Proudhon e a Ideia Federalista
Na confusão que se estabelece na metade do século XIX e que não cessou, um homem é perspicaz: é Proudhon. Enquanto se misturam num caos verdadeiramente romântico as sobrevivências, sonhadoras ou cínicas, e as antecipações loucas, os sentimentos generosos e os interesses sórdidos, as pretensões científicas e o dogmatismo furioso, o nacionalismo e o pacifismo, o autoritarismo e o democraticismo, Proudhon está praticamente só quando se esforça para trazer ao “mal do século” as soluções constructivas. Ele não é um sortudo- será preciso dizê-lo?- algum dia; através das sucessivas aproximações, dos repetidos ajustamentos, dos excessos e dos atrasos, das tentativas seguidas de bruscas cintilações, este espírito genial e obstinado chegará somente contra o fim da sua vida a um conjunto de proposições coerentes que constituem uma resposta ao problema político-social em geral e ao da Europa em particular; pois, com razão, Proudhon não os separa um do outro. Estas posições exprimem-se nos dois últimos livros que ele escreveu, e que são entre os chefes de obra: Do Príncipio Federativo (1863) e Da Capacidade Política das Classes Operárias (1865). Antes de chegar às posições proudhonianas sobre a Europa, vamos recordar brevemente as grandes linhas da sua doutrina e o movimento do seu andamento, pois, assim que nós o chegarmos a ler, os seus pontos de vista formam um todo orgânico e articulado: não é possível, sob pena de o deformar gravemente, extrair um elemento sem indicar o quadro no qual ele se insere.
Proudhon – e nisso ele não se distingue fundamentalmente dos outros socialistas – situa-se à partida na linha da Revolução francesa. Ele não a censura de ter ficado inalcançada; essencialmente individualista e burguesa, não soube ir além da política. Aos republicanos que clamam: obtai pelo sufrágio universal e todo o resto nos será dado pelo acréscimo, Proudhon responde, às suas primeiras obras e muito antes de Marx: se vós não transformais o regime da propriedade não tereis nada a fazer e as vossas grandes palavras de liberdade, de igualdade e de fraternidade não serão mais que mensagens. Praticamente elas significarão: liberdade só para os privilegiados, desigualdades confirmadas pelo direito, e ódio entre as classes.
A grande originalidade de Proudhon é de ter ultrapassado este estado sem o renegar. Prosseguindo a sua reflexão sobre estes príncipios de 91-93, ele apercebe-se que não somente a Revolução não foi alcançada, mas que ela não foi realizada (ou, por outras palavras, que ela foi falseada desde o inicio). Se a Revolução não pode resolver o problema social é primeiramente porque ela resolveu mal o problema político. A ideia fundamental da Revolução é a dos direitos do homem: antigamente a salvaguarda das liberdades concretas por uma justiça concreta. Pelo contrário, o jacobinismo está contentado em proclamar uma série de príncipios (de outro modo contraditórias nelas mesmas já que os direitos do homem são universais e os do cidadão particularistas). Ele investiu a multidão de uma soberania ilusória para cada homem em particular e praticamente dictatorial quando ela se encontra consignada a um Estado centralizado. O jacobinismo abandona o indíviduo isolado face a um Estado oligárquico: em primeiro não deixa uma consolação verbal; em segundo dá um poder temível para a sua teoria mítica da “vontade geral”. Assim a democracia passiva não faz mais que justificar o antigo príncipio real, e reforça-o mesmo elevando-lhe todo o contrapeso. Ela afirma a separação dos poderes mas, contudo, mantem-nos na indivisão subordinando-os todos no legislativo. A conclusão lógica do jacobinismo é o autoritarismo, como se pôde ver com o Terror de Bonaparte. Ele não se agita nem com um primeiro passo. Atrás do edenismo democrático do seu tempo, Proudhon é o único a ter visto profilarem-se os totalitarismos contemporâneos.
Se se projecta primeiramente o sistema jacobino sobre o plano económico e social – onde se traduzem, em definitivo, os benefícios concretos entre os homens – apercebe-se que ele está condenado a oscilar entre dois extremos, igualmente prejudicial e por outro modo estranhamente semelhantes. Ou a democracia deixa o social for a da sua esfera e abandona a lei da selva, ou ela pretende também dirigir, e ela não pode fazê-lo legitimamente que proclamando a propriedade indivisa, como o poder, e abolindo toda a liberdade económica. Dum lado, é o liberalismo capitalista, do outro, o comunismo estadual. Entre os dois não saberia ter meio- termo eficaz, como não existe nenhum entre o indivíduo e o Estado. O jacobinismo parece livre à dialéctica do “tudo ou nada”.
Incapaz de instaurar o reino do direito ao interior das suas fronteiras, o Estado-Nação jacobino não pode à partida nos seus benefícios como os outros Estados. Ainda aqui - além de que os antigos soberanos que eram menos acessíveis à razão, à piedade ou ao egoísmo – esta indiferença divinizada do Estado está condenada a errar entre os dois extremos. De um equílibrio todo empírico, realizado momentaneamente entre os Estados-Nações, ao imperalismo de um entre eles, a passagem fez-se sem transição. Cada um, como indivíduo solitário, está fechado na couraça dos seus direitos absolutos e choca-se na mesma pretensão junto de todos os outros. É a razão pela qual os espíritos influenciados por esta filosofia sumária não podiam concender – nós tinhamo-lo visto – solução intermediária entre as soberanias absolutas, e um super-Estado europeu ao qual seriam simplesmente transferidos os atributos super-reais. Constantemente a mesma lei de dupla exaltação aplica-se impiedosamente: ou o todo do poder ou o nada da anarquia. De preferência nada, dizem as gentes de bom senso, do que o todo monstruoso em que somos ameaçados.
