O PROUDHONIANO EÇA DE QUEIRÓS.
"Uma sociedade sobre estas falsas bases, não está na verdade: atacá-las é um dever."
Eça de Queirós, 1879.
O realismo aparece na mente de Eça de Queirós associado às ideias estéticas de Proudhon. Para ele, realismo é fundamentalmente Proudhon com uns pós de Taine. Nunca ninguém se lembrará de aproximar as ideias estéticas de Proudhon do realismo literário. Tão pouco se tinha visto ainda aproximar as teorias do meio, de Taine das teorias sociais do autor do Do Princípio de Arte.
Mas a conferência "A Nova Literatura " que Eça de Queirós apresenta no casino Lisbonense em 1871 subintitulada O Realismo como Nova Expressão da Arte não é somente uma exposição das ideias destes dois pensadores franceses. Antes de mais nada, foi uma crítica ao estado decadente das letras nacionais, embora sem descer a uma concretização positiva. Essa concretização fizera-a ele em As Farpas no seu estado social de Portugal em 1871, publicado precisamente dias antes da conferência.
Para Proudhon, o realismo ensinava simultaneamente ao artista a " exprimer les aspirations de l' époque actuelle " e a ter em conta que a arte é "une representation idéaliste de la nature et de nous-mêmes, en vue du perfectionnement physique et moral de notre espéce " (Do Princípio de Arte e do seu Destino Social) no que se opunha a Taine , que tinha por secundário o ideal moral. Para este, todos os temas eram dignos de ser pintados; para Proudhon, não . Associar, pois as doutrinas estéticas de Taine às de Proudhon era uma simbiose audaciosa que Eça de Queirós não receou levar a cabo .
Nas conclusões da sua conferência há afirmações expressas: Em primeiro lugar o Realismo deve ser perfeitamente do seu tempo, tomar a sua matéria na vida contemporânea. Em segundo lugar, o Realismo deve proceder pela sua experiência, pela fisiologia, ciência dos temperamentos e dos carácteres.
Mas principiemos pelo princípio. Proudhon, no Da Justiça na Revolução e na Igreja apresenta a Revolução como um vasto sistema filosófico em que se enquadra a sociologia, a política, a economia, a moral - e a própria literatura . No terceiro tomo dessa obra pode ver-se inclusivamente um estudo, o nono, em que o problema literário é focado ( cap. VII e VIII). Eça, literato, deve ter começado por aí. Nas Notas Contemporâneas pode ler-se o seguinte: " Sob a influência de Antero logo dois de nós, que andavamos a compôr uma ópera - bufa, contendo um novo sistema do Universo, abandonamos essa obra de escandoloso delírio - e começamos à noite a estudar Proudhon nos tomos da "Justiça na Revolução e na Igreja "...
Na verdade a sua conferência acusa pontos de contacto com essa obra. Há afirmações ácerca da revolução que são de lá . Aquela visão da literatura revolucionária, de Rabelais a Beaumarchais, é também de lá. Entretanto, Proudhon, que prometia aí um vasto estudo à parte sobre a literatura - vem a publicar, ou melhor, publicam-lhe os discípulos em obra póstuma - o D. Eça, encaminhado por aquela leitura, aconselhada por Antero (acerca da influência de Proudhon na obra de Antero de Quental ,ver o nosso artigo na Batalha, nº134,Out/Dez 91, pp.10-11, " O Socialismo Proudhoniano de Antero de Quental " ) procura agora o novo livro. E a conferência revela vastos pontos de contacto com ele .Este livro tinha saído em 1865 e era o primeiro duma série de póstumos.
Assentando todo em reflexões que a obra realista de Courbet lhe sugerira, Proudhon quisera em Do Princípio de Arte sujeitar a arte ao pensamento dum destino social . A arte, dali para o futuro deveria ser condição de melhoramento das sociedades, e o realismo a sua expressão . Em três capítulos iniciais assentara nisto. A arte que fugisse desse ideal era falsa. Querendo demonstrar que, afinal, o papel da arte, sempre tinha sido esse - desde o IV capítulo até ao X, fez um estudo interpretativo da evolução histórica da arte. Os oito capítulos seguintes são de análise à obra realista de Coubet. Nos restantes capítulos, do XIX ao XXV, dispendem-se argumentos e considerações que hão-de levar ao estabelecimento dum critério de criação artística em vista do seu destino social.
O Proudhonismo - incluindo o de Eça de Queirós - assenta em três noções fundamentais : a Consciência, a Justiça e a Igualdade. A Consciência e a Justiça são duas faces da mesma coisa. A Consciência é o sentimento que o sentimento que o homem tem de si, dos seus direitos e dos seus deveres . Mas esta noção Kantiana não basta a Proudhon, sociólogo: só lhe interessa o homem em grupo, e a equação de homem para homem. Ora cada homem, supõe Proudhon, sente como a sua própria, a dignidade e os direitos do seu semelhante; é a consciência objectivando-se - a que ele dá o nome de Justiça . A Justiça impõe o respeito recíproco e conduz inevitavelmente à igualdade, porque nos leva a exigir aos outros o mesmo que os outros exigem de nós e porque nos leva a respeitar os outros tanto como a nós mesmos, uma vez que a Consciência se tem de supor idêntica em cada um.
