terça-feira, novembro 30, 2010

O NEGRO E O VERMELHO

PROUDHON: A GUERRA E A PAZ OU A LÓGICA DA FORÇA


O filósofo Alain enunciava em 1912: “Que admirável ambiguidade na noção de Justiça. Isso vem sem dúvida principalmente de que a mesma palavra se emprega para designar a Justiça distributiva e a Justiça recíproca. Ora estas duas funções assemelham-se tão pouco que a primeira encerra a desigualdade e a segunda a igualdade...”
Na primeira há com efeito uma autoridade que “ dá a cada um a parte que lhe pertence”...(Dicionário Robert).
A Justiça recíproca ou “comutativa”, (1) ao contrário é aquela que “consiste na igualdade das coisas trocadas na equivalência das obrigações e dos encargos...” ( Dicionário Robert).
Para Proudhon a raiz da Justiça não é exterior ao indivíduo. O homem não é um sujeito passivo, um receptáculo da Justiça, um submisso perante ela, pelo contrário é o seu produtor. A desigualdade deve-se ao facto de alguns serem produtores de Justiça, os justiceiros, e os outros não sejam mais que justiciáveis.
Mas vai mais longe visto que à intimidade individual, à “espontaneidade” da Justiça, dá um fundamento que extravasa dos simples termos duma permuta igualitária, equivalente mas que suporta no próprio homem, o sujeito, o criador de Justiça.
“...A Justiça... é o respeito espontaneamente experimentado e reciprocamente garantido da dignidade humana em qualquer pessoa e em qualquer circunstância que se encontre comprometida e a qualquer risco que nos exponha a sua defesa...” (Dicionário Robert, art. Justiça).
Além disso introduz na sua definição a hipótese do “risco” a tomar, do eventual conflito no qual a Justiça se encontrará comprometida. Será na acção, em resposta a um golpe à dignidade do outro, que a Justiça vai manifestar-se.
A Justiça é por conseguinte um afecto, um sentimento mas também um juízo íntimo e um combate.
Encerrado na consciência, o respeito da dignidade pelo outro, espelho do seu próprio respeito, afirma-se, constrói-se numa Justiça evidente no conflito.
Estar armado para um tal conflito é uma necessidade. A força física, a força moral são para Proudhon virtudes cardinais. A vontade, a coragem, a valentia, a energia fizeram a história, mais do que a contemporização, a prudência, a resignação ou a fraqueza. Proudhon não gosta nem dos proletários, nem dos escravos a não ser aqueles que com ele estão determinados a mudar o seu destino.
Na “Guerra e Paz”, Proudhon vai portanto ensaiar demonstrar que esta “Força” não é somente uma faculdade indispensável ao homem mas que ela constitui um verdadeiro “direito”. “Só o Direito é Puro”, diz ele, num momento da sua demonstração.
Em 1859 Proudhon, exilado desde o dia 18 de Julho de 1858 em Bruxelas após a sua condenação pela obra “De la Justice”, propunha-se desmascarar os projectos imperiais de guerra na Itália. Esta guerra desenvolver-se-à entre Abril e Julho de 1859.
A brochura não apareceu mas Proudhon condenou vigorosamente a intervenção francesa: “toda esta campanha terá sido um crime, eis a última palavra... Mas fazei compreender isto aos chauvinistas... (Corresp. IX p.112)... O entusiasmo de Solferino e Magenta foi triste de ver... Aplaudiu-se... Os republicanos fizeram como todo o mundo... ( Carnets XI p.572)... A Nação francesa está por debaixo dos acontecimentos; faria falta ainda dez anos de ensino vigoroso como o meu para que aprendesse a raciocinar as coisas a apreciasse os acontecimentos. Hoje, como em 1815, ela está absolutamente sem princípios...”
É somente em Maio de 1861, após certas atribulações, que surge A Guerra e a Paz, em dois grossos volumes, e com o subtítulo Investigações sobre o Princípio e a Constituição do Direito das Pessoas. A sua obra foi entendida pela maior parte dos leitores como uma apologia da guerra. Os seus inimigos ironizaram sobre a sua humildade. No prefácio Proudhon tinha pretendido aceitar a sua derrota, a rejeição pela França das suas ideias sobre o Socialismo e a República: “...Resigno-me ...o vencido pode inscrever-se em falso contra as sentenças da Providência; contra a sua vontade é forçado a inclinar-se perante a soberania das massas... não faço apelo desta condenação. Consinto em guardar silêncio... A sociedade desapossa-nos; pois bem tomo o acto desta evicção...” (Prefácio de A Guerra e a Paz).
Proudhon pretende fazer obra construtiva, sem polémica, comentando simplesmente o Mito de Hércules e concluindo à necessária eliminação da guerra.
Numa carta ao amigo Rolland (3 de Junho de 1861), Proudhon resume deste modo a sua obra e tenta apaziguar a desolação dos seus amigos: “...Todos os meus amigos estão consternados; não compreenderam nada; ou se compreenderam é para desaprovar e lamentarem-se... Tornei-me louco , ou é o mundo que se cretinizou?... De que maneira descemos ao grau de embrutecimento em que nos encontramos? Não se sabe ler melhor que isso? O meu livro pode reduzir-se a um pequeno número de proposições que não cesso de repisar.