Este exposto sucinto dos grandes temas críticos do proudhonismo vai permitir-nos melhor compreender a sua posição – escandalosa para a quase – totalidade dos seus comtemporâneos e mesmo seus amigos – sobre a questão das nacionalidades. Proudhon reconhecendo-o mesmo, começa por aprovar a sufocação da sua época pelo príncipio das nacionalidades. Em 1848 ele confessa que ele era “frenético” e “farto” pelas ideias do dia: ele exagera de algum modo um pouco, mas é facto que ele foi também seduzido pela justa aparência – ou parcial – do famoso príncipio. Na mesma linha das suas ideias ele não vê porque é que se recusava aos povos o direito de dispôr deles próprios. Ele crê discernir na exaltação das nacionalidades o movimento pelo qual a Europa dinástica deixa lugar à Europa dos povos que ele chama de seus votos. Mas, como sempre, ele vai ver mais perto desempenharem-se as ideias todas feitas e a afectividade. Ele constacta primeiramente que a mesma noção de nacionalidade está cheia de contradicções e de obscuridades. É uma abstracção, “produto da política bem mais do que da natureza”. É bom afirmar que os povos vão dispor deles próprios mas isso pode significar coisas bem diferentes. O que é que representará, afinal de contas, esta pretendida conquista para o homem que sofre e que aflige? Será ele mais digno ou mais honroso porque servirá tal Estado antes que tal outro? Não. Apercebe-se bem disso em França.
De facto, Proudhon compreende-o cada vez mais claramente meditando sobre o insucesso de 48, o que se pode constituir por todos sob o nome de nacionalidades, são dos Estados centralizados e homogénios, às fronteiras rigidas, despóticas no interior, e imperialistas à volta. A França que deu este perigoso exemplo não ganhará nada em cercar-se de vizinhos semelhantes; é precisa a obstinação dos “patriotas” para não o ver. Mas, se a Europa devia lá ganhar, Proudhon seria o primeiro a inclinar-se, pois ele não ignora os perigos do estatuto: “…apesar dos tratados de Wesphalie, ele escreve, e dos de 1815, a Europa não está constituída; (…) ela procura a sua constituição. Os Estados nos quais ela se compõe, e que depois de 1815, começaram os seus príncipios constitucionais, não estão eles mesmos na provisória. A Alemanha procura a sua federação: mal para o mundo, se ela viesse a verter na rotina unitária! (…) A Áustria avança com precaução na sua via à vez imperial e federal; a Itália liquída a reunião das províncias; a Bélgica, no fim do seu parlamentarismo, almadiçoado clerical e liberal, e reencontra-se contra as suas velhas instituições comunais; a Rússia não faz mais que nascer para a liberdade e para a ordem; a Inglaterra parece encontrar-se bem, tanto mais que ela explora o mundo; mas mudai a sua condição económica, e ela cai na combustão. Quanto ao que é nosso, Franceses, mais avançados que os outros, nós estamos em plena dissolução. É admirável, depois disso, que tanto a Húngria como a Polónia, tanto a Itália como Holstein, tanto a questão do Oriente como a do Papa, tanto uma revolução de Julho como uma revolução de Fevereiro, veêm fazer tremer o mundo (89)?”
Multiplicar as nacionalidades não é constituir a Europa. Não é só destruir um equílibrio precário, imperfeito, mas ao menos real. É a Europa a ferro e sangue, o direito das gentes injuriadas pelo direito nacional. É a instalação, no lugar dos antigos soberanos, de oligarquias feudais como na Polónia ou na Húngria, políticos como em Itália: militar fanfarrão ou de Robespierre no poder este tal Mazzini, que ele chama singularmente: “Os Mefistófeles da democracia”. Destruiremos estas nuvens metafísicas, este delírio racional que, sob pretexto do progresso, instala por todo o lado a pior reacção ou uma confusão ainda mais perigosa.
No imediato, Proudhon estima portanto que as nacionalidades são antes uma regressão que um progresso, relativamente ao tratado de 1815. Estes aqui eram, certamente, bem insuficientes. O que Proudhon lhe censura, não é tanto o seu desânimo arbitrário (o qual tinha ao menos a vantagem de fazer coabitar grupos étnicos e linguísticos muito diferentes) o seu carácter sumariamente conservador. Mas enfim, tal como eles são, têm o mérito de existir e de realizar um certo equílibrio jurídico entre os Estados, delinear de uma lei europeia. Eles constituem um mal menor ao abrigo do qual se pode operar na paz. Não lhe convêm portanto abandonar pela aventura mas de os reforçar, de os aperfeiçoar e, se se puder, de o substituir progressivamente, primeiro um equílibrio menos estadual depois uma ordem verdadeiramente revolucionária: a federação europeia.
