O PRINCÍPIO FEDERATIVO DE PROUDHON.
A partir de 1858, mais consciente da importância das relações políticas internacionais, Proudhon prossegue a crítica do Estado centralizado (o que vem fazendo desde 1839) mas opõe-lhe, não mais a destruição dos governos, mas a sua limitação num sistema federal (11). Parece-lhe que a garantia das liberdades deve ser procurada, não somente na negação das autoridades, mas numa organização complexa onde se encontrarão limitadas e reciprocamente contrabalançadas as autoridades e as liberdades. O Federalismo responderia a esta complexidade das dialécticas desde que ele fosse concebido, não como um simples sistema político, mas como um sistema total sócio-económico, onde os múltiplos grupos seriam os livres criadores das suas relações económicas e políticas. O problema que se coloca a Proudhon, no momento em que se interroga sobre a constituição social dos grupos nacionais e sobre as relações internacionais, diz respeito simultaneamente à organização económica e à organização política. Na sociedade desigualitária do regime proprietário, o político constituía-se por oposição à sociedade económica e para dominar os conflitos de classe que a desigualdade suscitava. Pelo contrário, numa sociedade socialista, onde a livre solidariedade uniria os indivíduos e os grupos, o direito público, longe de se opor à sociedade económica, deveria admitir os princípios e não fazer mais que prolongar a organização económica. Os princípios económicos, contratualismo, mutualismo devem estar no fundamento do direito público e reproduzirem-se identicamente: o equilíbrio dinâmico instituido na organização económica deve reencontrar-se na organização política: a mutualidade económica transpõe-se na política sob o nome de Federalismo (12). A concepção federal dos grupos nacionais opõe ao unitarismo centralizador uma visão pluralista de sociedade: enquanto que a tradição monárquica ou jacobina não concebe o bem social que sob a forma de absorção das partes numa centralização única, o federalismo opõe-se a toda a centralização e respeita a autonomia dos agrupamentos particulares. Não se trata já de assegurar a unidade ao preço das liberdades mas assegurar ao mesmo tempo a unidade e as liberdades na unidade.
O federalismo implica não só uma identidade de forma entre a organização económica e a organização política mas também uma distinção entre uma e outra: supõe que os grupos produtores, longe de abandonar os seus direitos a uma autoridade ávida de se desenvolver, conservariam os seus poderes de decisão económica e não encontrariam no Estado senão um meio de expressão ou de estímulo. O federalismo, colocando o princípio da limitação do poder central pelos poderes particulares e os agrupamentos locais, quebra o dogma da razão de Estado e a tendência comum dos Estados à concentração. Deixando de ser o único polo de autoridade, o poder político deixa de ser o dono da sociedade, não é mais que um dos focos de acção social entre outros. As formulas que Proudhon empregava em relação a este assunto no seu período particularmente anarquista (anterior a 1858) permanecem aplicáveis ao federalismo: o Estado, organizado à imagem da sociedade económica e reproduzindo a sua forma essencial, encontra-se limitado nos seus poderes pelos produtores e agrupamentos de produção, mas mais exactamente subalternizado pela sociedade económica no seu conjunto. Longe de aparecer como o orgão central da sociedade e o seu único meio de coesão, as funções do Estado não são mais que sub-funções, duma sociedade de produtores. Proudhon esboça o plano destes centros autónomos que irão limitar o poder político ao nível dos agrupamentos profissionais e das soberanias locais. Segundo um projecto elaborado desde 1848 (13), as oficinas e as companhias industriais organizadas, por elas próprias democraticamente, seriam conduzidas a federarem-se por profissões e por indústrias para constituir uma forma de centralização ao nível nacional. Esta federação de indústrias asseguraria as necessidades de independência dos agrupamentos visto que as relações ficariam fundadas sobre contratos entre grupos, e responderiam às exigências modernas da coordenação. Mas não é mais, no seio duma sociedade federada, que um tipo de agrupamento autónomo: considerando as relações entre os grupos locais, Proudhon insiste na independência relativa que devem conservar as comunas e as diferentes regiões. Contrariamente à tendência centralizadora que não cessa de reduzir a soberania das comunas, importa reconhecer esta forma de autonomia (14).
