domingo, dezembro 25, 2011

sábado, dezembro 24, 2011

O CAPITALISMO NÃO SE REPETE

Na atitude perante a vida, a lembrança de tempos supostamente melhores, por exemplo, do milagre económico, não passa de nostalgia. Na cultura pop chama-se a isso "retro": Quando os produtores de ideias não se lembram de mais nada, eles requentam coisas velhas ligeiramente modificadas. E ao voltar à "cena do crime" pela terceira vez deve ter-se em atenção se ela foi vista há poucos anos. Nada de novo sob o sol, parece ser o lema. De algum modo se espalhou a crença de que quem quiser encontrar uma receita para o presente só tem de olhar para o passado. Por que outra razão estariam a política, os média e a ciência económica, perante a crise em desenvolvimento nos últimos anos, sempre à procura de paralelos históricos? Quem abre um jornal acredita muitas vezes que está perante uma aula de história.

Especulações financeiras alucinantes, crises grandes e pequenas, toda a série de falências nacionais, mesmo uma ou outra união monetária falhada ‒ os historiadores económicos dos tempos modernos têm oferta praticamente para tudo. E a moral da história? Tudo já ocorreu antes, o que deve significar também que nada é assim tão mau e tudo pode ser gerido no terreno dos factos vigentes. Aqui não é só o desejo que é pai do pensamento, mas também uma certa imagem do capitalismo, como eterno retorno do mesmo. A conjuntura económica ora floresce, ora estoura; há quem suba e quem desça de divisão, cada ano ou cada século. Mas acredita-se, por princípio, que será sempre assim.

No entanto, isso é um erro. Não estamos lidando com um sistema estático, mas sim com um sistema dinâmico. O capitalismo não se repete, e também não gira em círculo, porque ele próprio é um processo histórico irreversível. A valorização do capital não recomeça sempre de novo do zero, pelo contrário, tem de ultrapassar o seu último nível na escala social para poder ir mais longe. O grau de integração económica global não pode voltar atrás, nem certamente o desenvolvimento das forças produtivas. A concorrência universal não o permite.

Mas se a globalização e a produtividade se desenvolvem cada vez mais, então por que hão-de ser o carácter, a profundidade e a abrangência das crises sempre os mesmos? A história que se gosta de contar sobre a especulação com os bolbos de tulipa na bolsa de Amesterdão no século XVII não nos ensina nada sobre a bolha imobiliária de 2008 nem sobre a falência do Lehman Brothers. Para se perceber que uma falência estatal no início do século XIX era algo completamente diferente do que seria uma falência estatal hoje basta olhar para a parte do Estado do produto nacional. A aula de história dos peritos e leitores de sinais actualmente nos média não passa de uma hora das bruxas.

Repetidamente se ouve a afirmação de que a política e a gestão teriam aprendido tanto com as crises do passado que hoje já disporiam de instrumentos e ferramentas suficientes para lidar com elas. Os diagnósticos discutem sobretudo se a crise agora será como a de 1872, ou possivelmente como a de 1929 ou então apenas como a de 1973. O sucesso da aprendizagem parece ser mínimo quando governos e bancos centrais nos provam diariamente que os seus planos de política económica e monetária são quase tão úteis e competentes como a caixa de ferramentas duma locomotiva a vapor para a reparação de emergência de um TGV. Quem como as elites do presente fala tanto do futuro não devia contar muito com os resgates do sistema já passados. De qualquer modo os antigos pacotes de resgate e as suas consequências apresentam-se na memória da humanidade sobretudo como catástrofes.

sexta-feira, dezembro 16, 2011

Frank Zappa - Amnerika

Este fim de semana está mesmo a pedir...Frank Zappa! A minha proposta é esta:



E podemos ouvir Zappa enquanto vemos a imagem de marca do país: Um edifício social que implode e desaparece rapidamente para dar lugar a um local aprazível só para ricos.É a puta de país que temos e ao qual olhamos para o lado, quiçá para o umbigo...

quinta-feira, dezembro 08, 2011

O dinheiro à grande e à portuguesa

Foi urgente sair do estado de hibernação em que me encontro nestes últimos meses para divulgar o filme que se apresenta devido à sua importância e por causa da sua maneira clara, objetiva e transparente de mostrar a realidade do dinheiro e do seu funcionamento.




Primeiro episódio do Documentário Aurora, focando-se na realidade portuguesa do colapso financeiro e o colapso do Euro.

sábado, novembro 05, 2011

CARAGO, CARAGO!!!

