Proudhon e o Federalismo
Um preconceito resistente quer que Proudhon tenha chegado tardiamente ao federalismo, e quase por azar, depois de ter ocupado diversas posições, no primeiro curso sinuoso de um pensamento modelado de contradições.
Ele acredita que desenvolvimento da ideia federalista só aparece em todas as suas últimas obras - ao longo de um período de cinco anos aproximadamente – e como um resultado; ainda que se possa ao menos reconhecer dez anos mais cedo os signos anunciadores deste fatal andamento. E não é menos certo que todo o seu passo é aquele de uma perpétua e aventurosa procura que nunca está condensada numa doutrina definitiva mas energeticamente recusada, como a pior tentação do espírito humano: “…creio bem que ninguém sobre a terra é capaz (…) de dar um sistema composto de todas as peças, e completo, que não se pode mais que fazê-lo jogar. É a mensagem mais condenável que se pode propôr aos homens” (20).
E por isso é o mesmo Proudhon que afirmará tranquilamente, à beira da sua morte, a unidade do seu pensamento desde as suas origens até ao seu fim, e que fará precisamente do federalismo o príncipio desta unidade: “Todas as minhas ideias económicas, elaboradas desde os 25 anos, podem resumir-se nestes três significados: Federação agrícola-industrial. Todas as minhas visões políticas reduzem-se a uma fórmula semelhante: Federação política ou descentralização” (21).
Não é preciso ver mais uma contradição, numa obra onde elas são consideradas numerosas, e, além disso, a última fuga de um espírito incapaz de fugir mas que se esforça peremptoriamente de negar o seu insucesso? Não acreditamos. Pelo contrário, quanto mais frequentamos Proudhon e mais somos persuadidos de que ele tem sempre perseguido uma só ideia, cujo federalismo foi com efeito a última, mas também a melhor aproximação. Longe de não ser, como se diz num contra senso ao nosso aviso total, que a formulação dos pontos de vista proudhonianos em “política estrangeira”, este federalismo exprime uma doutrina englobante dos benefícios sociais para a qual não existe separação entre o “interior” e o “estrangeiro”, não mais que, aliás, entre a “política” e o “económico”. Tudo de Proudhon está lá, do seu alfa ao seu omega, como ele mesmo o disse. E, por consequência, tudo de Proudhon não podia terminar no federalismo, no qual ele já estava, na verdade, bem antes que tivesse sabido dizê-lo. É esta trajectória, rigorosamente sociavél a origem ao seu fim pelo movimento, que nós desejaríamos delinear.
Passemos rapidamente sobre as questões dos significados, mesmo que elas estejam longe de ser desprezadas. Nós temos mostrado aqui mesmo (22) como Proudhon, que há muito não tinha considerado o termo do “federalismo” na preferência habitual da sua época – sinónimo de esmifalhamento, de desagregação – encarregando-se à partida por uma sorte de bravata, ao longo de uma polémica que o opõe, em 1850, aos democratas unitários. Fazer das suas este espantalho aos Jacobinos, divertia-o, entusiasmava-o mesmo, e ele jogava com a sua fúria habitual (23). Depois, a partir do que não era um divertimento ou, quanto muito, uma relação de circunstância, um demorado e secreto trabalho fazia-se no seu espírito. O latinista interessa-se pela etimologia. Foedus, aliança sobre um pé de igualdade e, por conseguinte, acordo: eis uma filiação de sentido de natureza a reter àquele que escrevia naquele mesmo momento a Justiça, onde todas as histórias humanas estão fundadas sobre esta regra. O Franc-Comtois segue-se da história de uma confederação na qual pouco falta para que a sua pátria não adira.Despertaram-se então, se é que eles nunca estiveram adormecidos, os velhos sonhos”gauleses” de autonomia, as ferozes reivindicações de independência aos olhos dos poderes e de todas as autoridades. E, de novo, são estas as imagens revolucionárias que se impõem: aquelas de 89, quando a França se constituía, no direito e na igualdade, cantando com os federados; aquelas de 93, então que se guilhotinava por crimes de “federalismo” aqueles que recusavam a ditadura totalitária. Aquilo fez muito, senão à volta de uma só palavra, pelo menos de uma mesma origem. Proudhon, cuja mecânica intelectual se abala sempre a partir de uma intuição (o que ele chama de a sua ”faculdade divinatória”) reconhece perfeitamente como pelo intérprete de um vocábulo priviligiado esclarece sobre um vasto cruzamento de significações e de evocações. Antes do filósofo, é provavelmente o poeta que vibrou.
Mas sobretudo, para além das palavras e à volta delas, existe o contexto. O horizonte de Proudhon alarga-se muito, ao longo destes mesmos anos, o seu génio em plena maturidade quer abraçar o universo. O insucesso das ilusões de 48, e as azedas questões que se seguiram fazem-nos nadar numa repugnância próxima da depressão. Ele está enfraquecido pelas polémicas, nas que ele vê ainda o quanto eram estéreis. Ele está mesmo cansado da crítica, certamente indispensável mas que não saberia sem racíocinio, perseguir o indefinível. Com quarenta anos passados, ele tem uma rapidez, doravante, de entrar no que deve ser, segundo os seus próprios termos,”o seu período positivo ou de construção” (24).