No federalismo, a comuna, grupo local e natural, readquire a sua soberania; ela tem o direito de se governar, de se administrar, de dispor das suas propriedades, de fixar os impostos, de organizar a educação, de fazer a sua própria polícia. Deve reconstituir uma verdadeira vida colectiva, o que implica que os problemas sejam debatidos, que os interesses se pronunciem, que os regulamentos internos sejam discutidos e escolhidos. Este aspecto é, aos olhos de Proudhon, decisivo: não se trata somente de reconhecer uma certa limitação do Estado pela presença dos agrupamentos, mas afirmar a pluralidade das soberanias e por conseguinte a liberdade efectiva da comuna. Se não fazemos mais que reconhecer algumas liberdades municipais no interior de um sistema regido segundo as regras da centralização, os conflitos não deixarão de se produzir entre as comunas e o Estado e o poder mais forte não deixará de obter decisão favorável, prosseguindo a história da degradação das comunas. Só uma organização federativa afirmando o princípio da pluralidade das soberanias poderia respeitar a soberania da comuna e restituir deste modo a plenitude da vida colectiva aos fundamentos da sociedade (15).
O federalismo implica, por outro lado, que seja restituída às regiões e às províncias uma parte da sua autonomia, quer dizer que os grupos naturais unidos por uma comunidade de dialecto, de costumes ou de religião readquirem esta autonomia relativa que a centralização absorvente lhes fez perder. O grupo natural formado pela comunidade local, identidade de costumes e a conexão dos interesses é com efeito uma realidade social mais viva que os grupos artificiais formado pelos Estados. Aí também, a teoria federativa do Estado se opõe totalmente à concepção unitarista; raciocina-se na concepção unitária, em termos de força e de redução das liberdades: partindo do princípio que a sociedade não subsiste por ela própria, mas pela autoridade, conclui-se que é necessário, antes de tudo, constituir um Estado que imporá a disciplina e a obediência. Toda a diversidade sendo interpretada como um sinal de insubordinação, é-se levado a pensar que a unidade só é assegurada pela destruição das particularidades e a constituição de um conjunto homogéneo e sem diferenciação. Se se souber ao contrário que um grupo social existe por ele próprio, assegura a sua coesão, vive e pensa como um ser orgânico, desenvolve as suas possibilidades à medida da sua liberdade, concluir-se-á que um conjunto nacional poderá estar mais certo da sua estabilidade se os grupos naturais forem mais autónomos. O agrupamento nacional não será pois, mais uma unidade homogénea e dominada, mas uma federação ou mais exactamente uma confederação de Estados. Proudhon também iria desenvolver as mais rigorosas críticas contra o princípio das nacionalidades que tinha, no entanto, o apoio quase unânime da opinião pública. Com efeito, o nacionalismo, pondo o acento tónico na independência nacional e portanto na unidade do Estado, pode ter, sob as aparências de um progresso, consequências contra-revolucionárias: reforçando o Estado e a centralização, tende-se a constituir nestas aglomerações artificiais cuja consequência será impedir a revolução económica segundo a lei várias vezes sublinhada que a centralização tende a impedir a mutação social (16).
À reivindicação nacionalista e unitária, Proudhon opõe uma confederação das regiões e das províncias, a única capaz de respeitar as nacionalidades locais. Em relação às perigosas discussões sobre o tema das fronteiras naturais, Proudhon será crítico, no seu princípio, mostrando que em geral as fronteiras não são mais que criações artificiais da política: os verdadeiros limites não são aqueles que se estabeleceu por qualquer decisão de um poder, mas aqueles que um grupo delineou e modificou à medida do seu desenvolvimento e da sua prática espontânea. O federalismo aplicar-se-ia enfim às relações entre os povos, e, do mesmo modo que o sistema unitário de inspiração monárquica transporta em si mesmo a necessidade de afrontamentos militares, uma organização confederal dos Estados conduziria ao estabelecimento da paz. Esta confederação seria possível se unisse estados de pequena dimensão, eles próprios federados interiormente: com efeito, um estado extenso, onde os laços reais são tanto mais frouxos quanto as dimensões são vastas, será sempre levado a reforçar os poderes centrais para compensar a ausência de unidade espontânea. Estes Estados demasiado vastos, são, pela sua constituição social, levados à centralização e portanto à guerra. Entre as nações médias, pelo contrário, poderiam estabelecer-se relações comparáveis às relações mutualistas e portanto pacíficas.
A evicção da guerra entre nações derivaria da instauração de um pacto federal entre nações, e, mais profundamente, da federação no interior de cada Estado: a distribuição dos poderes e a reciprocidade mutualista, tendo como efeito destruir as possibilidades de dominação. Assim, sem acreditar que a Europa pudesse constituir uma única confederação, Proudhon sublinha que o desaparecimento das guerras está subordinado ao advento de um Estado federal europeu (17).