A oposição ao movimento das nacionalidades não é evidentemente a última meta do pensamento de Proudhon. Se ele os combate, é pelo nome do príncipio superior. Sem dúvida as nacionalidades são o grande perigo do movimento: elas levam infalivelmente à guerra; elas julgam as liberdades pessoais que começavam justamente a ser reconhecidas, adiando a Revolução social sem dia, reforçando os poderes dictatoriais dos Estados, instaurando o reino da logomaquia e o dos partidos. Mas os tratados de 1815 não tinham as virtudes inversas: não são mais que os parapeitos. Como estabelecer a paz, a soberania do direito, a liberdade e a justiça? Pelo federalismo, responde Proudhon. O que é que há a dizer?
Tínhamos visto que ele reconhecia uma parte de verdade no prejudicial príncipio das nacionalidades: é o direito para as pessoas e os grupos se governarem a eles próprios. O direito que se baptizava vagamente “dos povos” era uma criatura má. A aspiração do auto-governo é, de todas estas reivindicações, a única que tinha um conteúdo real. Os Estados unitários são incapazes de o satisfazer. O homem só se pode realizar nas comunidades à sua escala, a comuna e o atelier. Certamente, não é suficiente que elas sejam pequenas; antes de tudo, elas devem ser baseadas sobre o direito e não sobre o número. Entretanto a sua dimensão está longe de ser indiferente à realização deste voto essencial. Para o anonimato que lá reina, as vastas sociedades são máquinas, condenadas como tais à incapacidade e ao autoritarismo. A liberdade e a justiça não têm oportunidades de serem satisfeitas lá onde o homem conhecia o homem, onde os problemas se colocam realmente em termos de experiência quotidiana. Reencontramo-nos sempre no cuidado do concreto, da diferenciação, face às abstracções totalizantes. O verdadeiro Estado, diz mais ou menos Proudhon, é a comuna; a verdadeira nação é a província.
Será preciso renunciar portanto a organizar as sociedades mais vastas e o último significado do federalismo seria o retorno a uma espécie de federalismo? Nunca. O isolamento, diz Proudhon, não é, mais que a uniformização, a lei das sociedades. E, como ele tinha reconhecido um aspecto verídico do problema das nacionalidades, exalta uma unidade verdadeira, necessária e produtiva. Esta unidade não somente o federalismo a impede, mas favorece-a. As sociedades primárias não sendo mais arregimentadas num conjunto rígido vão concluir entre elas as alianças orgânicas (foedera) em vista da sua defesa, do seu enriquecimento, da sua manifestação material, cultural, moral. As células sociais devedoras vivas vão-se agrupar – pois é a lei da vida – para formar “sistemas” flexíveis, complexos, feito de dependências múltiplas e de serviços recíprocos. Elas eram ajustadas uma vez por todas como os maquinismos de uma máquina; a unidade que os lia era em sentido único e elas viam-se condenadas a repetir eternamente os mesmos gestos de assentimento. Eis que elas podem “jogar” livremente e tornarem tudo possível. Tudo, compreende-se os conflitos certamente: Proudhon teria dito sobretudo os conflitos, pois estes são os Estados unitários que ignoram os conflitos para os reduzir aos choques. Mas existe ainda o máximo de hipóteses para que estes conflitos não sejam sangrentos e sobretudo para que eles sejam limitados. Pode-se legitimamente pensar que eles resultarão, em definitivo, por um acordo, uma evolução, um movimento em frente, enquanto o equílibrio era gerador de conservador. O federalismo não é a paz perpétua, é a guerra sublimada.
Então a Europa é possível, porque ela é somente desejável. O federalismo proudhoniano permite evitar a contradição na qual tínhamos visto perder-se todos os democratas sinceramente europeus. Ou antes, ele tira partido desta mesma contradição. Só ele lhe dá um sentido a todos estes esforços que nós tinhamos visto deplorar-se há cinco séculos para realizar enfim uma Europa organicamente unida. O federalismo torna possível a laicização dos concílios que convinham a Dubois, Crucé ou o abade de Saint-Pierre; ele dá uma chave deste poder igual entre os Estados no qual Sully via ainda que, sem ela, a Europa estaria à mercê de todas as aventuras; ela é a promoção da Europa dos povos que entreviam Saint-Simon; ele é sobretudo a Europa do direito onde Kant saudava prematuramente o nascimento. O federalismo não evita o Charybde das soberanias para cair na Scylla so super-Estado, ou reciprocamente. E Proudhon só tem sarcasmos para o “europaísmo” que lhe parece, num sentido, o pior dos perigos; “Ele foi falado montes de vezes, entre os democratas de França, de uma confederação europeia, noutros termos dos Estados Unidos da Europa. Sob esta designação, nunca parece ter cumprido outra coisa que uma aliança de todos os Estados, grandes e pequenos, existentes actualmente na Europa, sob a presidência permanente de um Congresso. Ele é sob-entendido que cada Estado conservaria a forma de governamento que lhe conviria melhor. Ora, cada Estado dispondo no Congresso de um número de voz proporcional à sua população e ao seu território, os pequenos Estados encontrariam-se em breve, nesta Confederação pretendida, enfeudado nos grandes, além disso, era possível que esta nova Santa-Aliança podia ser animada num principio de evolução colectiva, veria-se prontamente a degenerar, antes uma conflagração interior, num poder único, ou grande monarquia europeia” (90).