As circunstâncias querem, não sem rudeza, fornecer os meios. Depois da prisão, é o exílio e, num e noutro caso, a obrigação de recuar, relativamente ao que ele chama de “quotidianismo”, ou seja, as obrigações usufractárias e frequentemente inúteis da acção. Ao longo destes tempos forçados, Proudhon lança-se com uma espécie de exaltação num vasto programa de leituras que o fazem descobrir os novos domínios para si; Tendo em vista ocorrer às necessidades da sua jovem família aceita as tarefas jornalísticas, por vezes ingratas, mas que o conduzem contra todas as espécies de feitos cujo espírito curioso procura as causas. E, sobretudo, a sua estadia em Bruxelas instala bruscamente, ele que nunca saía de França (25) sobre um verdadeiro terraço europeu onde ele se vai apaixonar pelas questões da hora, esforçando-se, como ele o faz sempre, por encontrar a perspectiva que os unifica. É, nesta capacidade imediata, a realidade viva das autonomias comunais; mas também as tensões étnicas, que o conduzem a interrogar-se sobre certas realidades humanas que a economia não explica. Também de Bruxelas, o cruzamento da emigração e das intrigas políticas, Proudhon está bem colocado para observar o desenvolvimento dos negócios italianos, primeiramente polonosa um pouco mais tarde, sem falar de muitas outras, analogias. Ele estuda, ele informa-se, procurando esclarecer esta inextricável confusão onde se misturam os direitos dos povos e as ambições dos demagogos, a aspiração dos falíveis a se unir e a vontade dominadora dos poderes, a razão hesitante e as paixões desenfreadas.
O que é que obriga, pergunta-se ele, aos grupos a dominarem-se uns pelos outros, por um movimento estranhamente simétrico àquele que provoca a exploração individual do homem pelo homem? No entanto, as colectividades não “obrigam”, a falar propriamente, o que elas englobam e não tiram necessariamente lucro. É uma lei de poder, sem outra justificação que ela mesma, domina a História. A questão do direito, que é recíprocidade, opõe-se incessantemente à conquista da força, que tende a alienação. Proudhon, que vem justo acabar a sua grande meditação sobre a Justiça – à qual ele junta regularmente os complementos práticos intitulados “Novas da Revolução” – quer inaugurar diante de si os abismos da antinomia pascaliana. Quando ele cria compreender as leis da metafísica, aquelas da física rejeitam-na bruscamente contra o polo oposto. Ele lança-se, de cabeça baixa, corpo a corpo e importa um admirável triunfo que ele intitula “A Guerra e a Paz”; na verdade, a mais desconcertante apologia da força que o teórico do direito nunca tinha concebido. Sobre quinhentas grandes páginas, quatrocentas e cinquenta são consagradas à exaltação da guerra, “feito divino”, “revelação da justiça”, “disciplina da humanidade”, etc, etc; as últimas cinquenta, apenas, planeam uma suficiente teoria verbal da sublimação das armas guerreiras por aquelas da indústria, que faz um pouco a tarefa a dobrar e está bem longe de ter os acentos inspirados da outra face do díptico. O confuso das ideias recebidas, o homem-volúvel, o virtuoso do paradoxo, pode estar também contente de si que os seus amigos são consternados: lá ele fez bom trabalho e nunca restituíu a impossível tarefa daqueles que pretenderão demonstrar a rigorosa lógica interna da sua obra. A menos que ele não tenha encontrado, pelo contrário, o único andamento que pode permitir aos homens, na sua contradição temporal, de “colocar junto a justiça e a força; e por isso fazer daquilo que é justo que seja forte, ou do que é forte que seja justo” (26). Porque enfim, se não vinha nada contradizer a equidade, a palavra teria ela uma significação? E se a justiça não estava armada da sua luta, se o poder das vontades não era capaz de confundir a fatalidade das coisas, a qual a esperança poderia ele se aplicar? O que Proudhon descobre, e nos faz descobrir o termo da sua meditação, é que a ordem libertadora não pode ser o fruto nem da incapacidade nem da dominação mas instaurau-se pelo equílibrio ele se agita. Porque ele pode lá ter uma oposição dos contrários que os imobiliza reciprocamente e, de negação em negação, reduz tudo à neutralidade, ao renunciamento e à morte. Enquanto o equílibrio positivo, criador, é sempre um afrontamento; cessando o combatente, e nunca fazer de tudo uma vitória, ele aparece sobretudo-paradoxo suplementar-como um desíquilibrio dinâmico, presentemente pelas tensões que se opõem a uma instituição sempre instável. “O jogo das forças não se assemelha à dança das musas que, nos seus coros harmoniosos, creêm-se, entrelaçam-se, retiram-se, divertem-se sem que dos seus movimentos ligeiros e rápidos não resulta nem colisão nem choque; as forças não fazem nada pelas figuras; a sua acção conclui necessariamente a uma realização; por isso, é preciso que elas se entre-choquem, que elas se entre-destruam, que elas se entre-devorem. É somente nesta condição que elas produzem. Se a guerra é a vida, a paz perpétua seria a morte; é por isso que ela não é mais que um sonho” (27).