1º A Guerra é um facto bem mais psicológico que político e material; é na consciência que é necessário estudar se quisermos compreender qualquer coisa.
2ª Este facto da alma humana permaneceu misterioso devido ao elemento moral que o envolve e que parece estar em contradição com a efusão de sangue que é a forma exterior da guerra.
3º Este elemento moral esquecido, ignorado, negado apesar da sua evidência é o Direito da Força.
4º Da competência, da inteligência deste direito da Força deduzem-se as leis da guerra, leis que fazem da guerra, uma verdadeira instituição judicial, sobre a qual repousa por sua vez o Direito das Pessoas.
5º Infelizmente estas leis, na prática, são constantemente violadas, por consequência da ignorância do legislador, da paixão do Guerreiro, e da influência da Causa Primeira da Guerra que não é outra que o pauperismo e a cobiça.
6º Esta violação das leis da guerra pode ser impedida? Não: a guerra é irreformável.
7º Logo é necessário que a Guerra tenha um fim já que ela não é susceptível de reforma e hoje em dia nós atingimos este fim.
O fim do Militarismo é a missão do décimo nono século sob pena de decadência infinita.”
O resumo duma obra de 544 páginas e que o autor pensava “elucidar” por 130 páginas suplementares tem o mérito de ser suficientemente explícito quanto às intenções de Proudhon.
O estudo deste “facto psicológico” que é a guerra, deste “facto da alma”, este “elemento moral”, inscreve-se na História.
Proudhon escreve en prefácio:”... Os princípios existem sempre. Os princípios são a alma da História. É um axioma da Filosofia moderna que toda a coisa tem a sua Ideia, por conseguinte o seu Princípio e a sua Lei; que todo o facto é adequado a uma ideia; que nada se produz no Universo que não seja expressão duma Ideia... As ideias levam a Humanidade através das revoluções e das catástrofes... Como é que a Guerra não poderia ter razão superior, a sua ideia, o seu princípio, do mesmo modo que o Trabalho e a Liberdade?...”
Parece pois que, segundo Proudhon, visto que a Guerra e a Força têm, na História, a capacidade de talhar as Sociedades e os Indivíduos, visto que elas contribuíram a fundar, a destruir ou a transformar as civilizações, resulta que:
1º Não poderia ser de outro modo, que a “Força das coisas”, a Providência estava em trabalho neste desenvolvimento de forças nas relações entre os homens e até na guerra.
2º Que o desenrolar desta história de afrontamentos guerreiros ia num certo sentido, que é o da civilização, do melhoramento, do Progresso.
3º Isso foi, era inelutável, isso ia no bom sentido. Era “divino”, fora da crítica humana.
Ora o fim prosseguido desde a noite dos tempos ( as 4 épocas da Humanidade: (Cesarismo e Cristianismo) pela Providência não foi alcançado. Este fim, é o reino da Igualdade, é a Reforma económica, é a Justiça. Pertence à quarta época, a época Social da qual Proudhon quer ser a sentinela avançada e que começou com a Revolução, de levar a bem esta tarefa ou cada vez menos retomar o archote. Ora a Guerra é inoperante como meio de atingir o fim; é preciso encontrar outra coisa...
Podemos portanto pensar logo que Proudhon moraliza a Guerra, diviniza a Força e dá-lhes uma espécie de sanção, de auréola jurídica fundada sobre a sua perenidade e a consideração da opinião comum, há menos provocação ou polémica que “metafísica em acção”.
Pelos seus ditirambos sobre o direito da Força, da Guerra, das Pessoas, Proudhon quer sublinhar o carácter vital deste elo no passado da Humanidade e o seu papel necessário para o futuro, para esta nova Época do qual se sente ser o porta voz.
Papel essencial mas evidentemente um papel novo, papel revolucionário! A guerra como manifestação da força teve o seu tempo. É inadequada à Reforma da Economia e da Sociedade, à solução do “Pauperismo”. A Humanidade não o quer mais...
Mas o que chamamos a Paz não se deve compreender como o contrário da Guerra, como incompatível com a Força.