Esta teoria política releva muito mais do doutrinal que do sociológico. Proudhon não ignora como são poderosas as tendências económicas e ideológicas que empurram à centralização política e ele confessa que é necessário, neste domínio, inverter a tendência frequente. No entanto, e como em toda a sua obra, a doutrina funda-se sobre uma teoria social que convém precisar: é a este nível que podemos examinar se Proudhon não renegou em parte o seu anarquismo nos seus últimos escritos. Podemos com efeito perguntar se o federalismo não vem reintroduzir sob uma nova forma o que o anarquismo tinha radicalmente negado: a constituição política.
O federalismo funda-se sobre uma leitura essencialmente pluralista da sociedade e sobre as relações positivas estabelecidas entre a diversidade e a vitalidade, entre a unidade e a opressão. Quer se trate de actividade de produção, de circulação ou de vida política, Proudhon não cessa de pensar que se desenha uma relação constante entre a pluralidade e o movimento, o unificado e o imóvel. Assim é da essência do Estado centralizado de introduzir um obstáculo à mudança, um factor de reacção, do facto do seu carácter unitário. O federalismo aparece como uma técnica permitindo respeitar a pluralidade e logo a livre iniciativa dos grupos sociais e as suas liberdades. Mais exactamente, o pluralismo é essencial à realidade social desalienada: o federalismo não é uma técnica preferível, susceptível de trazer mais bem estar ou liberdade aos produtores, ele é a expressão da realidade social. Proudhon não erra ao reconhecer que o unitarismo e o federalismo não cessam de se manifestar na história como duas possibilidades concretas, mas acrescenta que a centralização autoritária revestiu um carácter artificial que sublinha os seus defeitos. Considerada na sua realidade viva, a sociedade é ao mesmo tempo una e múltipla, mas é pela sua multiplicidade que ela vive e progride: a vitalidade social, com efeito, não vem de um centro director, faz-se da circunstância e por exemplo dos contratos entre produtores distintos que procuram livremente os seus interesses. O movimento social é resultante das próprias bases da sociedade e mais precisamente das múltiplas iniciativas tomadas pelos produtores e as companhias de produtores. Do mesmo modo que esta pluralidade de iniciativas seria respeitada e encontraria os orgãos da sua expressão, a sociedade poderia evitar os conflitos e os antagonismos que ela não cessou de encontrar no passado.
A teoria federativa permanece fiel ao projecto proudhoniano de sublinhar a espontaneidade do Ser colectivo por oposição às teorias estadistas ou religiosas. Quer se trate de denunciar a improdutividade do capital o conservantismo estadista ou a alienação religiosa, Proudhon esforça-se por encontrar o movimento social autónomo e emanante nas suas transformações e nas suas criações. Mas no seu período anarquista, sublinhando que a espontaneidade social vem inteira da organização das forças económicas, tende a tomar como modelo desta organização as relações interindividuais: os exemplos escolhidos para ilustrar o contrato económico sobressaem numa grande medida das trocas privadas. Ao descrever a organização federal, a federação agrícola-industrial, Proudhon insiste muito mais sobre as relações entre os grupos do mesmo modo que sublinha muito mais do que em 1848 a importância das companhias operárias encarregadas de gerir as grandes indústrias e os grandes trabalhos (18). Mas, sobretudo, Proudhon introduz a noção de "grupo natural" que vem completar a pluralidade dos agrupamentos espontâneos no plano geográfico. Assim, a concepção federativa acentua muito mais, que a realidade social é feita de múltiplos agrupamentos qualitativamente diferentes, geográficos, económicos, culturais, políticos, espontaneamente soberanos, onde o indivíduo se encontra empenhado. Desenvolvendo esta teoria das federações e das confederações, Proudhon fica fiel ao seu método dialéctico e particularmente à sua teoria dialéctica dos equilíbrios. A espontaneidade dos diferentes agrupamentos é assegurada se se estabelecer entre eles relações de equilibração ou as tendências expansivas de cada um se encontrarem travadas pela autonomia dos outros grupos. O federalismo deve confirmar esta realidade das lutas e das oposições procurando equilibrá-las: longe de impor à vida social uma síntese asfixiante, convém assegurar o pleno desenvolvimento das forças por um jogo de equilíbrios sem hierarquia. A dialéctica negativa do federalismo confirmaria o carácter pluralista e antigovernamental da espontaneidade social. No entanto, Proudhon introduz pela organização política uma dialéctica que repelia no seu período anarquista, a da autoridade e a da liberdade (19). Nesse caso, anteriormente exprimia uma recusa total das autoridades e afirmava que a actividade do trabalho era por si mesma um incessante protesto contra a autoridade, reconhece ao contrário aos fundamentos do federalismo uma antinomia onde a autoridade constitui um dos dois termos. A evolução do seu pensamento não pode ser aqui apresentada por falta manifesta de espaço: Parte de uma interpretação largamente polémica que nada concede a um poder político, Proudhon reintroduz pelo federalismo uma forma de autoridade local ou central. Todavia, a noção de autoridade possui na organização federal uma significação radicalmente diferente daquela que ele tinha nos Estados tradicionais: quando o contrato político que devia fundar os Estados fazia-se por um abandono da autonomia, o contrato federativo seria um contrato limitado no seu objecto, salvaguardando a soberania dos indivíduos e dos grupos excepto pelo objecto especial pelo qual ele é formado. Os grupos federados não se comprometeriam que a governarem-se na base do mutualismo, a entenderem-se a respeito das suas actividades económicas, a prestar assistência nas dificuldades, a protegerem-se contra o inimigo de fora e a tirania de dentro (20).