Desde logo, Proudhon vai aplicar esta dialética às questões que ele mesmo colocou, como sendo aquelas que provocam mais ordinariamente as guerras entre os homens e aos quais os teóricos do direito dos géneros não tem ainda sabido trazer a resposta. Eis as principais entre elas:
“Qual pode ser a grandeza normal de um Estado? Até que ponto a limitação do Estado é ela dada pela geografia, a raça, a língua, a religião, a tradição, o degrau da civilização, etc?
Os Estados podem eles, devem eles ser iguais entre si, ou são eles condenados, pela razão das coisas à desigualdade?
A ligação das nacionalidades pode ela, deve ela ir até à absorção do género humano, de maneira a formar uma monarquia universal?
Não será mais verdade supôr que a unidade política do género humano consiste, seja numa hierarquia de Estados, seja numa confederação? No primeiro caso, qual será o beneficio hierárquico dos Estados? No segundo, o princípio federativo não conduz, por via de analogia, à resolução dos grandes Estados em províncias federadas?
Ou bem, enfim, o equílibrio tem ele por condição a independência universal, a anarquia das cidades?” (28).
Na mesma maneira de colocar estas questões, parece claramente que Proudhon já tem a sua solução formulada no seu espírito. As suas últimas obras- e, em particular, O Príncipio Federativo vão desenvolver as implicações. A ideia directora é que o equílibrio dinâmico dos grupos, gerador da rivalidade que leva os frutos de paz, supõe uma rigorosa igualdade de direito entre estes grupos e, tanto como possível, uma igualdade de fait. Assim toda a predominância de um grupo sobre um outro, causa as guerras porque a negação da justiça, desaparece na origem. Entretanto não se pode, a menos de uma nova guerra, por definição a mais absurda, redistribuir a força entre os Estados que a história da hegemonia fez precisamente desigual. A solução é neutralizar”pela distribuição interior da soberania e do governo os efeitos fascistas da desigualdade entre Estados” (29). Noutros termos, a guerra entre os Estados não poderá cessar a revolução ao interior dos Estados, e a transformação dos Estados hierárquicos em comunidades livremente organizadas.
Tal é a génese, e tal é o príncipio do federalismo proudhoniano.
Esta última etapa que ele próprio não teve o tempo de aperfeiçoar- representa uma ruptura ou, pelo contrário, uma continuidade essencial com tudo o que a precedeu na obra de Proudhon? A evolução não é negavél; ela é mesmo profunda sobre certos pontos. Mas ele não coloca dúvida, aos nossos olhos, que se coloca a um ponto de vista suficientemente elevado, de onde se pode obter uma visão alarga e profunda à vez, a continuidade predomina, e muito.
A intuição directora, que unifica tuda a obra proudhoniana, é a procura, também lúcida tanto como apaixonada, de igualdade. Não, certamente, a igualdade niveladora, aquela do nada partilhado, que ele tem pelo contrário sempre combatido com violência como não sendo mesmo a caricatura daquela que ele perseguia. Mas a igualdade positiva, feita de diversidades e não de simultaniedades; a igualdade do direito que postula, mais ainda que ela não os respeita, as diferenças da situação e as suas complementariedades. Desde 1832, o bíblico Pierre-Joseph faz coroar pela Academia de Besançon este verseto do seu Evangelho apócrifo:
“A natureza, dizem estes sectários, mostra-nos sobretudo a desigualdade: seguem-se as suas indicações. - Sim, responde Jesus Cristo, a desigualdade é a lei dos animais, não dos homens. - A harmonia é filha da desigualdade. – sofista mentor, a harmonia é o equilíbrio na diversidade” (30).
E, um pouco mais longe, Proudhon formula assim o problema revolucionário, à solução da qual ele entende consagrar toda a sua vida: “Encontrar um estado de igualdade social que não seja nem comunidade, nem despotismo, nem fragmentação, nem anarquia, mas liberdade na ordem e independência na unidade”. (31) Para ele, tudo se restabelece e se restebelecerá sempre a esta exigente antinomia da justiça, fora a daqueles outros valores, mesmo que eles fossem elevados, seriam destornados do seu sentido e, por conseguinte, voltariam-se contra eles mesmos. Ele está, com certeza, cruelmente ligado à liberdade e escreve, nessa mesma época dos programas e dos sermões: “A política é a ciência da liberdade: o governo do homem pelo homem, sob algum nome que ele disfarça, é opressão”; mas nâo sem ter precisado que “ entregar um homem livre; é o balançar com os outros, ou seja, o colocar ao seu nível” (32). Porque a liberdade sem a igualdade é para ele o pior das mensagens. E este patriota Franc-Comtois assim como francês, que nunca nesta altura vacilou, não escreveu menos sem hesitar: “Eu serei homem ao sacrificar a minha pátria à justiça, se eu fosse forçado a escolher entre um e outro” (33). Não se pode duvidar que ele preferia fazer-se queimar vivo do que renunciar ao príncipio que um homem vale um homem, absolutamente.