Mais de cinco meses após o terminus do blogue duas notas merecem registo:

1- Foi atingido ontem o número um milhão de visitas. É muita visita! Imaginem que me tivesse lembrado de oferecer uma caneca de cerveja por cada visita!!! Seria muitos alqueires de cevada!

2- Mais importante ainda: O blogue continua a ter cerca de 250 visitas por dia e isto desde 20 de Maio, o fim oficial deste espaço. Então, este pessoal não tem mais nada que fazer??!!!


Em agradecimento especial aqui ofereço Van Der Graaf Generator - Your Time Starts Now

O nosso tempo começa agora...




Your Time Starts Now

Your time starts now
without a question,
without a clue
your response will attest
to suggestion’s power, so strong
and growing stronger.
With self-belief
you’ve pulled through but you belong here no longer.

Fly by night, it’s over; day by day it’s done.
Was it simply oversight that’s left you overcome?
While you’ve been distracted -
playfully, no doubt -
your time’s been running out.

Your time starts now
and there’s the poser.
You’re going to need
all the help you can get
for the ride’s nearly over.

All that information,
all that warp and weft...
for all your patient fortitude you’re patently bereft
of clue, of hint, of notion,
of answers, even vague.
You’re ploughing forward nonetheless
as though by simple doggedness
the far side’ll see you saved.

Your time starts now
and yes, you’d best begin it,
however long
you’ve held back,
you’ve demurred,
get on track, pace by pace,
just go on,
just go further....



Lembrei-me de mais uma efeméride - daqui a pouco tenho mesmo que ir abrir uma garrafa de champanhe - fez também ontem seis anos que este blogue começou eh eh...

sexta-feira, maio 20, 2011

APONTAMENTO FINAL

Toda a realidade é cíclica!...
Hoje chegamos ao fim dum ciclo.
O Anovis Anophelis vai parar por aqui as suas actividades.



Foram cinco anos e meio, cerca de vinte e quatro mil posts, visionados quase um milhão de vezes. Milhares de textos, milhares de fotos, milhares de vídeos.Uma inacabada enciclopédia como não podia deixar de ser...
Agradeço as colaborações prestadas ao longo do tempo por uma mão cheia de pessoas bem dispostas.
Hoje chegamos ao fim dum ciclo porque é importante já hoje começar com um novo ciclo fora do Anovis.Era o que faltava se só a realidade digital contasse...
Até qualquer dia...



I write the verse and I find the rhyme
I listen to the rhythm but the heartbeat`s mine


Francisco Trindade
franciscotrindade4@gmail.com

COMUNICAR É PRECISO

O meu mail da clix foi de vez desactivado e todos os contactos devem ser feitos a partir de agora para

franciscotrindade4@gmail.com



Obrigado pela atenção
Francisco Trindade

Tretas da publicidade!!!

Privacidade acima de tudo!

Tangerinas verdes! Conhecem?

O homem que lutou contra a anorexia!

A grande diferença entre homens e mulheres...

Isto é um pleonasmo, não é?

O fim do mundo é a 21 de Maio ou seja amanhã, não é?

serviço público do Anovis...



COMUNICAÇÃO

Devido a um desaguisado com a clix de que em parte dei conta no dia de ontem venho avisar todos os meus leitores e amigos de que o meu mail








está desactivado e todos os contactos devem ser feitos a partir de agora para






Obrigado pela atenção
Francisco Trindade

O gerador de Van der Graaf e Mr Bean

soutien ecológico

Elas existem!...

Padre Marcelo Rossi atacado por cão pastor...



Acredite sempre na palavra do senhor .
O Senhor é meu Pastor e ele me salvará
Mas lembre-se : Os cães não lêem a Biblia e não tem religião .

Vem cá ter comigo, leãozinho!...



Era isso mesmo que devia acontecer!




Prenda



Ditadura e tolerância



A criança e a Justiça



O profissional


Dias Loureiro entre os conselheiros do PSD.
Ex-presidente da 'holding' do BPN terá dado aconselhamento político. Passos Coelho não confirma nem desmente.
Passos Coelho chamou, há uma semana, à sede do PSD algumas pessoas, externas à direcção do partido, para com ele discutirem formas de voltar a ganhar terreno nas sondagens.
Ao DN, os visados preferem não falar no caso.

Pelos vistos, o ex-Conselheiro do Sr. Silva Dias Loureiro vem agora aconselhar o Passos Coelho. Como os visados também prefiro não falar no caso. Enoja-me.

