ao verdadeiro, Proudhon afirma que nas origens da humanidade a razão não foi somente a fonte do erro, mas também a causa do mal: o mal identificando-se às irrupções da individualidade, e em particular à apropriação privada. É a “autocracia da razão”, a “terrível faculdade de raciocinar do melhor e do pior”, observa ele (20), que opõe indivíduo a indivíduo, que fomenta o egoísmo, que engendra enfim o sentimento do privado, ao qual devemos ligar a propriedade, a desigualdade, o conflito, do mesmo modo que o papel mediador naturalmente atribuído ao governo.
Podemos então dizer que, para Proudhon, a razão joga inicialmente um papel de desagregação do tecido social, que desaparece no momento em que ela cessa de proceder duma maneira arbitrária e torna-se veículo do conhecimento da nossa natureza. A reconciliação entre razão e instinto, cuja génese da ciência social testemunha, coincide em substância, com a ultrapassagem das tensões antagónicas que acompanharam a vida da sociedade, das suas origens até ao presente.
Apesar da “Primeira Memória” apresentar o nascimento da ciência social do mesmo modo que o enfraquecimento do antagonismo como as manifestações dum mesmo processo de emancipação da razão, parece-me importante observar que Proudhon, atira a sua atenção sobre o fim do conflito social enquanto premissa da crise da autoridade, foi levado a fazer entrar em linha de conta uma série de dinâmicas objectivas ligadas às transformações da vida material, iniciando assim a ultrapassagem duma leitura exclusivamente intelectualista deste processo. Podemos em resumo verificar que a “Primeira Memória” propõe, ainda que duma maneira embrionária, dois esquemas interpretativos da extinção da autoridade, diferentes, no entanto imbricados. De um lado, apresenta um esquema de leitura que liga o declínio da autoridade ao autoconhecimento do social; do outro, traça uma interpretação deste mesmo processo, que o prende a dinâmicas objectivas, cujo desapareci-
mento do antagonismo seria o indício.
Se dermos um salto em frente de alguns anos e se nos transportarmos ao período crucial e intenso da Segunda Républica, no momento em que Proudhon, sob o fogo dos acontecimentos desencadeados pela Revolução de 1848, concentra a sua atenção sobre os grandes temas da autoridade e do poder, notamos então que as duas grelhas de leitura anteriormente analisadas suportam desenvolvimentos consideráveis.
Nos artigos da “Voix du Peuple”, nas “Confissões dum Revolúcionário” e na “Ideia Geral da Revolução”, Proudhon elabora duma maneira original esta interpretação do fim do político enquanto que resultado da autoconsciência social, já esboçada na “Primeira Memória”.Esta elaboração apoia-se por um lado, sobre a definição finalmente acabada da teoria da sociedade enquanto ser colectivo; do outro, sobre o emprego de paradigmas conceptuais próprios à esquerda hegeliana.
Transpondo para o domínio político o procedimento de desmistificação do fenómeno religioso tratado por Feuerbach, e radicalizando a crítica do Estado burguês avançada por Marx na “Questão Judaica” e na “Contribuição à Crítica da Filosofia do Direito de Hegel” (21), Proudhon propõe de facto uma leitura do político enquanto que alienação, que não deixará de exercer a sua influência sobre os desenvolvimentos teóricos do anarquismo. Trata-se duma interpretação que foi analisada de maneira magistral por Pierre Ansart (22), e onde não me demorarei mais tempo. Limitar-me-ei a salientar que, nesta óptica, a noção de Estado e a sua possibilidade de existência repousam, são as próprias palavras de Proudhon (23), “sobre esta hipótese que um povo, que o ser colectivo que nomeamos uma sociedade, não pode governar-se, pensar, agir, exprimir-se por ele próprio duma maneira análoga à dos seres dotados de personalidade individual; que tem necessidade, para isso, de se fazer representar por um ou mais indivíduos que, a um qualquer título, são tidos serem os depositários da vontade do povo e dos seus agentes”.