Generalidades, dizer-se-à talvez, declarações de intenções que podiam ser “emprestadas” a outros e partilhadas por muitos, sem que elas prejudiquem alguma construção doutrinal definida. Sem dúvida. Mas são declarações, todavia, singularmente fortes e que não sabíamos colocar em contradição com tudo o que se seguirá. Do ponto de vista que nos aqui ocupa, existe por outro lado vantagem; e, sem querer solicitar muito os textos, não é sem interesse de revelar sob a pluma do jovem Proudhon as proposições muito precisas que ele parece esquecer de seguida, para melhor as reencontrar, pois ele estará perto de concluir. É assim que, com a idade de 23 anos, e quando ainda não publicou nada, responde ao “fouriériste” Just Murion que lhe tinha proposto a direcção de uma pequena folha local, O Imparcial:”Porque não se convidaram as populações a serem elas próprias capazes de gerar os seus assuntos, de preparar assim os caminhos da confederação dos povos? (34). E, um pouco mais tarde, ele planeia sob uma forma ingénua sem dúvida mas negativamente ambígua, o que poderia ser uma “marcha comum” federalista:
“…se a supressão das alfândegas arrasta a abolição da propriedade entre as nações, ela também arrasta, por reflexo, a abolição da propriedade entre os indivíduos (…). Com efeito, se se suprime as alfândegas, a aliança dos povos é só por isso declarada, a sua solidariedade reconhecida, a sua igualdade proclamada. Se se suprime as alfândegas, o príncipio da associação não pode tardar de se escutar do Estado à província, da província à cidade, da cidade ao atelier” (35).
Seguidamente, tendo estabelecido que a concepção absolutista da propriedade é a fonte de todas as formas de exploração do homem pelo homem (compreende-se aqui aquela do comunismo, que é um absolutismo colectivista, e compreende-se também a ditadura estatal, apropriação indivisa das soberanias individuais), Proudhon se consagrará quase exclusivamente às questões ditas económicas. Ele é então persuadido que os contratos puramente privados, de homem para homem e de grupo para grupo, trocando “produto por produto e serviço por serviço” sobre a base de uma rigorosa reciprocidade superariam todas as consequências da apropriação e da acumulação capitalistas, por conseguinte todos os incómodos, a começar por aqueles que resultam da organização hierárquica e das tendências hegemónicas dos Estados soberanos, “A ideia do contrato é exclusiva daquela do governo” (36). É este período anarquista, ao longo do qual ele afirma com clareza que a libertação das pessoas e a autonomia das cidades resultariam da simples instauração de um mutualismo revolucionário. Ele parece então pensar, por conseguinte, que os problemas políticos e sociais têm uma solução exclusivamente económica, todos os seus outros aspectos são de simples epifenómenos. É somente a partir dos anos 50, nós tinhamos visto, que um certo número de feitos, combinados com uma modificação da sua posição pessoal que contribui para renovar alguns dos seus pontos de vista, fazem operar Proudhon a mudança mais real que ele lá tinha tido no seu pensamento. Toma consciência, com efeito, da existência dos grupos “políticos” – comunidades étnicas, nações, etc, por conseguinte, ao menos sob o benefício do balanço, Estados-como sendo as realidades sociais muito ao seu género, com profundas implicações ecomónicas, sem dúvida, mas não inteiramente redutíveis. Esforça-se então para realizar uma síntese entre a sua doutrina económica e as autonomias, subjectivas ou objectivas, de uma outra ordem que a experiência submeteu ao seu julgamento. Esta síntese – ou pelo menos este balanço das contradições – Proudhon opera ao termo uma vasta reflexão sobre a dialética da força e do direito, que o faz descobrir entre a política e a economia não somente as identidades mas as simetrias profundas e as possibilidades de substituição. A noção de contrato, expressão dos benefícios bilaterais onde se encontra excluída toda a alienação, serve-lhe de novo para reger as mudanças, não somente entre produtos e consumidores, mas entre todas as associações de indivíduos, entre os membros e os grupos e entre os grupos eles mesmos. É o federalismo, de onde poderíamos dizer inspirando-se de uma fórmula conhecida, que ele é, depois da anarquia teórica da igualdade restrita, uma teoria de igualdade generalizada. Mas, tanto caso como noutro, uma só e mesma ideia, simples e perturbadora, comanda as fórmulas de extensão e de complexidade crescentes: destruir até à sua origem todos os benefícios hierárquicos, e por conseguinte dominadores, entre os homens, para lhe subsituir uma quantidade de ligações harmoniosas, no seio das quais cada participante recebe o mesmo que ele dá e, onde por conseguinte, a liberdade de cada um é garantia por aquela de todos.
Assim nós podemos dar razão a Proudhon, que escrevia pouco tempo antes da sua morte, contemplando a obra realizada: “Se, em 1840, comecei pela anarquia, conclusão da minha crítica da ideia governamental, devia acabar pela federação, base necessária do direito das pessoas em república e morte da organização de todos os Estados” (37).