Assim concebido, o poder central nada teria de uma autoridade exterior à vida social, seria somente o orgão de coordenação dos interesses locais: os delegados não seriam investidos de um poder particular, não teriam por função que confrontar os interesses e procurar a harmonização por via de concessões mutualistas. O conselho central deixa então de constituir um Estado, é o orgão da mutualidade e não constitui mais que um dos termos da actividade social. Proudhon prossegue desta maneira a constante preocupação de destruir tudo o que poderia revestir qualquer caracter de exterioridade em relação à totalidade social: destruindo o Estado, ou, não dando ao poder central que uma função particular entre outras funções, restituir-se-ia à sociedade tudo o que ela é: a destruição das alienações devolveria à vida social tudo o que lhe tinha sido extorquido.
O Estado não é mais, por conseguinte, nesta sociedade devolvida a ela própria, que o resultado dos interesses; retoma, apesar disso, um papel relativo de iniciador. Após ter afirmado no período anarquista que o Estado autoritário e centralizado era, por essência, imobilista e incapaz de participar na progressão social, Proudhon pensa agora que um Estado federal e pluralista teria a possibilidade de assumir um papel activo e relativamente criador. O Estado não saberia substituir-se às forças económicas e aos grupos de produção para a execução dos trabalhos, mas assume um papel de criação nas iniciativas, nas decisões económicas e nos projectos (21). Assim a dialéctica entre a sociedade e o Estado, que era, nas obras do período 1848-1852, a dialéctica contraditória da opressão e da submissão, cede lugar a uma dialéctica complementar, onde se encontra reconhecido o papel inovador de um conselho central. O Estado só intervém para promover e escolher, deve em seguida abster-se, mas tem bem um papel provisório de criação.
Se esta evolução marca bem uma correcção trazida às teorias políticas anteriores, não implica uma revisão das teorias sociológicas. A denúncia do Estado centralizado num regime proprietário subsiste inteiramente assim como a análise dos seus determinismos de expansão e de concentração. Mas Proudhon opina que uma instituição vê os caracteres e as necessidades transformarem-se totalmente logo que ela é inserida numa estrutura global diferente. Que o Estado de uma sociedade desigualitária seja necessariamente alienante e opressiva não implica que um conselho central conserve as mesmas características numa totalidade diferente. As estruturas globais de uma totalidade impõem a sua necessidade particular às partes e às instituições. A antinomia das classes e a anarquia industrial tornam necessário um Estado forte e opressivo, como a organização federal das forças económicas e a pluralidade das soberanidades rendem necessário um poder central pacífico e sem superioridade de poder. Numa tal estrutura social, a própria noção de governo perde o seu sentido tradicional assim como o seu prestígio e os mitos que o rodeiam; não é mais que um dos maquinismos, uma das funções, duma sociedade igualitária. esta relatividade histórica da instituição sublinha de novo como a reforma política está subordinada: a mutação revolucionária não consiste numa simples revisão constitucional, exige uma subversão da sociedade na sua forma geral, quer dizer nas suas relações socio-económicas: a organização das forças sociais e das forças económicas imporão novas funções às instituições particulares, e determinará as características e o seu funcionamento.
