terça-feira, dezembro 28, 2010

O NEGRO E O VERMELHO

Era Proudhon um Federalista Integral?

Para tratar deste assunto, bastará comentar uma carta de Proudhon, depois de ter sublinhado que ele sempre teve uma sensibilidade muito viva para agarrar ão bem os aspectos particulares das coisas que o ligam unindo-os uns aos outros. Ele possuía, instintivamente, um espírito dialéctico. O seu pensamento, atenta em procurar a diversidade na unidade, permanece sempre contudo global, integral; ela nunca está dividida, limitada, ou especializada. Alguma dúvida sobre o feito que, desde que ele seja convertido da anarquia ao federalismo – como ele prórpio o admite abertamente escrevendo a 2 de Novembro de 1862 a Milliet (84) – ele entende ser um federalismo integral.
Todavia, parece que Proudhon havia cumprido o integralismo de duas maneiras diferentes e que se excluem na teoria, sem que ele nunca tenha parecido dar conta da sua diferença nem da sua oposição. Também se pode encontrar no seu pensamento duas concepções de integralismo, bem como as conexões arbitrárias, quando este não é uma verdadeira e real confusão, entre as duas formas de ver. Ora existe uma carta onde este aspecto do seu pensamento se manifesta com grande evidência. Este texto chamará a atenção de Sainte-Beuve que o publica com muitas outras na sua obra sobre Proudhon, aparecendo na Revista Contemporânea, depois posteriormente em volume (85). Esta carta é assim apresentada: “Proudhon lá respondeu (à carta de Antoine Gauthier sobre as suas duas primeiras memórias) por uma carta que é uma das mais curiosas e das mais essenciais, o que ela mostra ao natural e à franqueza pela cordialidade “franc-comtoise”, bom compadre e companheiro, e também sabendo reduzir muito bem, quando lhe convinha, a sua utopia ao mínimo, não a mostrando mais como uma perfeição ideal num longínquo indefinido, e indincando de perto as únicas medidas de reforma que ele designava para o apresentar. Não se sabia nada de concreto nem de mais sincero”. Eu estou de acordo sobre a precisão e sobre a sinceridade, de modo nenhum sobre a redução da utopia ao mínimo. Eu vejo, pelo contrário, uma contradição. De algum modo, eis as passagens essenciais da carta (as itálicas e as maiúsculas estão no texto publicado por Sainte-Beuve):
“Tu exiges-me explicações sobre o modo de reconstituir a sociedade. Eu quero responder em poucas palavras e tentar dar-te a este respeito, as ideias justas.
“Desde que leste o meu livro, tu deves compreender que ele não se agita imediatamente a imaginar, combinar no nosso cérebro um sistema que nós apresentaremos de seguida; não é assim que se reforma o mundo. A sociedade não se pode corrigir por ela própria, ou seja, é preciso estudar a natureza humana em todas as suas manifestações, nas leis, nas religiões, nos costumes, na ecónomia política; extrair desta enorme massa, pelas operações da metafísica (86) o que é verdadeiro, eliminar o que é vicioso, falso ou incompleto, e todos os elementos conservados, formar os príncipios gerais que servem as regras. Este trabalho levará séculos até ir de encontro ao seu complemento.
“Isto parece-te desesperante; mas tranquiliza-te. Em toda a reforma, existem duas coisas distintas: a transição e a perfeição ou a conclusão.
“A primeira é que a sociedade actual seja chamada a operar: e bem! Sobre que princípios iremos realizar esta transição? – Tu encontrarás a resposta a esta questão combinado em conjunto algumas passagens da minha Segunda Memória (páginas 10-11) (87), converter todas as rendas, e, generalizando-os, baixar a taxa de todos os lucros; p.16, reforma da banca;p.28-29, emissão de capital ao pequeno interesse, reforma nos bancários; p.33-37, abolição progressiva das alfândegas; p.179, atacar a propriedade pelo interesse; p.184, etc.