A condição da Europa federada, segundo Proudhon, é que os federadores sejam eles mesmos federalistas. Antigamente diz-se que os elementos constituintes (nos dois sentidos do termo) sejam desde já constituídos em federações. Pois não se saberia perseguir a vez dos objectivos contradictórios; não se saberia empregar meios que fazem obstáculo ao fim que se persegue. A Europa será uma federação de federações ou ela não será. “A Europa seria ainda demasiado grande, escreve ele, para uma confederação única: ela não poderia formar mais que uma confederação de confederações” (91).
Sendo dado o Estado actual das coisas, um conjunto tão complexo não pode portanto constituir-se que por uma autêntica “revolução”, um transtorno total das estruturas e sobretudo uma mudança completa das mentalidades e dos ideais. No pequeno catecismo político que segue o Quarto Estudo da sua grande obra Da Justiça na Revolução e na Igreja, Proudhon formula este resumido significado: “P. Que pensais vós do equilibrio europeu? R. Pensamento glorioso de Henrique IV no qual a Revolução pode dar a única verdadeira fórmula. É o federalismo universal, garantia suprema de toda a liberdade e de todo o direito, e que deve, sem soldados nem padres, substituir a sociedade cristã e feudal”. E, mais longe, ele resume todo o seu pensamento de forma lapidária: “O federalismo é a forma política da humanidade”.
Esta revolução tem oportunidades de se produzir? Sobre este ponto Proudhon é bastante pessimista, pois a força das suas convicções não impedem a clarividência do seu olhar. Ele vê primeiro as nacionalidades a endurecerem-se, ir até ao fim dos seus principios, para chegar enfim, cada vez mais depressa sobre esta via de morte, à ditadura total e à guerra total. Existe uma tristeza proudhoniana, mas não este prazer catastrófico que se vê junto de alguns, um Marx por exemplo. Proudhon espera, a favor e contra tudo; ele quer, ele age, ele cria à sua volta, e se ele precisa no deserto, vai-se à ruína. Quantos soam estranhamente, e dolorosamente, hoje em dia aos nossos ouvidos, esta solene advertência de Proudhon: “O século XX abrirá a era das federações, ou a humanidade recomeçara num purgatório com mil anos (92) ”. Estaremos nós já lá?
Sabendo o que nós sabemos é necessário precisar que Proudhon não entendeu? É preciso dizer, mesmo, que de todas as ideias, estas são os seus pontos de vista europeus que tiveram o meio eco. Elas chocariam pelos muitos preconceitos ambientes e lisonjeando algum. Elas não substituiam nada de conhecido. Alguns destes fiéis discípulos são separados dele, precisamente a propósito destas questões. O movimento operário, que seguiu muito largamente Proudhon até à Comuna, era o mais seguido em matéria europeia nos antipodas do seu pensamento: patrioteiro, e portanto partidário da unificação dos países mais perigosos para a França; pacifista, e entretanto pronto a fazer a guerra para o principio das nacionalidades. Do mesmo modo dizer que a audiência de Proudhon foi finalmente limitada; pois aqueles que não cumpriam sobre estes pontos essenciais, compreenderam-nos mal.
Antes da sua morte, um punhado de fiéis mantêm corajosamente o pensamento integral do mestre. Mas eles foram baleados pelas prescições de 71, pela instalação definitiva da democracia jacobina na Europa e a subida do marxismo que se seguiu. O pensamento proudhoniano está então refugiado no seio desta federação jurassiana, de tendência anarquista, que tinha deixado a Internacional inteiramente submissa às operações doutrinais e tácticas de Marx. Desta pequena cidade de Chaux-de-Fonds, na Jura suíço, tão profundamente impregnada de tradições federalistas, parece que o proudhonismo tinha irradiado sobre alguns movimentos pacifistas tendo o seu centro em Genebra. Não é sem surpresa, efectivamente, que se reencontra, perto de 1880, o jornal Os Estados Unidos da Europa fundado pelo santo-simoniano Charles Lemonnier e que tinha sido outrora a voz mais pálida “Liga da Paz e da Liberdade” (desonrada por Proudhon e, igualmente, por Marx que o chamava: “o saco à venda em Genebra”), reclamar das ideias proudhonianas. Os jurassistas deverão passar para lá e também Bakounine, que tinha aderido à liga em 1867.
As tendências mutualistas, cooperativas, federalistas, do movimento operário francês que ficaram bem vivas até perto de 1900 não parecem estar muito preocupadas com a Europa. Do mesmo modo, mas numa medida medíocre, o ”retorno a Proudhon”, que é produto de França a partir de 1911 e não atingiu por outro lado milhões bem restritos. Alguns juristas de grande valor, teóricos do federalismo e do internacionalismo, têm todavia participado neste movimento. É antes de mais nos outros países que é necessário procurar uma sobrevivência de Proudhon. O anarquismo italiano e espanhol, os regionalismos basco e catalão, o saber e o não saber, são tendências proudhonianas ainda que com uma nuance particular que não estava no pensamento de Proudhon. É preciso esperar por uma época toda ela recente para reencontrar uma influência, ainda difusa, neste momento, do autor do Príncipio Federativo sobre o movimento europeu.