A partir de 1858, mais consciente da importância das relações políticas internacionais, Proudhon prossegue a crítica do Estado centralizado (o que vem fazendo desde 1839) mas opõe-lhe, não mais a destruição dos governos, mas a sua limitação num sistema federal (11). Parece-lhe que a garantia das liberdades deve ser procurada, não somente na negação das autoridades, mas numa organização complexa onde se encontrarão limitadas e reciprocamente contrabalançadas as autoridades e as liberdades. O Federalismo responderia a esta complexidade das dialécticas desde que ele fosse concebido, não como um simples sistema político, mas como um sistema total sócio-económico, onde os múltiplos grupos seriam os livres criadores das suas relações económicas e políticas. O problema que se coloca a Proudhon, no momento em que se interroga sobre a constituição social dos grupos nacionais e sobre as relações internacionais, diz respeito simultaneamente à organização económica e à organização política. Na sociedade desigualitária do regime proprietário, o político constituía-se por oposição à sociedade económica e para dominar os conflitos de classe que a desigualdade suscitava. Pelo contrário, numa sociedade socialista, onde a livre solidariedade uniria os indivíduos e os grupos, o direito público, longe de se opor à sociedade económica, deveria admitir os princípios e não fazer mais que prolongar a organização económica. Os princípios económicos, contratualismo, mutualismo devem estar no fundamento do direito público e reproduzirem-se identicamente: o equilíbrio dinâmico instituido na organização económica deve reencontrar-se na organização política: a mutualidade económica transpõe-se na política sob o nome de Federalismo (12). A concepção federal dos grupos nacionais opõe ao unitarismo centralizador uma visão pluralista de sociedade: enquanto que a tradição monárquica ou jacobina não concebe o bem social que sob a forma de absorção das partes numa centralização única, o federalismo opõe-se a toda a centralização e respeita a autonomia dos agrupamentos particulares. Não se trata já de assegurar a unidade ao preço das liberdades mas assegurar ao mesmo tempo a unidade e as liberdades na unidade.
O federalismo implica não só uma identidade de forma entre a organização económica e a organização política mas também uma distinção entre uma e outra: supõe que os grupos produtores, longe de abandonar os seus direitos a uma autoridade ávida de se desenvolver, conservariam os seus poderes de decisão económica e não encontrariam no Estado senão um meio de expressão ou de estímulo. O federalismo, colocando o princípio da limitação do poder central pelos poderes particulares e os agrupamentos locais, quebra o dogma da razão de Estado e a tendência comum dos Estados à concentração. Deixando de ser o único polo de autoridade, o poder político deixa de ser o dono da sociedade, não é mais que um dos focos de acção social entre outros. As formulas que Proudhon empregava em relação a este assunto no seu período particularmente anarquista (anterior a 1858) permanecem aplicáveis ao federalismo: o Estado, organizado à imagem da sociedade económica e reproduzindo a sua forma essencial, encontra-se limitado nos seus poderes pelos produtores e agrupamentos de produção, mas mais exactamente subalternizado pela sociedade económica no seu conjunto. Longe de aparecer como o orgão central da sociedade e o seu único meio de coesão, as funções do Estado não são mais que sub-funções, duma sociedade de produtores. Proudhon esboça o plano destes centros autónomos que irão limitar o poder político ao nível dos agrupamentos profissionais e das soberanias locais. Segundo um projecto elaborado desde 1848 (13), as oficinas e as companhias industriais organizadas, por elas próprias democraticamente, seriam conduzidas a federarem-se por profissões e por indústrias para constituir uma forma de centralização ao nível nacional. Esta federação de indústrias asseguraria as necessidades de independência dos agrupamentos visto que as relações ficariam fundadas sobre contratos entre grupos, e responderiam às exigências modernas da coordenação. Mas não é mais, no seio duma sociedade federada, que um tipo de agrupamento autónomo: considerando as relações entre os grupos locais, Proudhon insiste na independência relativa que devem conservar as comunas e as diferentes regiões. Contrariamente à tendência centralizadora que não cessa de reduzir a soberania das comunas, importa reconhecer esta forma de autonomia (14).
