sábado, novembro 13, 2010

Teixeira de Pascoaes

Extractos de «Defeitos da Alma Pátria»
Cap. X de Arte de Ser Português, 1920

VAIDADE SUSCEPTÍVEL

É outro defeito muito vulgar num Povo que foi grande e decaiu. Inferior e pobre, considera-se ainda possuidor dos bens arruinados. Continua a viver, em sonho, o poderio perdido. Mas, como toda a vida fantástica pressente o próprio nada que a forma, torna-se, por isso mesmo, de uma susceptibilidade infinita, sangrando dolorosamente, ao contacto de qualquer coisa de real que, junto dela, se ponha em contraste revelador da sua ilusória aparência.
O português é um herdeiro esbulhado dos seus bens materiais e espirituais. Mas vão dizer-lhe que é pobre! Suprema ofensa! Não ignora a sua pobreza, (mas) porque é vaidoso (…) quer que os outros a ignorem; e serve-se para isso de todos os meios que iludem, criando o seu drama em que é autor e actor. E engendra mil preconceitos, fórmulas, propícios à atmosfera de ilusão em que pretende viver acompanhado… E assim, o arrastar de uma espada já imprime heroicidade, dois termos de tecnologia científica embutidos na prosa amorfa de jornal já fazem o sábio, como duas rimas banais fazem o poeta, e um correio a cavalo uma entidade superior do Estado.
Elevamos quimericamente as pequenas coisas de hoje à grande altura das antigas. Fingimos a grandeza e o mérito perdidos. Representamos, enfim, o nosso Drama de sombras (…)
INTOLERÂNCIA

Este defeito é uma forma da vaidade susceptível que se alimenta da sua quimera dolorosa. Quem duvida do próprio valor não pode suportar a dúvida alheia que lhe diz, em voz alta e clara, o que ele mal se atreve a murmurar.
Mas a intolerância tem outra origem mais positiva; é ainda um processo de defendermos os nossos interesses.
Se é uma utilidade para mim a seita (política, religiosa, etc.) a que eu pertenço, os princípios que esta segue, compete-me torná-los dogmáticos, absolutos, indiscutíveis. Sim... porque discutir uma ideia é pô-la em conflito com a verdade.
(…) A intolerância defende os interesses de uma seita e imprime à criatura o mais odioso fácies!

ESPÍRITO DE IMITAÇÃO
Quando o carácter adoece e se dilui, é natural que o espírito de iniciativa dê lugar ao imitativo ou simiesco. A degenerescência inferior apaga os valores adquiridos que se conservam, em nós, como que num estado de perpétuo esforço. Sempre que o homem hesita na sua humanidade, aparece o macaco. Este persegue-nos constantemente, vigiando-nos, e aproveitando o primeiro descuido da nossa pessoa, para se lhe substituir.
(…) É certo que a decadência de um Povo lhe destrói a faculdade inventiva e iniciadora.
Estes defeitos, que felizmente não atingem todas as classes sociais, representam, afinal, a queda do espirito de sacrifício, a quebra da relação entre o indivíduo e o seu destino (…).

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