Por outro lado, desde que a Consciência é uma noção imediata, consubstancial à própria natureza humana, e a Justiça é a sua face social, tão inevitável como ela, é claro que a Igualdade se realizará fatalmente; e a Evolução não é que a sua realização progressiva. Por isso escrevia Oliveira Martins que a teoria do socialismo é a evolução. Nada impedirá que ela se ela se realize; mas essa realização será gradual e evolutiva. Por isso Proudhon não acredita em subversões perturbadoras, que, além do mais são uma violação do princípio da Justiça: "Revolução" é para ele sinónimo de Evolução no sentido de Igualdade; e propende a só considerar como sã uma sociedade desde que nela exista a par de uma inércia conservadora um impulso renovador evolutivo.
Em nome deste princípio da Justiça e desta lei da Igualdade critica Proudhon a organização social-económica da sua época, e nomeadamente a propriedade deveria ser tal que todos participassem nela, porque todos, em virtude da lei da Igualdade, têm o mesmo direito a ela. Isto não significa a supressão pura e simples da propriedade ou a sua colectivação, no pensar de Proudhon, mas antes a criação de um novo tipo de propriedade, que ele denomina "posséssion" que é no fundo, o usufruto do trabalho. À mesma crítica se presta a grande indústria, cujos meios de produção, segundo Proudhon, deviam estar nas mãos de companhias de trabalhadores.
Proudhon nega-se, portanto, a toda a organização estatista e à colectivização; e o seu ideal seria, concretamente, quanto à terra, a distribuição duma vasta colectividade de pequenos lavradores; quanto à produção industrial a transferência do capital e dos lucros para os próprios operários organizados. È a ideia base do cooperativismo.
Toda esta teoria a encontramos ao longo da obra de Eça de Queirós como membros dispersos, que, reunidos, permitem perceber o conjunto da construção.
A par dos objectivos da Revolução considera Eça o próprio processo da Revolução. E aqui a marca deixada por Proudhon aparece muito profunda - talvez por encontrar um eco em alguma coisa de pessoal e íntimo no escritor. Eça aceitou, compreendeu e glosou até ao fim da vida as duas noções fundamentais de Proudhon a este respeito: que a Revolução é uma evolução contínua e fatal - de modo algum um crise brusca; e que a Revolução se operará não já por uma transformação política mas por uma transformação puramente económica e técnica.
Eça de Queirós, 1879.
O realismo aparece na mente de Eça de Queirós associado às ideias estéticas de Proudhon. Para ele, realismo é fundamentalmente Proudhon com uns pós de Taine. Nunca ninguém se lembrará de aproximar as ideias estéticas de Proudhon do realismo literário. Tão pouco se tinha visto ainda aproximar as teorias do meio, de Taine das teorias sociais do autor do Do Princípio de Arte.
Mas a conferência "A Nova Literatura " que Eça de Queirós apresenta no casino Lisbonense em 1871 subintitulada O Realismo como Nova Expressão da Arte não é somente uma exposição das ideias destes dois pensadores franceses. Antes de mais nada, foi uma crítica ao estado decadente das letras nacionais, embora sem descer a uma concretização positiva. Essa concretização fizera-a ele em As Farpas no seu estado social de Portugal em 1871, publicado precisamente dias antes da conferência.
Para Proudhon, o realismo ensinava simultaneamente ao artista a " exprimer les aspirations de l' époque actuelle " e a ter em conta que a arte é "une representation idéaliste de la nature et de nous-mêmes, en vue du perfectionnement physique et moral de notre espéce " (Do Princípio de Arte e do seu Destino Social) no que se opunha a Taine , que tinha por secundário o ideal moral. Para este, todos os temas eram dignos de ser pintados; para Proudhon, não . Associar, pois as doutrinas estéticas de Taine às de Proudhon era uma simbiose audaciosa que Eça de Queirós não receou levar a cabo .
Nas conclusões da sua conferência há afirmações expressas: Em primeiro lugar o Realismo deve ser perfeitamente do seu tempo, tomar a sua matéria na vida contemporânea. Em segundo lugar, o Realismo deve proceder pela sua experiência, pela fisiologia, ciência dos temperamentos e dos carácteres.
Mas principiemos pelo princípio. Proudhon, no Da Justiça na Revolução e na Igreja apresenta a Revolução como um vasto sistema filosófico em que se enquadra a sociologia, a política, a economia, a moral - e a própria literatura . No terceiro tomo dessa obra pode ver-se inclusivamente um estudo, o nono, em que o problema literário é focado ( cap. VII e VIII). Eça, literato, deve ter começado por aí. Nas Notas Contemporâneas pode ler-se o seguinte: " Sob a influência de Antero logo dois de nós, que andavamos a compôr uma ópera - bufa, contendo um novo sistema do Universo, abandonamos essa obra de escandoloso delírio - e começamos à noite a estudar Proudhon nos tomos da "Justiça na Revolução e na Igreja "...