A existência do Estado, instituição autoritária por excelência, encontra a sua premissa necessária na desvalorização do social, no desconhecimento da sua capacidade de produzir uma força colectiva, na ignorância da sua prioridade genética em relação ao político. É exactamente através do açambarcamento da força colectiva imanente à sociedade que nasce a instituição política, falsamente considerada como a sua fonte. Nesta nova perspectiva, a dinâmica da extinção da autoridade é concebida por Proudhon como o resultado da recuperação pela sociedade, das suas características de força, de ordem, de harmonia, que lhe seriam essenciais e que ela teria, sem ter consciência, alienado em proveito duma entidade exterior: o Estado, o governo.
Como na “Primeira Memória” o processo de enfraquecimento da autoridade desenrola-se quase que exclusivamente ao nível da consciência; mas os seus mecanismos parecem agora bem mais complexos. Ainda que no célebre artigo “O que é o Governo? O que é Deus ?” (24) Proudhon faz referência ao criticismo racionalista kantiano, a análise do poder que ele traça denota uma certa influência dos procedimentos intelectuais da esquerda hegeliana. Não me inclinarei sobre os tempos, os modos, as vozes desta influência: foram objecto dum estudo minucioso (25). Entretanto queria sublinhar que, sob a influência dos “doutores além-Reno” (Grün, Ewerbeck, Marx, Feuerbach, etc.), a leitura do fenómeno autoritário opera-se em Proudhon seguindo o esquema da inversão sujeito-predicado empregue por Feuerbach para explicar o fenómeno religioso: esquema em que o sujeito é a sociedade e o predicado torna-se o Estado.
Vejamos então como o emprego deste esquema ressalta no sujeito que nos interessa, a saber sobre a concepção da extinção da autoridade. Muito esquematicamente podemos dizer que isso implica, antes de tudo, que somente a correcção desta inversão, quer dizer a consciência da prioridade genética do social sobre o político, poderá iniciar o enfraquecimento deste último. Isso arrasta, além disso, que o fim da autoridade passa necessa- -riamente por um processo psicológico e intelectual, que arrasta o desmantelamento do aparelho mítico e místico sobre o qual o Estado foi fundado, precisamente por causa da sua natureza artificial (26). Em poucas palavras isto significa que o declínio da autoridade é percebido como a libertação intelectual desta espécie de malefício místico no qual o poder reteve a humanidade. Vemos então, que a interpretação do esvaziamento da autoridade enquanto resultado da autoconsciência social evoluiu e enriqueceu-se em relação à “Primeira Memória”.
Poderíamos fazer considerações análogas a propósito da segunda grelha de leitura que pus em evidência: a saber, aquela que liga a extinção da autoridade ao desaparecimento do antagonismo social. Se fizermos a análise dos textos do período de 1848-1852, e particularmente da “Ideia Geral da Revolução”, verificamos que esta grelha adquire um relevo que não tinha anteriormente e que faz objecto dum aprofunda-
mento considerável.
O quadro de interpretação no interior do qual toma lugar a tese do desfalecimento do antagonismo, desfalecimento sobre o qual se insere o enfraquecimento do princípio governamental, é o da passagem da sociedade teológico-feudal à sociedade industrial e científica: sociedade na qual a lógica conflitual própria ao mundo feudal cede passo a uma lógica de solidaridade, que seria o resultado inevitável das relações múltiplas e complexas criadas pelo trabalho.”Numa sociedade transformada, quase sem ela saber, pelo desenvovimento da sua economia”, escreve Proudhon (27), “não há mais nem fortes nem fracos, só existe trabalhadores, cujas faculdades e os meios tendem sem cessar, pela solidariedade industrial e a garantia de circulação, a igualar-se”.