No federalismo, a comuna, grupo local e natural, readquire a sua soberania; ela tem o direito de se governar, de se administrar, de dispor das suas propriedades, de fixar os impostos, de organizar a educação, de fazer a sua própria polícia. Deve reconstituir uma verdadeira vida colectiva, o que implica que os problemas sejam debatidos, que os interesses se pronunciem, que os regulamentos internos sejam discutidos e escolhidos. Este aspecto é, aos olhos de Proudhon, decisivo: não se trata somente de reconhecer uma certa limitação do Estado pela presença dos agrupamentos, mas afirmar a pluralidade das soberanias e por conseguinte a liberdade efectiva da comuna. Se não fazemos mais que reconhecer algumas liberdades municipais no interior de um sistema regido segundo as regras da centralização, os conflitos não deixarão de se produzir entre as comunas e o Estado e o poder mais forte não deixará de obter decisão favorável, prosseguindo a história da degradação das comunas. Só uma organização federativa afirmando o princípio da pluralidade das soberanias poderia respeitar a soberania da comuna e restituir deste modo a plenitude da vida colectiva aos fundamentos da sociedade (15).
O federalismo implica, por outro lado, que seja restituída às regiões e às províncias uma parte da sua autonomia, quer dizer que os grupos naturais unidos por uma comunidade de dialecto, de costumes ou de religião readquirem esta autonomia relativa que a centralização absorvente lhes fez perder. O grupo natural formado pela comunidade local, identidade de costumes e a conexão dos interesses é com efeito uma realidade social mais viva que os grupos artificiais formado pelos Estados. Aí também, a teoria federativa do Estado se opõe totalmente à concepção unitarista; raciocina-se na concepção unitária, em termos de força e de redução das liberdades: partindo do princípio que a sociedade não subsiste por ela própria, mas pela autoridade, conclui-se que é necessário, antes de tudo, constituir um Estado que imporá a disciplina e a obediência. Toda a diversidade sendo interpretada como um sinal de insubordinação, é-se levado a pensar que a unidade só é assegurada pela destruição das particularidades e a constituição de um conjunto homogéneo e sem diferenciação. Se se souber ao contrário que um grupo social existe por ele próprio, assegura a sua coesão, vive e pensa como um ser orgânico, desenvolve as suas possibilidades à medida da sua liberdade, concluir-se-á que um conjunto nacional poderá estar mais certo da sua estabilidade se os grupos naturais forem mais autónomos. O agrupamento nacional não será pois, mais uma unidade homogénea e dominada, mas uma federação ou mais exactamente uma confederação de Estados. Proudhon também iria desenvolver as mais rigorosas críticas contra o princípio das nacionalidades que tinha, no entanto, o apoio quase unânime da opinião pública. Com efeito, o nacionalismo, pondo o acento tónico na independência nacional e portanto na unidade do Estado, pode ter, sob as aparências de um progresso, consequências contra-revolucionárias: reforçando o Estado e a centralização, tende-se a constituir nestas aglomerações artificiais cuja consequência será impedir a revolução económica segundo a lei várias vezes sublinhada que a centralização tende a impedir a mutação social (16).
À reivindicação nacionalista e unitária, Proudhon opõe uma confederação das regiões e das províncias, a única capaz de respeitar as nacionalidades locais. Em relação às perigosas discussões sobre o tema das fronteiras naturais, Proudhon será crítico, no seu princípio, mostrando que em geral as fronteiras não são mais que criações artificiais da política: os verdadeiros limites não são aqueles que se estabeleceu por qualquer decisão de um poder, mas aqueles que um grupo delineou e modificou à medida do seu desenvolvimento e da sua prática espontânea. O federalismo aplicar-se-ia enfim às relações entre os povos, e, do mesmo modo que o sistema unitário de inspiração monárquica transporta em si mesmo a necessidade de afrontamentos militares, uma organização confederal dos Estados conduziria ao estabelecimento da paz. Esta confederação seria possível se unisse estados de pequena dimensão, eles próprios federados interiormente: com efeito, um estado extenso, onde os laços reais são tanto mais frouxos quanto as dimensões são vastas, será sempre levado a reforçar os poderes centrais para compensar a ausência de unidade espontânea. Estes Estados demasiado vastos, são, pela sua constituição social, levados à centralização e portanto à guerra. Entre as nações médias, pelo contrário, poderiam estabelecer-se relações comparáveis às relações mutualistas e portanto pacíficas.
A evicção da guerra entre nações derivaria da instauração de um pacto federal entre nações, e, mais profundamente, da federação no interior de cada Estado: a distribuição dos poderes e a reciprocidade mutualista, tendo como efeito destruir as possibilidades de dominação. Assim, sem acreditar que a Europa pudesse constituir uma única confederação, Proudhon sublinha que o desaparecimento das guerras está subordinado ao advento de um Estado federal europeu (17).