Estes católicos são loucos

Segundo a mui católica Agência Ecclesia, «Bebés que nasceram por intercessão de Madre Clara estarão na beatificação». Como é que uma pessoa morta em 1899 interveio na fecundação de mulheres nossas contemporâneas, é algo que me dispenso de aprofundar. A bruxaria e as magias não são a minha especialidade. Mas que haja pessoas, em pleno século 21, que fazem pronunciamentos surreais destes, e sem provocar o riso generalizado, é abismal.

Na mesma notícia, descobre-se também que o Policarpo vai levar para casa dele uma falange de um dedo da tal Maria Clara que a ICAR vai «beatificar». Eu sou tolerante, e considero que estes fetichismos são inócuos. Mas se isto se passasse fora da Europa seria considerado idolatria. Acho eu.

A calamidade bestial

O Banco de Portugal diz que o “acordo” que o PS, PSD e CDS assinaram de cruz com a troika provocará uma “recessão prolongada”, mas, ao mesmo tempo, diz que deverá “criar as bases para um crescimento económico sustentável no médio prazo”. Diz que a sua implementação “será acompanhada de uma contracção sem precedentes do rendimento disponível real das famílias e de novos aumentos da taxa de desemprego”, que “a exigência e o impacto económico e social do Programa no curto prazo são substanciais”, mas chama-lhe “equilibrado” e diz que mitiga o impacto “sobre os segmentos mais vulneráveis da população”.

O relatório anual hoje publicado pelo Banco de Portugal, que todos pagámos muito bem pago, é uma amálgama de contrários. Assim, é difícil errar. Talvez por esta razão nas notícias apareça como “Banco de Portugal elogia programa da troika”. Nada de pânicos, o chorrilho de contrários que leram acima era, afinal, uma sucessão de rasgados elogios. À inteligência de quem leia ou ouça.

Para que ninguém entre em stress, resumamos os elogios: vai ser uma calamidade bestial. Alegrem-se, por favor.

quinta-feira, maio 19, 2011

A SEMANA PASSADA FOI COM O BLOGGER, ESTA SEMANA É COM A CLIX

A clix está apostada em chatear-me!...
Desde há dois dias que me impede o acesso à net porque decidiu unilateralmente mudar a password de acesso do meu modem à linha telefónica que eu pago!Dá para perceber? Dá! Quando é para pagar a factura a dita cuja aparece cá em casa com 20 dias de antecedência, mas depois tomam estas leveidades e deixam-nos pendurados. Mais uns com o rei na barriga...mas não vai ser por muito tempo! Dei-lhes um ultimato de 24 horas para me esclarecerem o que aconteceu...coisa que não vai acontecer porque a clix não vai assumir nada...(isto é uma atitude habitual, não é?)Seja como for amanhã à noite - fim do prazo - dou-lhes um chuto no sítio onde as costas mudam de nome!...O meu mail de contacto que está lá em cima no menu já foi alterado...
A partir da meia noite de amanhã não quero ter mais nada a ver com a clix...errrggg!!!

O NEGRO E O VERMELHO

ANTOLOGIA PROUDHONIANA Parte III

IV

O MUTUALISMO

Apresentei a sociedade procurando, de fórmula em fórmula, de instituição em instituição, o equilibro que lhe falta. Uma vez alcançado a comunidade, a sociedade encontra-se no seu ponto de partida.
Logo que a evolução económica esteja concluída, o campo da investigação estará esgotado. Não tendo podido atingir-se o equilíbrio, só há esperança numa solução integral que, sintetizando as teorias, restitua ao trabalho a sua eficácia e a cada um dos seus órgãos a sua força. (Contr. Écon., cap. XIII.)

1. - A CONSTITUIÇÃO DUMA ECONOMIA SOCIAL

O problema do proletariado é: a constituição da ciência social. Só há já economistas de vistas curtas e socialistas fanáticos, para quem a ciência se resume, na integra, numa fórmula: «laissez faire, laissez passer»; ou então: «a cada um segundo as suas necessidades, na medida dos recursos sociais» - e gabam-se de possuir a ciência económica. (Contr. Econ., cap. XIV.)

A. A transformação da economia em economia social
Uma socio-economia.

Os economistas afirmam que a ciência social não é outra coisa senão a economia política... Trata-se pois, antes de tudo, de reconhecer o que pode ser uma ciência da sociedade.
A ciência social é o conhecimento racional e sistemático, não do que foi a sociedade, nem do que ela será, mas do que ela é, em toda a sua existência.
Seria possível... que a economia política, apesar das suas tendências individualistas e das suas afirmações exclusivas, fizesse parte integrante duma ciência social, em que os fenômenos, que ela descrevesse, fossem... os elementos dum todo orgânico e complexo...
Se então a economia social é ainda hoje, de preferência, uma aspiração para o futuro, em vez dum conhecimento da realidade, é preciso reconhecer também que os elementos deste estudo estão todos na economia política. (Contr. Écon., Cap. II.)
... A que se deve então todo este atraso da verdade social?
A causa, quanto a nós, está na separação... entre a filosofia e a economia política...
A filosofia... é a álgebra da sociedade; a economia é a realização desta álgebra.
O campo de observação da filosofia é o eu; o campo de observação da economia é a sociedade... isto é, ainda o eu... Qual é este eu individual e colectivo?... O eu manifestado através do trabalho. (Contr. Écon., cap. XIV.)