Um preconceito resistente quer que Proudhon tenha chegado tardiamente ao federalismo, e quase por azar, depois de ter ocupado diversas posições, no primeiro curso sinuoso de um pensamento modelado de contradições.
Ele acredita que desenvolvimento da ideia federalista só aparece em todas as suas últimas obras - ao longo de um período de cinco anos aproximadamente – e como um resultado; ainda que se possa ao menos reconhecer dez anos mais cedo os signos anunciadores deste fatal andamento. E não é menos certo que todo o seu passo é aquele de uma perpétua e aventurosa procura que nunca está condensada numa doutrina definitiva mas energeticamente recusada, como a pior tentação do espírito humano: “…creio bem que ninguém sobre a terra é capaz (…) de dar um sistema composto de todas as peças, e completo, que não se pode mais que fazê-lo jogar. É a mensagem mais condenável que se pode propôr aos homens” (20).
E por isso é o mesmo Proudhon que afirmará tranquilamente, à beira da sua morte, a unidade do seu pensamento desde as suas origens até ao seu fim, e que fará precisamente do federalismo o príncipio desta unidade: “Todas as minhas ideias económicas, elaboradas desde os 25 anos, podem resumir-se nestes três significados: Federação agrícola-industrial. Todas as minhas visões políticas reduzem-se a uma fórmula semelhante: Federação política ou descentralização” (21).
Não é preciso ver mais uma contradição, numa obra onde elas são consideradas numerosas, e, além disso, a última fuga de um espírito incapaz de fugir mas que se esforça peremptoriamente de negar o seu insucesso? Não acreditamos. Pelo contrário, quanto mais frequentamos Proudhon e mais somos persuadidos de que ele tem sempre perseguido uma só ideia, cujo federalismo foi com efeito a última, mas também a melhor aproximação. Longe de não ser, como se diz num contra senso ao nosso aviso total, que a formulação dos pontos de vista proudhonianos em “política estrangeira”, este federalismo exprime uma doutrina englobante dos benefícios sociais para a qual não existe separação entre o “interior” e o “estrangeiro”, não mais que, aliás, entre a “política” e o “económico”. Tudo de Proudhon está lá, do seu alfa ao seu omega, como ele mesmo o disse. E, por consequência, tudo de Proudhon não podia terminar no federalismo, no qual ele já estava, na verdade, bem antes que tivesse sabido dizê-lo. É esta trajectória, rigorosamente sociavél a origem ao seu fim pelo movimento, que nós desejaríamos delinear.
Passemos rapidamente sobre as questões dos significados, mesmo que elas estejam longe de ser desprezadas. Nós temos mostrado aqui mesmo (22) como Proudhon, que há muito não tinha considerado o termo do “federalismo” na preferência habitual da sua época – sinónimo de esmifalhamento, de desagregação – encarregando-se à partida por uma sorte de bravata, ao longo de uma polémica que o opõe, em 1850, aos democratas unitários. Fazer das suas este espantalho aos Jacobinos, divertia-o, entusiasmava-o mesmo, e ele jogava com a sua fúria habitual (23). Depois, a partir do que não era um divertimento ou, quanto muito, uma relação de circunstância, um demorado e secreto trabalho fazia-se no seu espírito. O latinista interessa-se pela etimologia. Foedus, aliança sobre um pé de igualdade e, por conseguinte, acordo: eis uma filiação de sentido de natureza a reter àquele que escrevia naquele mesmo momento a Justiça, onde todas as histórias humanas estão fundadas sobre esta regra. O Franc-Comtois segue-se da história de uma confederação na qual pouco falta para que a sua pátria não adira.Despertaram-se então, se é que eles nunca estiveram adormecidos, os velhos sonhos”gauleses” de autonomia, as ferozes reivindicações de independência aos olhos dos poderes e de todas as autoridades. E, de novo, são estas as imagens revolucionárias que se impõem: aquelas de 89, quando a França se constituía, no direito e na igualdade, cantando com os federados; aquelas de 93, então que se guilhotinava por crimes de “federalismo” aqueles que recusavam a ditadura totalitária. Aquilo fez muito, senão à volta de uma só palavra, pelo menos de uma mesma origem. Proudhon, cuja mecânica intelectual se abala sempre a partir de uma intuição (o que ele chama de a sua ”faculdade divinatória”) reconhece perfeitamente como pelo intérprete de um vocábulo priviligiado esclarece sobre um vasto cruzamento de significações e de evocações. Antes do filósofo, é provavelmente o poeta que vibrou.
Mas sobretudo, para além das palavras e à volta delas, existe o contexto. O horizonte de Proudhon alarga-se muito, ao longo destes mesmos anos, o seu génio em plena maturidade quer abraçar o universo. O insucesso das ilusões de 48, e as azedas questões que se seguiram fazem-nos nadar numa repugnância próxima da depressão. Ele está enfraquecido pelas polémicas, nas que ele vê ainda o quanto eram estéreis. Ele está mesmo cansado da crítica, certamente indispensável mas que não saberia sem racíocinio, perseguir o indefinível. Com quarenta anos passados, ele tem uma rapidez, doravante, de entrar no que deve ser, segundo os seus próprios termos,”o seu período positivo ou de construção” (24).