“Tu concedes que um sistema de abolição progressivo ao que eu chamo de fortuna, é o mesmo que dizer pensões, rendas, aluguer, grandes tratamentos, concorrência, etc., ficaria quase sem efeito da propriedade, pois, se ela é nociva, é sobretudo por interesse.
“Mas esta abolição progressiva não seria mais que uma negação do mal, mas não mais uma organização positiva. Ora, para isto, meu caro amigo, eu posso muito bem dar os príncipios e as leis gerais, mas, só, eu não posso chegar a todos os detalhes. É um trabalho que absorveria cinquenta Montesquieu. Pela minha parte, eu daria os axiomas, eu forneceria os exemplos e um método, eu meteria a coisa em andamento; cabe ao mundo fazer o resto.
“Assim, eu acredito que ninguém sobre a terra é capaz, como se quis dizer de Sainte-Simon e de Fourier, de dar um sistema composto de todas as peças e completo, não se fez mais do que jogar. É a mensagem mais detestável que se pode apresentar aos homens, e é por isso que eu sou um forte opositor do Fourierismo. A ciência social é infinita: nenhum homem a possui, mais ainda que nenhum homem sabe de medicina, da física ou das matemáticas. Mas nós podemos descobrir os príncipios, depois os elementos, depois uma parte que irá sempre crescendo. Ora o que eu faço imediatamente é determinar os elementos da ciência política e legislativa.
“Por exemplo, eu mantenho o direito de sucessão, e eu quero a igualdade: como conciliar isso? É aqui que é preciso entrar na organização. Este problema será resolvido na Terceira Memória, com muitos outros. Neste momento eu não posso dizer tudo: faltariam-me vinte páginas.
“Enfim, se a política e a legislação são uma ciência, tu compreendes que os príncipios podem ser muito simples, às perceptíveis inteligências, mas que, para chegar à solução de algumas questões de detalhe ou de uma ordem superior, é preciso uma série de racíocinios e de instruções todas elas análogas aos cálculos pelos quais se determina o movimento dos astros. É isso mesmo que eu te digo das dificuldades da ciência social, será uma das coisas mais curiosas da minha Terceira Memória, e que provará o melhor da boa fé e a nulidade das invenções políticas.
“Em duas palavras: abolir progressivamente e até à extinção da alfândega, eis a transição. A organização resultará do príncipio da divisão do trabalho e da força colectiva, combinada com o manter da personalidade no homem e do cidadão (…).
“O essencial hoje em dia é fixar os teus olhares sobre a propriedade e de resumir toda a política interior na questão da abolição, e a política exterior naquela das alfândegas. Tudo está lá: o resto corrigir-se-á por ele próprio…”
O essencial da primeira concepção do integralismo basea-se sobre a ideia, claramente formulada, segundo a qual “a sociedade não se pode corrigir por ele própria”: a segunda, pelo contrário, sobre a afirmação que qualquer um pode fazer alguma coisa para corrigir a sociedade: “abolir progressivamente e até à extinção da fortuna”. O deslize da primeira à segunda concepção reside no recurso arbitrário à ideia que em toda a reforma, existem dois aspectos: “a transição e a perfeição ou conclusão”, o que permite a Proudhon compreender a “transição” uma vez como um simples trabalho negativo. (“a negação do mal”) e uma outra vez como o feito essencial: “O essencial hoje em dia é fixar os teus olhares sobre a propriedade e de resumir toda a política interior na questão da abolição, e a política exterior nas alfândegas. Tudo está lá: o resto corrigir-se-à por ele próprio”.