Não pode ser, esta Paz, a não ser que renuncie à vida, que oposição activa, força em movimento, tensão inteligente.
Na Criação da Ordem (cap. V p. 358) Proudhon imagina o fim feliz do “drama revolucionário, cada elemento social estando elaborado e classificado, cada ideia tendo tomado o seu lugar, a História não sendo mais que o registo das observações científicas das formas de Arte e dos progressos da Indústria...”
Então, diz ele, “o movimento das gerações humanas assemelham-se às meditações dum solitário, a civilização tomou o manto da Eternidade!
Sim o tempo virá onde estas agitações políticas, que nos anais passados têm um tão grande lugar serão quase nulos; onde as nações se esgotarão sem ruído, como ombros silenciosos na sua estadia terrestre. O Homem será mais feliz? Não sei...”
Sente-se bem que esta beatitude infinita não é do seu gosto. Está mais satisfeito nas “fases” intermédias da História:
“... Não esquecemos que sobre esta vasta cena, nenhuma fase produz-se sem luta, nenhum progresso se efectua sem violência e que a Força é em último resultado, o único meio de manifestação da Ideia. Poderíamos definir o movimento como uma Resistência vencida...Bichat define a Vida como o conjunto dos fenómenos que triunfam da Morte...”
(Criação da Ordem p. 412)
Na mesma obra ( Criação... p.415) Proudhon calcula que se a Democracia quer ver aumentada os seus direitos políticos, se em vez de um fraccionamento concedido pelo poder quer o “desdobramento”, se ela pretende obter a “democratização” da Banca, a “reunião” dos Seguros ao domínio público, se ela quer o “salário mínimo”, deverá em frente “da resistência dos exploradores” agir com determinação.
Se ela quer “regulamentar a Oficina, civilizar o Mercado, converter em imposto o rendimento do capitalista”, “republicanizar” a propriedade como o dizia Cambon, deverá também usar a força face aos “Princípios do Monopólio, à propriedade anárquica e dissoluta que resiste e resistirá sempre, defendida que é por “plumas vendidas”, apoiadas por uma “multidão desvairada”, sustentada por um “Poder que lhe obedece...”
“...Ainda assim, acrescenta ele, não sejamos nem assustadiços nem surpresos por esta marcha das coisas. Segundo a mitologia antiga toda a potência que muda ou se modifica é uma divindade que morre, um génio que se mata, que é vencido... Como na Sociedade as ideias são os interesses, e os interesses são os homens, é difícil que os homens que reinaram pelos seus interesses e as suas ideias consintam a eclipsar-se e a desaparecer. É preciso vencê-los... O autor dos “ Serões de S. Petersburgo” teria dito, no seu estilo inquisidor: é preciso matá-los. Pois não esperemos que alguma razão os convença; que a evidência do direito, a iminência do perigo lhes faça abrandar a captura; só há para eles vida ou morte moral: só cederão pela Força...”
Na Guerra e Paz escrita vinte anos mais tarde, Proudhon sublinha de novo a importância da luta mesmo se ela não é “armada”.
“... Lutemos portanto (p. 483)... nestas novas batalhas, não temos menos a fazer acto de resolução, de dedicação, de desprezo pela morte e de volúpias; não contaremos menos mortos e feridos... e tudo o que será cobarde, débil, grosseiro, sem valentia de coração nem de espírito não deve menos esperar a sujeição, ao menosprezo e à miséria... O salarato, o pauperismo e a mendicidade, por detrás das desonras esperam o vencido...”
Para um polemista como Proudhon a noção de luta, de guerra, reveste incontestavelmente uma conotação mais positiva que a de paz.
A não ser a vergonha, a paz pode ser sinónimo de preguiça, de inércia. Pode ser “... um meio radical de extinguir o génio” de cada um.
Nas Contradições económicas, 3ª época, A concorrência, p. 219, tomo I, dá o método para “extinguir o génio” individual: “... Libertar o homem de toda a solicitude (interesse), levantar o engodo do benefício, da distinção social criando à volta dele... a paz em todo o lado sempre... Transportai ao Estado a responsabilidade da sua Inércia...”