As circunstâncias querem, não sem rudeza, fornecer os meios. Depois da prisão, é o exílio e, num e noutro caso, a obrigação de recuar, relativamente ao que ele chama de “quotidianismo”, ou seja, as obrigações usufractárias e frequentemente inúteis da acção. Ao longo destes tempos forçados, Proudhon lança-se com uma espécie de exaltação num vasto programa de leituras que o fazem descobrir os novos domínios para si; Tendo em vista ocorrer às necessidades da sua jovem família aceita as tarefas jornalísticas, por vezes ingratas, mas que o conduzem contra todas as espécies de feitos cujo espírito curioso procura as causas. E, sobretudo, a sua estadia em Bruxelas instala bruscamente, ele que nunca saía de França (25) sobre um verdadeiro terraço europeu onde ele se vai apaixonar pelas questões da hora, esforçando-se, como ele o faz sempre, por encontrar a perspectiva que os unifica. É, nesta capacidade imediata, a realidade viva das autonomias comunais; mas também as tensões étnicas, que o conduzem a interrogar-se sobre certas realidades humanas que a economia não explica. Também de Bruxelas, o cruzamento da emigração e das intrigas políticas, Proudhon está bem colocado para observar o desenvolvimento dos negócios italianos, primeiramente polonosa um pouco mais tarde, sem falar de muitas outras, analogias. Ele estuda, ele informa-se, procurando esclarecer esta inextricável confusão onde se misturam os direitos dos povos e as ambições dos demagogos, a aspiração dos falíveis a se unir e a vontade dominadora dos poderes, a razão hesitante e as paixões desenfreadas.
O que é que obriga, pergunta-se ele, aos grupos a dominarem-se uns pelos outros, por um movimento estranhamente simétrico àquele que provoca a exploração individual do homem pelo homem? No entanto, as colectividades não “obrigam”, a falar propriamente, o que elas englobam e não tiram necessariamente lucro. É uma lei de poder, sem outra justificação que ela mesma, domina a História. A questão do direito, que é recíprocidade, opõe-se incessantemente à conquista da força, que tende a alienação. Proudhon, que vem justo acabar a sua grande meditação sobre a Justiça – à qual ele junta regularmente os complementos práticos intitulados “Novas da Revolução” – quer inaugurar diante de si os abismos da antinomia pascaliana. Quando ele cria compreender as leis da metafísica, aquelas da física rejeitam-na bruscamente contra o polo oposto. Ele lança-se, de cabeça baixa, corpo a corpo e importa um admirável triunfo que ele intitula “A Guerra e a Paz”; na verdade, a mais desconcertante apologia da força que o teórico do direito nunca tinha concebido. Sobre quinhentas grandes páginas, quatrocentas e cinquenta são consagradas à exaltação da guerra, “feito divino”, “revelação da justiça”, “disciplina da humanidade”, etc, etc; as últimas cinquenta, apenas, planeam uma suficiente teoria verbal da sublimação das armas guerreiras por aquelas da indústria, que faz um pouco a tarefa a dobrar e está bem longe de ter os acentos inspirados da outra face do díptico. O confuso das ideias recebidas, o homem-volúvel, o virtuoso do paradoxo, pode estar também contente de si que os seus amigos são consternados: lá ele fez bom trabalho e nunca restituíu a impossível tarefa daqueles que pretenderão demonstrar a rigorosa lógica interna da sua obra. A menos que ele não tenha encontrado, pelo contrário, o único andamento que pode permitir aos homens, na sua contradição temporal, de “colocar junto a justiça e a força; e por isso fazer daquilo que é justo que seja forte, ou do que é forte que seja justo” (26). Porque enfim, se não vinha nada contradizer a equidade, a palavra teria ela uma significação? E se a justiça não estava armada da sua luta, se o poder das vontades não era capaz de confundir a fatalidade das coisas, a qual a esperança poderia ele se aplicar? O que Proudhon descobre, e nos faz descobrir o termo da sua meditação, é que a ordem libertadora não pode ser o fruto nem da incapacidade nem da dominação mas instaurau-se pelo equílibrio ele se agita. Porque ele pode lá ter uma oposição dos contrários que os imobiliza reciprocamente e, de negação em negação, reduz tudo à neutralidade, ao renunciamento e à morte. Enquanto o equílibrio positivo, criador, é sempre um afrontamento; cessando o combatente, e nunca fazer de tudo uma vitória, ele aparece sobretudo-paradoxo suplementar-como um desíquilibrio dinâmico, presentemente pelas tensões que se opõem a uma instituição sempre instável. “O jogo das forças não se assemelha à dança das musas que, nos seus coros harmoniosos, creêm-se, entrelaçam-se, retiram-se, divertem-se sem que dos seus movimentos ligeiros e rápidos não resulta nem colisão nem choque; as forças não fazem nada pelas figuras; a sua acção conclui necessariamente a uma realização; por isso, é preciso que elas se entre-choquem, que elas se entre-destruam, que elas se entre-devorem. É somente nesta condição que elas produzem. Se a guerra é a vida, a paz perpétua seria a morte; é por isso que ela não é mais que um sonho” (27).
