Extractos de «Defeitos da Alma Pátria»
Cap. X de Arte de Ser Português, 1920
Cap. X de Arte de Ser Português, 1920
Depois das suas virtudes, será também útil falarmos dos seus defeitos. Estes encontram-se presentemente nas pessoas dos portugueses: vivem. Aquelas existem hoje na Literatura, na Arte e na Poesia (…)
E se é certo que do pior se caminha para o melhor, deveríamos talvez tratar primeiramente dos defeitos da nossa Raça.
De resto, eu creio mesmo que o homem possui as qualidades dos seus defeitos... É possível que destes resultem aquelas, por contraste ou evolução criadora. Pode ser que o Bem não seja mais do que o Mal superiormente degenerado. Não foi assim, por degenerescência electiva, que o homem se destacou do orango? Se admitirmos tal teoria, o que nos não repugna, temos de olhar os nossos defeitos com esta vaga e lusitana consideração devida às coisas ruins:
O bom senso nacional conciliou o culto divino e o maléfico.
Deus e o Demónio são incompatíveis em toda a parte, excepto em Portugal.
Este bom senso deriva do nosso carácter espiritual e sensual. E eis a nossa comédia que se opõe, retemperando-o, ao trágico aspecto da nossa alma, dominada pelo Medo misterioso... Ao Medo, que é também o Demónio, prestamos um culto corruptor. No seu altar fantástico retine o cobre da nossa esmola...
É o bom senso do Povo, o espírito da sua comédia, a origem gloriosa da sua democracia medieval.
O Rei, por graça de Deus, governava conforme a vontade pública... ou demoníaca. Nas cortes gerais, a voz do Demo casava-se com a voz divina. E os dois princípios contrários do Direito político, em nome do bom senso, harmonizaram-se. Portugal viveu então politicamente uma vida superior que depois degenerou, passando o governo para a família real, e desta para uma família qualquer de apelido mais ou menos burguês e vegetal.
A antiga concórdia entre a Unidade disciplinadora e a livre Iniciativa quebrou-se, estabelecendo-se a confusão do Caos, no qual os elementos dissolvidos procuram animar-se de uma nova Simpatia que os organize.
Extractos de «Defeitos da Alma Pátria»
Cap. X de Arte de Ser Português, 1920
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