Esta teoria política releva muito mais do doutrinal que do sociológico. Proudhon não ignora como são poderosas as tendências económicas e ideológicas que empurram à centralização política e ele confessa que é necessário, neste domínio, inverter a tendência frequente. No entanto, e como em toda a sua obra, a doutrina funda-se sobre uma teoria social que convém precisar: é a este nível que podemos examinar se Proudhon não renegou em parte o seu anarquismo nos seus últimos escritos. Podemos com efeito perguntar se o federalismo não vem reintroduzir sob uma nova forma o que o anarquismo tinha radicalmente negado: a constituição política.
O federalismo funda-se sobre uma leitura essencialmente pluralista da sociedade e sobre as relações positivas estabelecidas entre a diversidade e a vitalidade, entre a unidade e a opressão. Quer se trate de actividade de produção, de circulação ou de vida política, Proudhon não cessa de pensar que se desenha uma relação constante entre a pluralidade e o movimento, o unificado e o imóvel. Assim é da essência do Estado centralizado de introduzir um obstáculo à mudança, um factor de reacção, do facto do seu carácter unitário. O federalismo aparece como uma técnica permitindo respeitar a pluralidade e logo a livre iniciativa dos grupos sociais e as suas liberdades. Mais exactamente, o pluralismo é essencial à realidade social desalienada: o federalismo não é uma técnica preferível, susceptível de trazer mais bem estar ou liberdade aos produtores, ele é a expressão da realidade social. Proudhon não erra ao reconhecer que o unitarismo e o federalismo não cessam de se manifestar na história como duas possibilidades concretas, mas acrescenta que a centralização autoritária revestiu um carácter artificial que sublinha os seus defeitos. Considerada na sua realidade viva, a sociedade é ao mesmo tempo una e múltipla, mas é pela sua multiplicidade que ela vive e progride: a vitalidade social, com efeito, não vem de um centro director, faz-se da circunstância e por exemplo dos contratos entre produtores distintos que procuram livremente os seus interesses. O movimento social é resultante das próprias bases da sociedade e mais precisamente das múltiplas iniciativas tomadas pelos produtores e as companhias de produtores. Do mesmo modo que esta pluralidade de iniciativas seria respeitada e encontraria os orgãos da sua expressão, a sociedade poderia evitar os conflitos e os antagonismos que ela não cessou de encontrar no passado.
A teoria federativa permanece fiel ao projecto proudhoniano de sublinhar a espontaneidade do Ser colectivo por oposição às teorias estadistas ou religiosas. Quer se trate de denunciar a improdutividade do capital o conservantismo estadista ou a alienação religiosa, Proudhon esforça-se por encontrar o movimento social autónomo e emanante nas suas transformações e nas suas criações. Mas no seu período anarquista, sublinhando que a espontaneidade social vem inteira da organização das forças económicas, tende a tomar como modelo desta organização as relações interindividuais: os exemplos escolhidos para ilustrar o contrato económico sobressaem numa grande medida das trocas privadas. Ao descrever a organização federal, a federação agrícola-industrial, Proudhon insiste muito mais sobre as relações entre os grupos do mesmo modo que sublinha muito mais do que em 1848 a importância das companhias operárias encarregadas de gerir as grandes indústrias e os grandes trabalhos (18). Mas, sobretudo, Proudhon introduz a noção de "grupo natural" que vem completar a pluralidade dos agrupamentos espontâneos no plano geográfico. Assim, a concepção federativa acentua muito mais, que a realidade social é feita de múltiplos agrupamentos qualitativamente diferentes, geográficos, económicos, culturais, políticos, espontaneamente soberanos, onde o indivíduo se encontra empenhado. Desenvolvendo esta teoria das federações e das confederações, Proudhon fica fiel ao seu método dialéctico e particularmente à sua teoria dialéctica dos equilíbrios. A espontaneidade dos diferentes agrupamentos é assegurada se se estabelecer entre eles relações de equilibração ou as tendências expansivas de cada um se encontrarem travadas pela autonomia dos outros grupos. O federalismo deve confirmar esta realidade das lutas e das oposições procurando equilibrá-las: longe de impor à vida social uma síntese asfixiante, convém assegurar o pleno desenvolvimento das forças por um jogo de equilíbrios sem hierarquia. A dialéctica negativa do federalismo confirmaria o carácter pluralista e antigovernamental da espontaneidade social. No entanto, Proudhon introduz pela organização política uma dialéctica que repelia no seu período anarquista, a da autoridade e a da liberdade (19). Nesse caso, anteriormente exprimia uma recusa total das autoridades e afirmava que a actividade do trabalho era por si mesma um incessante protesto contra a autoridade, reconhece ao contrário aos fundamentos do federalismo uma antinomia onde a autoridade constitui um dos dois termos. A evolução do seu pensamento não pode ser aqui apresentada por falta manifesta de espaço: Parte de uma interpretação largamente polémica que nada concede a um poder político, Proudhon reintroduz pelo federalismo uma forma de autoridade local ou central. Todavia, a noção de autoridade possui na organização federal uma significação radicalmente diferente daquela que ele tinha nos Estados tradicionais: quando o contrato político que devia fundar os Estados fazia-se por um abandono da autonomia, o contrato federativo seria um contrato limitado no seu objecto, salvaguardando a soberania dos indivíduos e dos grupos excepto pelo objecto especial pelo qual ele é formado. Os grupos federados não se comprometeriam que a governarem-se na base do mutualismo, a entenderem-se a respeito das suas actividades económicas, a prestar assistência nas dificuldades, a protegerem-se contra o inimigo de fora e a tirania de dentro (20).