Desde logo, Proudhon vai aplicar esta dialética às questões que ele mesmo colocou, como sendo aquelas que provocam mais ordinariamente as guerras entre os homens e aos quais os teóricos do direito dos géneros não tem ainda sabido trazer a resposta. Eis as principais entre elas:
“Qual pode ser a grandeza normal de um Estado? Até que ponto a limitação do Estado é ela dada pela geografia, a raça, a língua, a religião, a tradição, o degrau da civilização, etc?
Os Estados podem eles, devem eles ser iguais entre si, ou são eles condenados, pela razão das coisas à desigualdade?
A ligação das nacionalidades pode ela, deve ela ir até à absorção do género humano, de maneira a formar uma monarquia universal?
Não será mais verdade supôr que a unidade política do género humano consiste, seja numa hierarquia de Estados, seja numa confederação? No primeiro caso, qual será o beneficio hierárquico dos Estados? No segundo, o princípio federativo não conduz, por via de analogia, à resolução dos grandes Estados em províncias federadas?
Ou bem, enfim, o equílibrio tem ele por condição a independência universal, a anarquia das cidades?” (28).
Na mesma maneira de colocar estas questões, parece claramente que Proudhon já tem a sua solução formulada no seu espírito. As suas últimas obras- e, em particular, O Príncipio Federativo vão desenvolver as implicações. A ideia directora é que o equílibrio dinâmico dos grupos, gerador da rivalidade que leva os frutos de paz, supõe uma rigorosa igualdade de direito entre estes grupos e, tanto como possível, uma igualdade de fait. Assim toda a predominância de um grupo sobre um outro, causa as guerras porque a negação da justiça, desaparece na origem. Entretanto não se pode, a menos de uma nova guerra, por definição a mais absurda, redistribuir a força entre os Estados que a história da hegemonia fez precisamente desigual. A solução é neutralizar”pela distribuição interior da soberania e do governo os efeitos fascistas da desigualdade entre Estados” (29). Noutros termos, a guerra entre os Estados não poderá cessar a revolução ao interior dos Estados, e a transformação dos Estados hierárquicos em comunidades livremente organizadas.
Tal é a génese, e tal é o príncipio do federalismo proudhoniano.
Esta última etapa que ele próprio não teve o tempo de aperfeiçoar- representa uma ruptura ou, pelo contrário, uma continuidade essencial com tudo o que a precedeu na obra de Proudhon? A evolução não é negavél; ela é mesmo profunda sobre certos pontos. Mas ele não coloca dúvida, aos nossos olhos, que se coloca a um ponto de vista suficientemente elevado, de onde se pode obter uma visão alarga e profunda à vez, a continuidade predomina, e muito.
A intuição directora, que unifica tuda a obra proudhoniana, é a procura, também lúcida tanto como apaixonada, de igualdade. Não, certamente, a igualdade niveladora, aquela do nada partilhado, que ele tem pelo contrário sempre combatido com violência como não sendo mesmo a caricatura daquela que ele perseguia. Mas a igualdade positiva, feita de diversidades e não de simultaniedades; a igualdade do direito que postula, mais ainda que ela não os respeita, as diferenças da situação e as suas complementariedades. Desde 1832, o bíblico Pierre-Joseph faz coroar pela Academia de Besançon este verseto do seu Evangelho apócrifo:
“A natureza, dizem estes sectários, mostra-nos sobretudo a desigualdade: seguem-se as suas indicações. - Sim, responde Jesus Cristo, a desigualdade é a lei dos animais, não dos homens. - A harmonia é filha da desigualdade. – sofista mentor, a harmonia é o equilíbrio na diversidade” (30).
E, um pouco mais longe, Proudhon formula assim o problema revolucionário, à solução da qual ele entende consagrar toda a sua vida: “Encontrar um estado de igualdade social que não seja nem comunidade, nem despotismo, nem fragmentação, nem anarquia, mas liberdade na ordem e independência na unidade”. (31) Para ele, tudo se restabelece e se restebelecerá sempre a esta exigente antinomia da justiça, fora a daqueles outros valores, mesmo que eles fossem elevados, seriam destornados do seu sentido e, por conseguinte, voltariam-se contra eles mesmos. Ele está, com certeza, cruelmente ligado à liberdade e escreve, nessa mesma época dos programas e dos sermões: “A política é a ciência da liberdade: o governo do homem pelo homem, sob algum nome que ele disfarça, é opressão”; mas nâo sem ter precisado que “ entregar um homem livre; é o balançar com os outros, ou seja, o colocar ao seu nível” (32). Porque a liberdade sem a igualdade é para ele o pior das mensagens. E este patriota Franc-Comtois assim como francês, que nunca nesta altura vacilou, não escreveu menos sem hesitar: “Eu serei homem ao sacrificar a minha pátria à justiça, se eu fosse forçado a escolher entre um e outro” (33). Não se pode duvidar que ele preferia fazer-se queimar vivo do que renunciar ao príncipio que um homem vale um homem, absolutamente.