Na confusão que se estabelece na metade do século XIX e que não cessou, um homem é perspicaz: é Proudhon. Enquanto se misturam num caos verdadeiramente romântico as sobrevivências, sonhadoras ou cínicas, e as antecipações loucas, os sentimentos generosos e os interesses sórdidos, as pretensões científicas e o dogmatismo furioso, o nacionalismo e o pacifismo, o autoritarismo e o democraticismo, Proudhon está praticamente só quando se esforça para trazer ao “mal do século” as soluções constructivas. Ele não é um sortudo- será preciso dizê-lo?- algum dia; através das sucessivas aproximações, dos repetidos ajustamentos, dos excessos e dos atrasos, das tentativas seguidas de bruscas cintilações, este espírito genial e obstinado chegará somente contra o fim da sua vida a um conjunto de proposições coerentes que constituem uma resposta ao problema político-social em geral e ao da Europa em particular; pois, com razão, Proudhon não os separa um do outro. Estas posições exprimem-se nos dois últimos livros que ele escreveu, e que são entre os chefes de obra: Do Príncipio Federativo (1863) e Da Capacidade Política das Classes Operárias (1865). Antes de chegar às posições proudhonianas sobre a Europa, vamos recordar brevemente as grandes linhas da sua doutrina e o movimento do seu andamento, pois, assim que nós o chegarmos a ler, os seus pontos de vista formam um todo orgânico e articulado: não é possível, sob pena de o deformar gravemente, extrair um elemento sem indicar o quadro no qual ele se insere.
Proudhon – e nisso ele não se distingue fundamentalmente dos outros socialistas – situa-se à partida na linha da Revolução francesa. Ele não a censura de ter ficado inalcançada; essencialmente individualista e burguesa, não soube ir além da política. Aos republicanos que clamam: obtai pelo sufrágio universal e todo o resto nos será dado pelo acréscimo, Proudhon responde, às suas primeiras obras e muito antes de Marx: se vós não transformais o regime da propriedade não tereis nada a fazer e as vossas grandes palavras de liberdade, de igualdade e de fraternidade não serão mais que mensagens. Praticamente elas significarão: liberdade só para os privilegiados, desigualdades confirmadas pelo direito, e ódio entre as classes.
A grande originalidade de Proudhon é de ter ultrapassado este estado sem o renegar. Prosseguindo a sua reflexão sobre estes príncipios de 91-93, ele apercebe-se que não somente a Revolução não foi alcançada, mas que ela não foi realizada (ou, por outras palavras, que ela foi falseada desde o inicio). Se a Revolução não pode resolver o problema social é primeiramente porque ela resolveu mal o problema político. A ideia fundamental da Revolução é a dos direitos do homem: antigamente a salvaguarda das liberdades concretas por uma justiça concreta. Pelo contrário, o jacobinismo está contentado em proclamar uma série de príncipios (de outro modo contraditórias nelas mesmas já que os direitos do homem são universais e os do cidadão particularistas). Ele investiu a multidão de uma soberania ilusória para cada homem em particular e praticamente dictatorial quando ela se encontra consignada a um Estado centralizado. O jacobinismo abandona o indíviduo isolado face a um Estado oligárquico: em primeiro não deixa uma consolação verbal; em segundo dá um poder temível para a sua teoria mítica da “vontade geral”. Assim a democracia passiva não faz mais que justificar o antigo príncipio real, e reforça-o mesmo elevando-lhe todo o contrapeso. Ela afirma a separação dos poderes mas, contudo, mantem-nos na indivisão subordinando-os todos no legislativo. A conclusão lógica do jacobinismo é o autoritarismo, como se pôde ver com o Terror de Bonaparte. Ele não se agita nem com um primeiro passo. Atrás do edenismo democrático do seu tempo, Proudhon é o único a ter visto profilarem-se os totalitarismos contemporâneos.
Se se projecta primeiramente o sistema jacobino sobre o plano económico e social – onde se traduzem, em definitivo, os benefícios concretos entre os homens – apercebe-se que ele está condenado a oscilar entre dois extremos, igualmente prejudicial e por outro modo estranhamente semelhantes. Ou a democracia deixa o social for a da sua esfera e abandona a lei da selva, ou ela pretende também dirigir, e ela não pode fazê-lo legitimamente que proclamando a propriedade indivisa, como o poder, e abolindo toda a liberdade económica. Dum lado, é o liberalismo capitalista, do outro, o comunismo estadual. Entre os dois não saberia ter meio- termo eficaz, como não existe nenhum entre o indivíduo e o Estado. O jacobinismo parece livre à dialéctica do “tudo ou nada”.
Incapaz de instaurar o reino do direito ao interior das suas fronteiras, o Estado-Nação jacobino não pode à partida nos seus benefícios como os outros Estados. Ainda aqui - além de que os antigos soberanos que eram menos acessíveis à razão, à piedade ou ao egoísmo – esta indiferença divinizada do Estado está condenada a errar entre os dois extremos. De um equílibrio todo empírico, realizado momentaneamente entre os Estados-Nações, ao imperalismo de um entre eles, a passagem fez-se sem transição. Cada um, como indivíduo solitário, está fechado na couraça dos seus direitos absolutos e choca-se na mesma pretensão junto de todos os outros. É a razão pela qual os espíritos influenciados por esta filosofia sumária não podiam concender – nós tinhamo-lo visto – solução intermediária entre as soberanias absolutas, e um super-Estado europeu ao qual seriam simplesmente transferidos os atributos super-reais. Constantemente a mesma lei de dupla exaltação aplica-se impiedosamente: ou o todo do poder ou o nada da anarquia. De preferência nada, dizem as gentes de bom senso, do que o todo monstruoso em que somos ameaçados.