Assim concebido, o poder central nada teria de uma autoridade exterior à vida social, seria somente o orgão de coordenação dos interesses locais: os delegados não seriam investidos de um poder particular, não teriam por função que confrontar os interesses e procurar a harmonização por via de concessões mutualistas. O conselho central deixa então de constituir um Estado, é o orgão da mutualidade e não constitui mais que um dos termos da actividade social. Proudhon prossegue desta maneira a constante preocupação de destruir tudo o que poderia revestir qualquer caracter de exterioridade em relação à totalidade social: destruindo o Estado, ou, não dando ao poder central que uma função particular entre outras funções, restituir-se-ia à sociedade tudo o que ela é: a destruição das alienações devolveria à vida social tudo o que lhe tinha sido extorquido.
O Estado não é mais, por conseguinte, nesta sociedade devolvida a ela própria, que o resultado dos interesses; retoma, apesar disso, um papel relativo de iniciador. Após ter afirmado no período anarquista que o Estado autoritário e centralizado era, por essência, imobilista e incapaz de participar na progressão social, Proudhon pensa agora que um Estado federal e pluralista teria a possibilidade de assumir um papel activo e relativamente criador. O Estado não saberia substituir-se às forças económicas e aos grupos de produção para a execução dos trabalhos, mas assume um papel de criação nas iniciativas, nas decisões económicas e nos projectos (21). Assim a dialéctica entre a sociedade e o Estado, que era, nas obras do período 1848-1852, a dialéctica contraditória da opressão e da submissão, cede lugar a uma dialéctica complementar, onde se encontra reconhecido o papel inovador de um conselho central. O Estado só intervém para promover e escolher, deve em seguida abster-se, mas tem bem um papel provisório de criação.
Se esta evolução marca bem uma correcção trazida às teorias políticas anteriores, não implica uma revisão das teorias sociológicas. A denúncia do Estado centralizado num regime proprietário subsiste inteiramente assim como a análise dos seus determinismos de expansão e de concentração. Mas Proudhon opina que uma instituição vê os caracteres e as necessidades transformarem-se totalmente logo que ela é inserida numa estrutura global diferente. Que o Estado de uma sociedade desigualitária seja necessariamente alienante e opressiva não implica que um conselho central conserve as mesmas características numa totalidade diferente. As estruturas globais de uma totalidade impõem a sua necessidade particular às partes e às instituições. A antinomia das classes e a anarquia industrial tornam necessário um Estado forte e opressivo, como a organização federal das forças económicas e a pluralidade das soberanidades rendem necessário um poder central pacífico e sem superioridade de poder. Numa tal estrutura social, a própria noção de governo perde o seu sentido tradicional assim como o seu prestígio e os mitos que o rodeiam; não é mais que um dos maquinismos, uma das funções, duma sociedade igualitária. esta relatividade histórica da instituição sublinha de novo como a reforma política está subordinada: a mutação revolucionária não consiste numa simples revisão constitucional, exige uma subversão da sociedade na sua forma geral, quer dizer nas suas relações socio-económicas: a organização das forças sociais e das forças económicas imporão novas funções às instituições particulares, e determinará as características e o seu funcionamento.
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