É neste momento que se contacta, segundo eu, a confusão entre as duas concepções. A “transição”tornou-se o todo: na primeira fórmula, o que se corrige por si-próprio é a “sociedade”, na segunda, é o “resto”. O desabamento é completo, mas Proudhon não se apercebe que o verbo “corrigir” não tem o mesmo assunto. Ele não se apercebe mais do feito que na primeira fórmula, se agita no assunto – a sociedade – que se corrige de si própria, ou seja que ele se agita na segunda fórmula, ele agita-se no assunto – o resto – privado de todo o carácter, onde a correcção é também ela um fim, uma operação inteiramente passiva que se efectua como movimento metido em marcha de exterior. “Eu meteria a coisa em andamento; cabe ao mundo fazer o resto”.
E, feito significativo sobre aquele que regressaria: na primeira perspectiva, a política, muitas vezes junto de Proudhon, é considerada como estéril (“a mutilidade das invenções políticas”) então na segunda, ela torna-se tudo (o essencial traduz-se por um problema de política interior: a abolição da fortuna, e da política exterior; a abolição das alfândegas; operações que no bom direito Proudhon chama de políticas porque elas reclamam as medidas legislativas, por conseguinte a intervenção do poder político).
Lá diz, é preciso examinar cuidadosamente o ponto sobre o qual as duas concepções se contradizem. “A sociedade corrige-se por si própria” significa que ninguém pode corrigi-la pois a sua evolução depende do concurso de todos. “Basta-lhe abolir a fortuna, e o fim far-se-à por si mesmo”, isso significa pelo contrário que a sociedade não se corrige ela própria, pois as suas modificações essenciais são consequência da intervenção de uma parte ela própria numericamente muito falível: o herói e a sua comitiva, o monarca e os seus dignatários, o partido político e os seus militantes, o revolucionário e seus companheiros; em todos os casos, um punhado de pessoas.
E eis-nos no ponto preciso onde se situa a contradição: ninguém pode modificar a situação social de todos (a sociedade); qualquer um pode modificar a situação social de todos. Esta contradição sonha com uma importância particular quando ele se agita no benefício da teoria com a prática.
O feito que a sociedade desenvolve por si mesma não impediria, pelo menos em teoria, que qualquer um pudesse conhecer inteiramente a sua evolução. Mas isso impediria-o de certeza, de impôr esta evolução social ao que este foi. Com efeito aquele que seguria esta prescrição não se agitaria mais pela sua própria vontade mas seria movido por aquela de um outro; se isso chegasse entretanto a acontecer, uma parcela da sociedade – e por conseguinte a sociedade considerada como um todo – não evoluiria mais por si própria, contráriamente à hipótese inicial.
Este racíocinio é exacto. Parece-me, uma fé despojada da sua rigidez e uma fé que tinha esclarecido que concerna os seus aspectos permanentes e importantes do comportamento social. É um feito que as grandes perturbações podem ser provocados pelo poder de um pequeno número. Mas estas perturbações são precárias e provisórias. Todos aqueles que modificam a sua conduta, não antes da sua razão e da sua vontade, mas antes das solicitações exteriores, chegam ao seu estado precedente quando esta solicitação vem a faltar. Por esta razão, as modificações sociais obtidas sem o auxílio de todos são instáveis, e por conseguinte, em última análise, sem importância.
Assim esclarecida, a primeira concepção do integralismo parece-me exacta. Mas, aplicada com rectidão, ela não oferece um verdadeiro critério para a acção social (social no sentido alargado: político, económico, jurídico, etc.). Permite acima de tudo mais a prevenção que a acção. Isso não significa que ela faça obstáculo à acção social. Ela facilita-a pelo contrário, mas unicamente no que ela facilita o conhecimento particular que serve à acção social. E como este conhecimento é aquele da situação no qual cada um se encontra entre outros – que o condicionam e que não partilham inteiramente a sua concepção global – está visto, nesta hipótese, que no lugar de impôr aos outros a nossa concepção, nós aceitemo-la sem a fazer nossa. Logo, se esta concepção é exacta, é certo também que, nós alargaríamos mais o cerco do nosso conhecimento em direcção á totalidade, nós devemos aceitar mais os outros na sua diversidade. Tudo isso parece-me não somente verdadeiro mas profundamente bom. Se o conhecimento global podia transmudar-se na acção social, o detentor deste conhecimento chegaria a dispôr de todos os outros, e a liberdade de cada um seria destruída. A liberdade de todos exige que o conhecimento global se traduza exclusivamente em acções individuais, na vida interior, não na vida social. O conhecimento é indispensável à acção, e vice-versa. Mas o homem, ser imperfeito, não pode possuir o conhecimento até ao fim sem perder a acção, como de outra parte, ele não pode possuir a acção até ao fim sem perder o conhecimento, e sem afundar-se na pura bestialidade.