“ Sim, acrescenta Proudhon, a despeito do quietismo moderno da vida do homem é uma guerra permanente, guerra com a necessidade, a natureza, guerra com os seus semelhantes, por conseguinte guerra com ele mesmo... A teoria duma igualdade pacífica não é mais que uma imitação da doutrina católica da renúncia aos bens e os prazeres deste mundo, o princípio da indigência, o panegírico da miséria...”
Contra esta forma de resignação, de atonia, de apatia, Proudhon sempre se insurgiu com vigor: “...Sejamos fortes ( carta a Chaudey de 23 de Julho de 1861)... Deixemos de ser cobardes... Voltemos a ser homens e seremos livres. Oh! Se houvesse ainda um pouco de espírito em França, isso seria aplaudido... mas gostamos ainda mais de gaguejar a palavra liberdade na nossa humilhação, do que nos levantarmos na nossa energia; e acreditamos que a liberdade e o direito voltarão pela única virtude da ideia... Que degradação!...”
O conceito de força é pois um pivot da sociologia e da moral proudhoniana. Sem a força não há sequer justiça.
“...A Justiça, em si é a balança das antinomias, quer dizer a redução ao equilíbrio das forças em luta, a equação numa palavra das suas pretensões respectivas...” ( carta a Langlois de 30 de Dezembro de 1861).
Quando analisamos entretanto o que resta da Força, não mais enquanto fenómeno natural, mas como “Direito”, uma vez purificada das suas escórias, podemos encontrá-la um pouco anémica. Para fazer direito, a Força deve ser “inteligente”, humana, livre. O direito da força é o mais baixo na escala dos direitos. Pode ser confiscado ou desviado pelos políticos sem vergonha. Do mesmo modo o direito da Guerra é limitado a um desafio, um torneio desportivo de acordo com as regras.
Na verdade Proudhon quis dar mais peso àquilo que chama uma descoberta, uma revelação à qual juristas e legistas que o precederam foram cegos, mas a sua demonstração é laboriosa e às vezes simplista: Se há bem um direito da guerra, se a “guerra é um acto de jurisdição solene”, a “Prova” está “ na opinião de género humano”, o “pensamento geral”, o “sentimento geral”, “o testemunho universal”.
O seu procedimento para “desmistificar o mito guerreiro”, para suprimir à guerra “ o seu carácter divino” aparece, à primeira leitura como demasiada afastada da fria razão, duma lógica científica.
Vimos que para “prender” a guerra à justiça, Proudhon descobre o fundamento moral da força e argumenta sobre a origem da noção de “direito”: “...o direito divide-se em tantas categorias, de cada uma das quais podemos dizer que ela tem o seu centro no poder que o engendra ( Guerra e Paz p. 127)... Ora o homem é “um composto de poderes”; quer ser reconhecido em todas as suas faculdades”, como reconhece os outros nas suas próprias faculdades”.
A Força é uma destas faculdades, destes poderes que engendram os direitos, da mesma maneira que “o trabalho”, a inteligência, o amor, a antiguidade” (p. 127) “... Deste modo a Força é como todas as nossas outras potências, sujeito e objecto, princípio e matéria de direito. Parte constituinte da pessoa humana, ela é uma das mil faces da Justiça... A Força pode tornar-se a este título e à sua volta, o caso a vencer, por uma simples manifestação dela própria Justiceira... Será o mais baixo degrau da Justiça, se quisermos, mas será a Justiça: toda a questão será de fazer intervir a propósito...”
A Força pode revestir formas variadas. Proudhon fez um princípio de nomenclatura com a sua hierarquia. Através destes diversos aspectos da Força ( Génio, Virtude, Paixões, Máquinas, Capitais...), a vitória regressa à associação: “... De todas as Forças... a maior é a Associação que podemos definir como a incarnação da Justiça...”
