segunda-feira, novembro 08, 2010

O NEGRO E O VERMELHO

A Economia Política enquanto Ciência Social

A sociedade responde a um esquema orgânico no qual a cabeça (o político) e o esqueleto (o direito) não podem ser racionais e sólidos se a circulação do sangue social que constitui as riquezas não é coerente. (14) O papel da ciência social será portanto, num primeiro tempo, o pôr em evidência quais são as “leis reais” de permuta que, corrompidas pela propriedade, não se revelam a não ser ocasionalmente ou de maneira latente no sistema capitalista.
A ciência social deve portanto mostrar que colocadas as práticas como leis participa dum procedimento de legitimação do real, da “ideologia dominante”. Convém portanto provar a não possibilidade de demonstrar a “legalidade científica” da economia capitalista, e portanto a sua “impossibilidade” sem o recurso ao Estado enquanto força coerciva e à Igreja enquanto aparelho ideológico. É por esta diligência crítica que podemos esperar pôr em evidência o que são as “leis reais” da economia em função das quais será possível determinar as formas políticas, jurídicas e sociais da sociedade socialista (sociedade de acordo com as leis da razão como da moral, e portanto, sem Estado nem Igreja(15) (16).
Em resposta a esta concepção da Justiça no que respeita a “ponto de transacção entre o subjectivo e o objectivo, o ideal e o real, o indivíduo e o universal”(17), Proudhon desenvolve ao longo da sua obra (18) uma metodologia que qualificará “Ideio-realismo”, aliando o bem e o ser, o real e o valor, o descritivo e o prescritivo. Este método, por sua vez ideal e formal, revela a vontade de Proudhon de afastar-se dos economistas e dos socialistas do seu tempo. Com efeito:
“A economia política inclina-se à confirmação do egoísmo; o socialismo pende para a exaltação da comunidade.
Os economistas, salvo algumas infracções aos seus princípios, dos quais crêm dever acusar os governos, são optimistas quanto aos factos realizados; os socialistas quanto aos factos a realizar.
Os primeiros afirmam que o que deve ser é, os segundos o que deve ser não é. Consequentemente, ao passo que os primeiros se portam como defensores da religião, da autoridade e dos outros princípios contemporâneos e conservadores da propriedade; bem que a sua crítica, saindo da razão, traz frequentes golpes aos seus preconceitos: os segundos rejeitam a autoridade e a fé, e apelam exclusivamente à ciência; “do mesmo modo que uma certa religiosidade, de facto despótica, e um desdém pouco científico dos factos, sejam sempre o carácter mais aparente das suas doutrinas” (19).
Vemo-lo, este método permite a Proudhon opor dialectica-
mente Ciência e Moral, Ideia e Matéria..., mas também, duma maneira um pouco caricatural é verdade, os dois movimentos de pensamento aos quais se refere e do qual se quer a síntese, quer dizer, numa óptica proudhoniana, um equilíbrio destes contrários no qual cada antinomia conservando-se criaria uma dinâmica, um estado de tensão ( uma ultrapassagem no sentido hegeliano de aufhebung) (20). É também numa confrontação dos “lados positivos” dos pensamentos socialista e económico que Proudhon conta extrair os fundamentos da ciência social.
A problemática proudhoniana do “Sistema das Contradições Económicas” encontra-se assim colocada: “A crítica moderna demonstrou que num conflito desta espécie, a verda-
de encontra-se, não na exclusão dos contrários, mas bem somente na conciliação dos dois; é, digo eu, adquirido para a ciência que todo o antagonismo, seja nas ideias, se resume a um facto mais geral, ou a uma fórmula complexa, que põe os oponentes de acordo absorvendo-os, por assim dizer, um no outro. Não poderíamos por conseguinte, homens de senso comum esperando a solução que sem dúvida o futuro realizará, preparar-mo-nos para esta grande transição pela análise dos poderes em luta, assim como das suas qualidades positivas ou negativas? Um semelhante trabalho, feito com exactidão e consciência, mesmo que não nos conduzisse de improviso à solução, teria pelo menos a inestimável vantagem de nos revelar as condições do problema, e por aí pormos-nos em guarda contra toda a utopia.
O que há então de necessário e de verdadeiro na econo-
mia política? Onde vai ela? Que pode ela? Que nos quer ela? Eis o que me proponho determinar nesta obra. O que vale o socialismo? A mesma investigação nos ensinará”(21).

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