Na verdade a sua conferência acusa pontos de contacto com essa obra. Há afirmações ácerca da revolução que são de lá . Aquela visão da literatura revolucionária, de Rabelais a Beaumarchais, é também de lá. Entretanto, Proudhon, que prometia aí um vasto estudo à parte sobre a literatura - vem a publicar, ou melhor, publicam-lhe os discípulos em obra póstuma - o D. Eça, encaminhado por aquela leitura, aconselhada por Antero (acerca da influência de Proudhon na obra de Antero de Quental ,ver o nosso artigo na Batalha, nº134,Out/Dez 91, pp.10-11, " O Socialismo Proudhoniano de Antero de Quental " ) procura agora o novo livro. E a conferência revela vastos pontos de contacto com ele .Este livro tinha saído em 1865 e era o primeiro duma série de póstumos.
Assentando todo em reflexões que a obra realista de Courbet lhe sugerira, Proudhon quisera em Do Princípio de Arte sujeitar a arte ao pensamento dum destino social . A arte, dali para o futuro deveria ser condição de melhoramento das sociedades, e o realismo a sua expressão . Em três capítulos iniciais assentara nisto. A arte que fugisse desse ideal era falsa. Querendo demonstrar que, afinal, o papel da arte, sempre tinha sido esse - desde o IV capítulo até ao X, fez um estudo interpretativo da evolução histórica da arte. Os oito capítulos seguintes são de análise à obra realista de Coubet. Nos restantes capítulos, do XIX ao XXV, dispendem-se argumentos e considerações que hão-de levar ao estabelecimento dum critério de criação artística em vista do seu destino social.
O Proudhonismo - incluindo o de Eça de Queirós - assenta em três noções fundamentais : a Consciência, a Justiça e a Igualdade. A Consciência e a Justiça são duas faces da mesma coisa. A Consciência é o sentimento que o sentimento que o homem tem de si, dos seus direitos e dos seus deveres . Mas esta noção Kantiana não basta a Proudhon, sociólogo: só lhe interessa o homem em grupo, e a equação de homem para homem. Ora cada homem, supõe Proudhon, sente como a sua própria, a dignidade e os direitos do seu semelhante; é a consciência objectivando-se - a que ele dá o nome de Justiça . A Justiça impõe o respeito recíproco e conduz inevitavelmente à igualdade, porque nos leva a exigir aos outros o mesmo que os outros exigem de nós e porque nos leva a respeitar os outros tanto como a nós mesmos, uma vez que a Consciência se tem de supor idêntica em cada um.
Por outro lado, desde que a Consciência é uma noção imediata, consubstancial à própria natureza humana, e a Justiça é a sua face social, tão inevitável como ela, é claro que a Igualdade se realizará fatalmente; e a Evolução não é que a sua realização progressiva. Por isso escrevia Oliveira Martins que a teoria do socialismo é a evolução. Nada impedirá que ela se ela se realize; mas essa realização será gradual e evolutiva. Por isso Proudhon não acredita em subversões perturbadoras, que, além do mais são uma violação do princípio da Justiça: "Revolução" é para ele sinónimo de Evolução no sentido de Igualdade; e propende a só considerar como sã uma sociedade desde que nela exista a par de uma inércia conservadora um impulso renovador evolutivo.
Em nome deste princípio da Justiça e desta lei da Igualdade critica Proudhon a organização social-económica da sua época, e nomeadamente a propriedade deveria ser tal que todos participassem nela, porque todos, em virtude da lei da Igualdade, têm o mesmo direito a ela. Isto não significa a supressão pura e simples da propriedade ou a sua colectivação, no pensar de Proudhon, mas antes a criação de um novo tipo de propriedade, que ele denomina "posséssion" que é no fundo, o usufruto do trabalho. À mesma crítica se presta a grande indústria, cujos meios de produção, segundo Proudhon, deviam estar nas mãos de companhias de trabalhadores.
Proudhon nega-se, portanto, a toda a organização estatista e à colectivização; e o seu ideal seria, concretamente, quanto à terra, a distribuição duma vasta colectividade de pequenos lavradores; quanto à produção industrial a transferência do capital e dos lucros para os próprios operários organizados. È a ideia base do cooperativismo.
Toda esta teoria a encontramos ao longo da obra de Eça de Queirós como membros dispersos, que, reunidos, permitem perceber o conjunto da construção.
A par dos objectivos da Revolução considera Eça o próprio processo da Revolução. E aqui a marca deixada por Proudhon aparece muito profunda - talvez por encontrar um eco em alguma coisa de pessoal e íntimo no escritor. Eça aceitou, compreendeu e glosou até ao fim da vida as duas noções fundamentais de Proudhon a este respeito: que a Revolução é uma evolução contínua e fatal - de modo algum um crise brusca; e que a Revolução se operará não já por uma transformação política mas por uma transformação puramente económica e técnica.
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