Enfim, do mesmo modo que enuncia uma série de interdições que fazem da guerra proudhoniana um desafio extremamente honrável e pleno de harmonia entre adversários que se respeitam, do mesmo modo “... as Forças devem no homem e na Sociedade balançar-se, e não aniquilar-se...” Resulta que “... a oposição das forças tem por fim a sua harmonia”... e que “...todo o antagonismo no qual as forças, em vez de se colocarem em equilíbrio, se auto destroem não é mais a Guerra, é uma Subversão, uma Anomalia...”
Nas 544 páginas da sua obra Proudhon só consagra algumas ao estudo do fenómeno da Paz. Já vimos que falta entusiasmo para os tempos futuros sem “agitações políticas”... onde as nações se esgotarão sem ruído como sombras silenciosas”.
Portanto a Guerra e a Paz não se excluem: “... Chamam-se uma à outra, definem-se reciprocamente, completam-se e sustêm-se como os termos inversos mas adequados e inseparáveis duma Antinomia...”
Como a Guerra que “negamos” sem a compreender, esta Paz “ é uma realidade positiva pois a estimamos como o maior dos bens. Como é possível que a ideia que dela fazemos seja puramente negativa como se ela respondesse somente à abstenção de luta, de estrondo, de destruições...”
Esta “ideia que nós fazemos” parece bem ser a ideia pessoal do autor que não vê outra coisa “o sonho da guerra, a preparação para a guerra...” ( Guerra e Paz p.63 e segs.), mesmo se concede, sem desenvolver o seu propósito, que “a paz deve ter a sua acção própria, a sua expressão, a sua vida, a seu movimento, as suas criações particulares.”
A crença dum estado de paz que não seja mais do que letargia e resignação explicam talvez a notável concisão de Proudhon sobre este assunto.
Para qualquer um que “ tem fé na Revolução”, que crê “ numa transformação da guerra”, numa renovação integral das condições da Humanidade, a energia necessária ao êxito desde grande desígnio não se harmoniza com uma concepção “apaziguada” da História.
“... Olho os partidários da paz perpétua como os mais detestáveis dos hipócritas, o flagelo da Civilização, a peste das Sociedades...” ( Guerra e Paz pp. 49-50).
Quando faz falar aqueles que são cépticos sobre as conclusões que avança ( Guerra e Paz p. 408) sobre o fim inelutável da guerra, empresta-lhes certamente argumentos próximos das suas concepções: “... quanto à ideia de paz perpétua, ela é negativa, inorgânica por natureza, sinónima de inércia, de vazio...”
Claro, responde a si próprio” a paz não é o fim do antagonismo, o que quereria dizer o fim do mundo, a paz é o fim do massacre, o fim do consumo improdutivo dos homens e das riquezas...”
Mas as condições que coloca para atingir esta paz são bastante duras: “...É necessário que comecemos por mudar de espírito... que compreendamos o nosso destino terrestre bem marcada pela máxima estóica - Suporta e abstém-te -, enfim que observemos a lei da produção e da repartição condição suprema da igualdade democrática e social.”
“...A Paz, acrescenta, não pode ser... outra coisa que uma manifestação da consciência universal...A Humanidade trabalhadora sozinha é capaz de acabar com a guerra criando o Equilíbrio económico, o que supõe uma revolução radical nas ideias e nos costumes...”
Para alcançar esta paz, no seio duma Sociedade em Guerra e qualquer que seja as formas de antagonismo que agita, não há nenhuma dúvida que as energias não devem afrouxar um único instante, nenhuma dúvida que as “forças” devem estar preparadas, consolidadas para a acção.
No seu discurso razoável sobre a paz, se detalha bem a imensidade dos obstáculos, o polémico Proudhon não encontra os acentos de entusiasmo de regozijo que tinha em falar da pureza da sua guerra: “... A guerra sem ódio nem injúria, entre duas nações ( Guerra e Paz p.151) generosas por uma questão de Estado inevitável e de outra maneira insolúvel, a guerra, como reivindicação do direito da Força, da Soberania que pertence à Força, eis, não me escondo, o que me parece ser o ideal da virtude humana e o cumular do êxtase...”
Compreende-se que os seus amigos se tenham impressionado.