Generalidades, dizer-se-à talvez, declarações de intenções que podiam ser “emprestadas” a outros e partilhadas por muitos, sem que elas prejudiquem alguma construção doutrinal definida. Sem dúvida. Mas são declarações, todavia, singularmente fortes e que não sabíamos colocar em contradição com tudo o que se seguirá. Do ponto de vista que nos aqui ocupa, existe por outro lado vantagem; e, sem querer solicitar muito os textos, não é sem interesse de revelar sob a pluma do jovem Proudhon as proposições muito precisas que ele parece esquecer de seguida, para melhor as reencontrar, pois ele estará perto de concluir. É assim que, com a idade de 23 anos, e quando ainda não publicou nada, responde ao “fouriériste” Just Murion que lhe tinha proposto a direcção de uma pequena folha local, O Imparcial:”Porque não se convidaram as populações a serem elas próprias capazes de gerar os seus assuntos, de preparar assim os caminhos da confederação dos povos? (34). E, um pouco mais tarde, ele planeia sob uma forma ingénua sem dúvida mas negativamente ambígua, o que poderia ser uma “marcha comum” federalista:
“…se a supressão das alfândegas arrasta a abolição da propriedade entre as nações, ela também arrasta, por reflexo, a abolição da propriedade entre os indivíduos (…). Com efeito, se se suprime as alfândegas, a aliança dos povos é só por isso declarada, a sua solidariedade reconhecida, a sua igualdade proclamada. Se se suprime as alfândegas, o príncipio da associação não pode tardar de se escutar do Estado à província, da província à cidade, da cidade ao atelier” (35).
Seguidamente, tendo estabelecido que a concepção absolutista da propriedade é a fonte de todas as formas de exploração do homem pelo homem (compreende-se aqui aquela do comunismo, que é um absolutismo colectivista, e compreende-se também a ditadura estatal, apropriação indivisa das soberanias individuais), Proudhon se consagrará quase exclusivamente às questões ditas económicas. Ele é então persuadido que os contratos puramente privados, de homem para homem e de grupo para grupo, trocando “produto por produto e serviço por serviço” sobre a base de uma rigorosa reciprocidade superariam todas as consequências da apropriação e da acumulação capitalistas, por conseguinte todos os incómodos, a começar por aqueles que resultam da organização hierárquica e das tendências hegemónicas dos Estados soberanos, “A ideia do contrato é exclusiva daquela do governo” (36). É este período anarquista, ao longo do qual ele afirma com clareza que a libertação das pessoas e a autonomia das cidades resultariam da simples instauração de um mutualismo revolucionário. Ele parece então pensar, por conseguinte, que os problemas políticos e sociais têm uma solução exclusivamente económica, todos os seus outros aspectos são de simples epifenómenos. É somente a partir dos anos 50, nós tinhamos visto, que um certo número de feitos, combinados com uma modificação da sua posição pessoal que contribui para renovar alguns dos seus pontos de vista, fazem operar Proudhon a mudança mais real que ele lá tinha tido no seu pensamento. Toma consciência, com efeito, da existência dos grupos “políticos” – comunidades étnicas, nações, etc, por conseguinte, ao menos sob o benefício do balanço, Estados-como sendo as realidades sociais muito ao seu género, com profundas implicações ecomónicas, sem dúvida, mas não inteiramente redutíveis. Esforça-se então para realizar uma síntese entre a sua doutrina económica e as autonomias, subjectivas ou objectivas, de uma outra ordem que a experiência submeteu ao seu julgamento. Esta síntese – ou pelo menos este balanço das contradições – Proudhon opera ao termo uma vasta reflexão sobre a dialética da força e do direito, que o faz descobrir entre a política e a economia não somente as identidades mas as simetrias profundas e as possibilidades de substituição. A noção de contrato, expressão dos benefícios bilaterais onde se encontra excluída toda a alienação, serve-lhe de novo para reger as mudanças, não somente entre produtos e consumidores, mas entre todas as associações de indivíduos, entre os membros e os grupos e entre os grupos eles mesmos. É o federalismo, de onde poderíamos dizer inspirando-se de uma fórmula conhecida, que ele é, depois da anarquia teórica da igualdade restrita, uma teoria de igualdade generalizada. Mas, tanto caso como noutro, uma só e mesma ideia, simples e perturbadora, comanda as fórmulas de extensão e de complexidade crescentes: destruir até à sua origem todos os benefícios hierárquicos, e por conseguinte dominadores, entre os homens, para lhe subsituir uma quantidade de ligações harmoniosas, no seio das quais cada participante recebe o mesmo que ele dá e, onde por conseguinte, a liberdade de cada um é garantia por aquela de todos.
Assim nós podemos dar razão a Proudhon, que escrevia pouco tempo antes da sua morte, contemplando a obra realizada: “Se, em 1840, comecei pela anarquia, conclusão da minha crítica da ideia governamental, devia acabar pela federação, base necessária do direito das pessoas em república e morte da organização de todos os Estados” (37).
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