Efectivamente, toca-se, falando do integralismo, no limite da condição humana; e, a meu ver, não é preciso admirar-se, se a este ponto, ele manifesta uma contradição, uma obscuridade, um mistério. Do ponto de vista da razão, não lhe resta mais neste grau que aceitar a dialética da propriedade, ou seja, a concepção da dialética do amado director desta revista, onde se lirá o exposto aqui-antes.
Em conclusão, a primeira concepção do integralismo, que indevidamente, Proudhon confunde com a segunda, não exclui a acção social mas favorece-a, na condição entretanto de não ter a pretensão de a transformar numa directiva rígida da acção, na condição portanto de saber se destacar quando se tenta elevar o conhecimento aos mais altos cumes. A acção seria então imposta, ou seja uma acção estéril. E a segunda? Como é que se determina, na segunda concepção, o benefício teórico-prático? De maneira absolutamente oposta. Nesta perspectiva o conhecimento, nomeado, que ele seja justo – será tanto mais justo que será global – deveria constituir o critério da acção social. Nada mais, mesmo quando só um pequeno número a possui, mesmo quando esta acção é querida por uma só pessoa e recusada por todas as outras; pois, nesta hipótese, a sociedade pode ser modificada por alguns, e por conseguinte os outros – aqueles que não possuem o justo conhecimento – não contam.
Mas ele só se trata de uma visão do espírito. Do ponto de vista social, o homem sózinho é condenado. Aquele que fica na minoria, seria uma minoria substancial, é ultrapassado. Ele não pode agir. Se ele não se resigna, não lhe resta mais que a estéril agitação no vazio, a caricatura da acção. A meu ver, isso demonstra que não somente a segunda concepção do integralismo exclui a acção social, mais também que ela é falsa pois não pode alcançar somente ao seu objecto teórico, o conhecimento integral. É um feito que qualquer um tenta isolar-se na sua experiência e, portanto, agir segundo esta concepção, passa ao lado dos outros sem lhe dar conta, sem os conhecer; e não conhecer os outros, é nada conhecer senão a sua própria alucinação.
O que eu digo até aqui tem uma importância particular no que diz respeito à política. A política pertence ao domínio da acção do pequeno número sobre a massa. Ela não devia então procurar transformar a sociedade. Ele não pode fazê-lo, e, se, tomado pela euforia, ela tenta-o, contudo ela não pode arrastar as perturbações, nunca as mudanças reais e verdadeiras. Por conseguinte, ela não se pode basear sobre o conhecimento global, mas somente sobre um conhecimento particular: o conhecimento das situações e dos problemas do poder. No meu sentido, isso queria para o federalismo também, na medida onde o federalismo tem o dever político de destruir as instituições da centralização e do encerramento, para fundar aquelas da abertura e do pluralismo (88).
Isso não quer dizer que o federalismo não o seja mais ainda. Eu creio doravante que ele pode elevar-se à altura de um conhecimento global. Mas, neste caso, mesmo que ele possa ser uma ajuda aos conhecimentos, particulariedades indispensáveis à acção social, ele não pode, a meu ver, traduzir-se na acção, mas somente na previsão. A precisão, creio eu, que desta forma, e farão doravante no futuro, os homens mesmo que eles se agitem espontaneamente, ou seja, no conhecimento do novo curso da história.

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