NOTAS


(1) Voyenne, Bernard - Le Fédéralisme de P-J Proudhon, Presses d'Europe, Paris, 1973, Pág.15.

(2) Proudhon - De la Capacité politique des Classes Ouvrières, Marcel Rivière, Paris, Pág.198.

(3) Proudhon - De la Célébration du Dimanche, Marcel Rivière, Paris, Pág.61.

(4) Proudhon - Du Principe Fédératif, Marcel Rivière, Paris, pp.355-356.

(5) Proudhon - Ibidem, Pág. 383.

(6) Proudhon - Ibidem, Pág. 319.

(7) Proudhon - Ibidem, Pág. 352.

(8) Proudhon - Ibidem, Pág. 335.

(9) Proudhon - Ibidem, Pág. 113.

(10)Proudhon - Confessions d'um Révolucionnaire, Marcel Rivière, Paris, Pág. 403.

(11) Principais escritos sobre este assunto: Le Principe Fédératif, naturalmente (1863), La Fédération et l'Unité italienne, (1862), Nouvelles observations sur l'Unité italienne, (1864, publicação póstuma de 1865) e La Capacité politique des classes ouvrières, (1865, última obra de Proudhon publicada postumamente).

(12) "Assim, transportado na esfera política, o que chamamos até ao presente mutualismo ou garantismo toma o nome de federalismo. Numa simples sinonímia é-nos dada a revolução inteira, política e económica."
"Ainsi, transporté dans la sphère politique, ce que nous aurons appelé jusqu'à présent mutuallisme ou garantisme prend le nom de fédéralisme. Dans une simple synonymie nous est donnée la révolution tout entière, politique et économique."
La Capacité Politique des Classes Ouvrières, Paris, ed. Marcel Rinière, p. 198.

(13) Trata-se do Programme révolutionnaire aus électeurs de la Seine.

(14) Sabe-se da importância que deveria ter este tema na Comuna de Paris em 1871.

(15)Ver a este propósito, La Capacité Politique des Classes Ouvrières, ed. Marcel Rivière, p. 285.

(16) O nacionalismo é o pretexto de que eles se servem para evitar a revolução económica:
"Le nationalisme est le prétexte dont ils se servent pour esquiver la révolution économique." De la Justice, 4º estudo, t.II p. 289.

(17)Um grande facto já se produz, saber que a Europa torna-se cada vez mais uma espécie de Estado federal do qual cada nação não é mais que um membro:
"Un grand fait se produit déjà, savoir que l'Europe devient de plus en plus una sorte d'État fédéral dont chaque nation n'est plus qu'un membre."
Carta a C. Edmond, 19 de Dezembro de 1851, Correspondência, t.VI p. 154.

(18)La Capacité Politique des Classes Ouvrières, p. 212.

(19) A ordem política repousa fundamentalmente em dois princípios contrários, a Autoridade e a Liberdade.
"L'ordre politique repose fondamentalement sur deux principes contraires, l'Autorité et la Liberté."
Do princípio Federativo, ver p. 12.?

(20) Ver La Capacité Politique des Classes Ouvrières, p. 198.

(21) Numa sociedade livre, o papel do Estado ou do governo é por excelência um papel legislativo, de instituição, de criação, inauguração, de instalação; - é, o menos possível, um papel executivo:
"Dans une société libre, le rôle de l'État ou gouvernement est, par excellence, un rôle de législation, d'institution, de création, d'inauguration, d'installation; - c'est, le moins possible, un rôle d'exécution".
Do princípio Federativo
(22 ) A propósito deste conceito veja-se o cap. VII do livro Do Princípio Federativo de Proudhon com uma tradução portuguesa das Edições Colibri, 1996. Possui comentário e notas críticas.

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