Este exposto sucinto dos grandes temas críticos do proudhonismo vai permitir-nos melhor compreender a sua posição – escandalosa para a quase – totalidade dos seus comtemporâneos e mesmo seus amigos – sobre a questão das nacionalidades. Proudhon reconhecendo-o mesmo, começa por aprovar a sufocação da sua época pelo príncipio das nacionalidades. Em 1848 ele confessa que ele era “frenético” e “farto” pelas ideias do dia: ele exagera de algum modo um pouco, mas é facto que ele foi também seduzido pela justa aparência – ou parcial – do famoso príncipio. Na mesma linha das suas ideias ele não vê porque é que se recusava aos povos o direito de dispôr deles próprios. Ele crê discernir na exaltação das nacionalidades o movimento pelo qual a Europa dinástica deixa lugar à Europa dos povos que ele chama de seus votos. Mas, como sempre, ele vai ver mais perto desempenharem-se as ideias todas feitas e a afectividade. Ele constacta primeiramente que a mesma noção de nacionalidade está cheia de contradicções e de obscuridades. É uma abstracção, “produto da política bem mais do que da natureza”. É bom afirmar que os povos vão dispor deles próprios mas isso pode significar coisas bem diferentes. O que é que representará, afinal de contas, esta pretendida conquista para o homem que sofre e que aflige? Será ele mais digno ou mais honroso porque servirá tal Estado antes que tal outro? Não. Apercebe-se bem disso em França.
De facto, Proudhon compreende-o cada vez mais claramente meditando sobre o insucesso de 48, o que se pode constituir por todos sob o nome de nacionalidades, são dos Estados centralizados e homogénios, às fronteiras rigidas, despóticas no interior, e imperialistas à volta. A França que deu este perigoso exemplo não ganhará nada em cercar-se de vizinhos semelhantes; é precisa a obstinação dos “patriotas” para não o ver. Mas, se a Europa devia lá ganhar, Proudhon seria o primeiro a inclinar-se, pois ele não ignora os perigos do estatuto: “…apesar dos tratados de Wesphalie, ele escreve, e dos de 1815, a Europa não está constituída; (…) ela procura a sua constituição. Os Estados nos quais ela se compõe, e que depois de 1815, começaram os seus príncipios constitucionais, não estão eles mesmos na provisória. A Alemanha procura a sua federação: mal para o mundo, se ela viesse a verter na rotina unitária! (…) A Áustria avança com precaução na sua via à vez imperial e federal; a Itália liquída a reunião das províncias; a Bélgica, no fim do seu parlamentarismo, almadiçoado clerical e liberal, e reencontra-se contra as suas velhas instituições comunais; a Rússia não faz mais que nascer para a liberdade e para a ordem; a Inglaterra parece encontrar-se bem, tanto mais que ela explora o mundo; mas mudai a sua condição económica, e ela cai na combustão. Quanto ao que é nosso, Franceses, mais avançados que os outros, nós estamos em plena dissolução. É admirável, depois disso, que tanto a Húngria como a Polónia, tanto a Itália como Holstein, tanto a questão do Oriente como a do Papa, tanto uma revolução de Julho como uma revolução de Fevereiro, veêm fazer tremer o mundo (89)?”
Multiplicar as nacionalidades não é constituir a Europa. Não é só destruir um equílibrio precário, imperfeito, mas ao menos real. É a Europa a ferro e sangue, o direito das gentes injuriadas pelo direito nacional. É a instalação, no lugar dos antigos soberanos, de oligarquias feudais como na Polónia ou na Húngria, políticos como em Itália: militar fanfarrão ou de Robespierre no poder este tal Mazzini, que ele chama singularmente: “Os Mefistófeles da democracia”. Destruiremos estas nuvens metafísicas, este delírio racional que, sob pretexto do progresso, instala por todo o lado a pior reacção ou uma confusão ainda mais perigosa.
No imediato, Proudhon estima portanto que as nacionalidades são antes uma regressão que um progresso, relativamente ao tratado de 1815. Estes aqui eram, certamente, bem insuficientes. O que Proudhon lhe censura, não é tanto o seu desânimo arbitrário (o qual tinha ao menos a vantagem de fazer coabitar grupos étnicos e linguísticos muito diferentes) o seu carácter sumariamente conservador. Mas enfim, tal como eles são, têm o mérito de existir e de realizar um certo equílibrio jurídico entre os Estados, delinear de uma lei europeia. Eles constituem um mal menor ao abrigo do qual se pode operar na paz. Não lhe convêm portanto abandonar pela aventura mas de os reforçar, de os aperfeiçoar e, se se puder, de o substituir progressivamente, primeiro um equílibrio menos estadual depois uma ordem verdadeiramente revolucionária: a federação europeia.