É assim que o papel de mediação do poder torna-se necessariamente supérfluo, o trabalho aparece então como o veículo mais poderoso da integração social. “Um tempo virá onde, estando o trabalho organizado por ele próprio, segundo a lei que lhe é próprio, e não tendo mais necessidade de legislador nem de soberano, a oficina fará desaparecer o governo”, podemos ler numa passagem célebre (28). O governo dissolver-se-à então na organização económica: esta última substituirá a organização política, absorvendo-a; e o regime dos contratos sucederá ao regime das leis, símbolo do velho mundo autoritário (29). Desprende-se aqui claramente a influência do pensamento de Saint-Simon, influência que, de resto, Proudhon não hesita em reconhecer (30).
É oportuno observar que, segundo este esquema de leitura, a dinâmica da solidaridade é recortada do autoconhecimento do social, favorecendo-a. Com efeito, enquanto que na “Primeira Memória” o processo de autoconsciência social era predomi-
nante e governava a dinâmica do declínio do antagonismo, agora parece que a relação entre estes dois processos seja quase invertida, e que seja sobretudo o enfraquecimento do conflito arrastado pelo desenvolvimento económico, que ponha em marcha e active o autoconhecimento da sociedade (31).
Não me vou estender mais tempo sobre esta leitura do declínio do fenómeno autoritário; todavia parece-me importante assinalar que o colocar valorativamente a solidariedade enquanto alavanca do enfraquecimento da autoridade tem implicações notáveis, pois facilita a passagem duma interpretação determinista do fim do político a uma interpretação que sublinha com força o papel da intervenção do sujeito. Com efeito se a prática da solidariedade constitiu o pressuposto do autoconhe-
cimento do social e da decadência da autoridade, é evidente que a sua expansão é entendida como um poderoso instrumento de aceleração deste mesmo processo.
Observamos no que pensamento de Proudhon o lugar da liberdade aumenta progressivamente (32). Esta observação encontra uma confirmação pontual no caso que nos interessa. O enfraquecimento do princípio autoritário, se aparece sempre como saída do curso histórico, revela-se cada dia um pouco mais como uma conquista da iniciativa consciente das classes produtivas.As páginas da “Ideia Geral” onde Proudhon desenha as medidas através das quais se deve traduzir esta iniciativa são por demais conhecidas para serem aqui lembradas (33). Basta-me dizer que isto implica que uma terceira grelha de leitura da extinção da autoridade nasce neste texto. Grelha, à luz da qual este processo, mergulhando as suas raízes nas profundezas da história, aparece contudo como o resultado da intervenção dum sujeito colectivo específico, que é a classe operária.
Podemos dizer para concluir que a interpretação do enfraquecimento da autoridade proposto por Proudhon, durante uma dúzia de anos evolui, refina-se, articula-se. O esvaziamento do poder, no sentido tradicional do termo, inicialmente preso a uma emancipação da razão concebida de maneira ainda vaga, aparece, no cume do itinerário intelectual de Proudhon, como o produto do concurso de dinâmicas diferentes e imbricadas. Dinâmicas que dizem respeito à evolução dos meios e das formas do conhecimento (é nesse caso o processo que leva do mito à ciência e da alienação política à autoconsciência do social); dinâmicas que se prendem com as transformações da actividade material (é nesse caso o trabalho que se substitui à guerra aproximando os homens e os povos); dinâmicas, finalmente, que sendo fatais e inexoráveis, implicam cada dia um pouco mais o sujeito, abrindo espaços de intervenção à prática reformadora das massas laborais. É à volta desta mensagem, penso, que se articula a produção ulterior de Proudhon, a qual, e isto não é um azar, encontrará o seu ponto culminante na “Capacidade Política das Classes Trabalhadoras”. Neste momento, entretanto, é necessário lembrá-lo, as dinâmicas que estiveram aqui em questão, parecem comandar não mais a extinção do poder, mas sobretudo a sua regeneração.
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