A oposição ao movimento das nacionalidades não é evidentemente a última meta do pensamento de Proudhon. Se ele os combate, é pelo nome do príncipio superior. Sem dúvida as nacionalidades são o grande perigo do movimento: elas levam infalivelmente à guerra; elas julgam as liberdades pessoais que começavam justamente a ser reconhecidas, adiando a Revolução social sem dia, reforçando os poderes dictatoriais dos Estados, instaurando o reino da logomaquia e o dos partidos. Mas os tratados de 1815 não tinham as virtudes inversas: não são mais que os parapeitos. Como estabelecer a paz, a soberania do direito, a liberdade e a justiça? Pelo federalismo, responde Proudhon. O que é que há a dizer?
Tínhamos visto que ele reconhecia uma parte de verdade no prejudicial príncipio das nacionalidades: é o direito para as pessoas e os grupos se governarem a eles próprios. O direito que se baptizava vagamente “dos povos” era uma criatura má. A aspiração do auto-governo é, de todas estas reivindicações, a única que tinha um conteúdo real. Os Estados unitários são incapazes de o satisfazer. O homem só se pode realizar nas comunidades à sua escala, a comuna e o atelier. Certamente, não é suficiente que elas sejam pequenas; antes de tudo, elas devem ser baseadas sobre o direito e não sobre o número. Entretanto a sua dimensão está longe de ser indiferente à realização deste voto essencial. Para o anonimato que lá reina, as vastas sociedades são máquinas, condenadas como tais à incapacidade e ao autoritarismo. A liberdade e a justiça não têm oportunidades de serem satisfeitas lá onde o homem conhecia o homem, onde os problemas se colocam realmente em termos de experiência quotidiana. Reencontramo-nos sempre no cuidado do concreto, da diferenciação, face às abstracções totalizantes. O verdadeiro Estado, diz mais ou menos Proudhon, é a comuna; a verdadeira nação é a província.
Será preciso renunciar portanto a organizar as sociedades mais vastas e o último significado do federalismo seria o retorno a uma espécie de federalismo? Nunca. O isolamento, diz Proudhon, não é, mais que a uniformização, a lei das sociedades. E, como ele tinha reconhecido um aspecto verídico do problema das nacionalidades, exalta uma unidade verdadeira, necessária e produtiva. Esta unidade não somente o federalismo a impede, mas favorece-a. As sociedades primárias não sendo mais arregimentadas num conjunto rígido vão concluir entre elas as alianças orgânicas (foedera) em vista da sua defesa, do seu enriquecimento, da sua manifestação material, cultural, moral. As células sociais devedoras vivas vão-se agrupar – pois é a lei da vida – para formar “sistemas” flexíveis, complexos, feito de dependências múltiplas e de serviços recíprocos. Elas eram ajustadas uma vez por todas como os maquinismos de uma máquina; a unidade que os lia era em sentido único e elas viam-se condenadas a repetir eternamente os mesmos gestos de assentimento. Eis que elas podem “jogar” livremente e tornarem tudo possível. Tudo, compreende-se os conflitos certamente: Proudhon teria dito sobretudo os conflitos, pois estes são os Estados unitários que ignoram os conflitos para os reduzir aos choques. Mas existe ainda o máximo de hipóteses para que estes conflitos não sejam sangrentos e sobretudo para que eles sejam limitados. Pode-se legitimamente pensar que eles resultarão, em definitivo, por um acordo, uma evolução, um movimento em frente, enquanto o equílibrio era gerador de conservador. O federalismo não é a paz perpétua, é a guerra sublimada.
Então a Europa é possível, porque ela é somente desejável. O federalismo proudhoniano permite evitar a contradição na qual tínhamos visto perder-se todos os democratas sinceramente europeus. Ou antes, ele tira partido desta mesma contradição. Só ele lhe dá um sentido a todos estes esforços que nós tinhamos visto deplorar-se há cinco séculos para realizar enfim uma Europa organicamente unida. O federalismo torna possível a laicização dos concílios que convinham a Dubois, Crucé ou o abade de Saint-Pierre; ele dá uma chave deste poder igual entre os Estados no qual Sully via ainda que, sem ela, a Europa estaria à mercê de todas as aventuras; ela é a promoção da Europa dos povos que entreviam Saint-Simon; ele é sobretudo a Europa do direito onde Kant saudava prematuramente o nascimento. O federalismo não evita o Charybde das soberanias para cair na Scylla so super-Estado, ou reciprocamente. E Proudhon só tem sarcasmos para o “europaísmo” que lhe parece, num sentido, o pior dos perigos; “Ele foi falado montes de vezes, entre os democratas de França, de uma confederação europeia, noutros termos dos Estados Unidos da Europa. Sob esta designação, nunca parece ter cumprido outra coisa que uma aliança de todos os Estados, grandes e pequenos, existentes actualmente na Europa, sob a presidência permanente de um Congresso. Ele é sob-entendido que cada Estado conservaria a forma de governamento que lhe conviria melhor. Ora, cada Estado dispondo no Congresso de um número de voz proporcional à sua população e ao seu território, os pequenos Estados encontrariam-se em breve, nesta Confederação pretendida, enfeudado nos grandes, além disso, era possível que esta nova Santa-Aliança podia ser animada num principio de evolução colectiva, veria-se prontamente a degenerar, antes uma conflagração interior, num poder único, ou grande monarquia europeia” (90).
A condição da Europa federada, segundo Proudhon, é que os federadores sejam eles mesmos federalistas. Antigamente diz-se que os elementos constituintes (nos dois sentidos do termo) sejam desde já constituídos em federações. Pois não se saberia perseguir a vez dos objectivos contradictórios; não se saberia empregar meios que fazem obstáculo ao fim que se persegue. A Europa será uma federação de federações ou ela não será. “A Europa seria ainda demasiado grande, escreve ele, para uma confederação única: ela não poderia formar mais que uma confederação de confederações” (91).
Sendo dado o Estado actual das coisas, um conjunto tão complexo não pode portanto constituir-se que por uma autêntica “revolução”, um transtorno total das estruturas e sobretudo uma mudança completa das mentalidades e dos ideais. No pequeno catecismo político que segue o Quarto Estudo da sua grande obra Da Justiça na Revolução e na Igreja, Proudhon formula este resumido significado: “P. Que pensais vós do equilibrio europeu? R. Pensamento glorioso de Henrique IV no qual a Revolução pode dar a única verdadeira fórmula. É o federalismo universal, garantia suprema de toda a liberdade e de todo o direito, e que deve, sem soldados nem padres, substituir a sociedade cristã e feudal”. E, mais longe, ele resume todo o seu pensamento de forma lapidária: “O federalismo é a forma política da humanidade”.
Esta revolução tem oportunidades de se produzir? Sobre este ponto Proudhon é bastante pessimista, pois a força das suas convicções não impedem a clarividência do seu olhar. Ele vê primeiro as nacionalidades a endurecerem-se, ir até ao fim dos seus principios, para chegar enfim, cada vez mais depressa sobre esta via de morte, à ditadura total e à guerra total. Existe uma tristeza proudhoniana, mas não este prazer catastrófico que se vê junto de alguns, um Marx por exemplo. Proudhon espera, a favor e contra tudo; ele quer, ele age, ele cria à sua volta, e se ele precisa no deserto, vai-se à ruína. Quantos soam estranhamente, e dolorosamente, hoje em dia aos nossos ouvidos, esta solene advertência de Proudhon: “O século XX abrirá a era das federações, ou a humanidade recomeçara num purgatório com mil anos (92) ”. Estaremos nós já lá?
Sabendo o que nós sabemos é necessário precisar que Proudhon não entendeu? É preciso dizer, mesmo, que de todas as ideias, estas são os seus pontos de vista europeus que tiveram o meio eco. Elas chocariam pelos muitos preconceitos ambientes e lisonjeando algum. Elas não substituiam nada de conhecido. Alguns destes fiéis discípulos são separados dele, precisamente a propósito destas questões. O movimento operário, que seguiu muito largamente Proudhon até à Comuna, era o mais seguido em matéria europeia nos antipodas do seu pensamento: patrioteiro, e portanto partidário da unificação dos países mais perigosos para a França; pacifista, e entretanto pronto a fazer a guerra para o principio das nacionalidades. Do mesmo modo dizer que a audiência de Proudhon foi finalmente limitada; pois aqueles que não cumpriam sobre estes pontos essenciais, compreenderam-nos mal.
Antes da sua morte, um punhado de fiéis mantêm corajosamente o pensamento integral do mestre. Mas eles foram baleados pelas prescições de 71, pela instalação definitiva da democracia jacobina na Europa e a subida do marxismo que se seguiu. O pensamento proudhoniano está então refugiado no seio desta federação jurassiana, de tendência anarquista, que tinha deixado a Internacional inteiramente submissa às operações doutrinais e tácticas de Marx. Desta pequena cidade de Chaux-de-Fonds, na Jura suíço, tão profundamente impregnada de tradições federalistas, parece que o proudhonismo tinha irradiado sobre alguns movimentos pacifistas tendo o seu centro em Genebra. Não é sem surpresa, efectivamente, que se reencontra, perto de 1880, o jornal Os Estados Unidos da Europa fundado pelo santo-simoniano Charles Lemonnier e que tinha sido outrora a voz mais pálida “Liga da Paz e da Liberdade” (desonrada por Proudhon e, igualmente, por Marx que o chamava: “o saco à venda em Genebra”), reclamar das ideias proudhonianas. Os jurassistas deverão passar para lá e também Bakounine, que tinha aderido à liga em 1867.
As tendências mutualistas, cooperativas, federalistas, do movimento operário francês que ficaram bem vivas até perto de 1900 não parecem estar muito preocupadas com a Europa. Do mesmo modo, mas numa medida medíocre, o ”retorno a Proudhon”, que é produto de França a partir de 1911 e não atingiu por outro lado milhões bem restritos. Alguns juristas de grande valor, teóricos do federalismo e do internacionalismo, têm todavia participado neste movimento. É antes de mais nos outros países que é necessário procurar uma sobrevivência de Proudhon. O anarquismo italiano e espanhol, os regionalismos basco e catalão, o saber e o não saber, são tendências proudhonianas ainda que com uma nuance particular que não estava no pensamento de Proudhon. É preciso esperar por uma época toda ela recente para reencontrar uma influência, ainda difusa, neste momento, do autor do Príncipio Federativo sobre o movimento europeu.
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