B. As três partes da socio-economia

É o trabalho, e só o trabalho, que produz todos os elementos da riqueza. A sociedade, ou o homem colectivo, produz uma infinidade de objectos, cujo usufruto constitui o seu bem-estar, a riqueza, objectivo da economia social. (Contr. Écon., cap. II.)
O trabalho é o facto gerador da economia política. Já, o definimos: acção inteligente do homem sobre a matéria, com um fim previsto de satisfação pessoal...
A economia política... é a ciência do trabalho...
Este estudo supõe o conhecimento prévio da, lei fundamental do trabalho... Divisão do trabalho e e força colectiva são dois aspectos correlativos dessa mesma lei. Ora, conforme o consideramos, sob o ponto de vista do produto ou do trabalhador, o princípio de Smith dá lugar a consequências especiais, das quais umas formam a ciência da produçao e da circulação das riquezas - primeira secção da economia política - e as outras constituem a ciência da organização, segunda secção da economia política.
O corolário desta dupla lei, ou, melhor dizendo, a síntese das duas primeiras partes da ciência, dá lugar a uma terceira e última secção, que tem por ob eetivo a distribuição das funções e a repartição dos salários, o que constitui o direito...
Tal resumo dar-nos-á as principais divisões desta ciência da Economia.
- O trabalho, tomado sob o ponto de vista objectivo, isto é, na sua realização e nos seus resultados, forma a primeira parte da economia política;...
- o trabalho, considerado subjectivamente, na sua divisão e sequências, forma a segunda parte da economia política; ela refere-se à organização;...
- finalmente, a terceira parte da economia política relaciona-se com a ciência do: direito; é como que a síntese das duas primeiras divisões, a diferenciação entre o justo e o injusto conforme os dados fornecidos pela teoria dos valores e da organização.
Talvez fosse mais de acordo com a ordem natural do desenvolvimento falar, em primeiro lugar, do trabalho considerado sob o ponto de vista do trabalhador, isto é, sob o ponto de vista subjectivo; depois analisá-lo quanto ao produto, que é o ponto de vista objectivo. Preferimos a ordem inversa, que parece ser aquela em que a ciência se constitui espontaneamente... De resto, quanto mais aprofundarmos a economia política, mais veremos que as suas grandes divisões formam três séries, intimamente ligadas umas às outras, contemporâneas nos factos e paralelas na teoria. (Cr. de l’O., cap. IV.)

a) Ciência da produção e contabilidade económica

O que é a economia política? É a ciência das contas da sociedade; a ciência das leis gerais da produção, da distribuição e do consumo da riqueza. É o conhecimento dos processos gerais, através dos quais a riqueza é criada, aumentada, trocada e consumida na sociedade. (Contr. Écon., cap. X.)
A solução do problema da miséria consiste... em elevar à sua mais elevada expressão a ciência do contabilista, em aumentar as escritas da sociedade, em estabelecer o activo e o passivo de cada instituição... é preciso ter a escrita em dia, isto é, determinar com exactidão os direitos e os deveres, de maneira a podermos, em cada momento, constatar a ordem e a desordem e apresentar o balanço... Assim como, numa empresa, relações novas dão lugar, em cada dia, a novas contas e modificações incessantemente a organização do trabalho, a distribuição dos operários e empregados, o emprego das máquinas, etc., também, na sociedade, novas inteligências, grandes descobertas modificam incessantemente a economia geral. (Conf. dun Révol., cap. XI.)
A economia política, cujo axioma fundamental é a contabilidade. (Carnets, 15 de Jan. de 1852.) ... A economia política... é a filosofia da contabilidade. (Carta a Bergmann, em 4 de Junho de 1847.)
Peço que se estabeleça uma contabilidade de França, a Contabilidade da França, eis toda a questão!...
A França é uma casa de negócios que não tem escrita. (Carnets, 29 de Nov. de 1847.)
O contabilista é, para dizer tudo, o verdadeiro economista, a quem uma súcia de falsos literatos roubou o nome, sem que ele de nada soubesse. (Contr. Écon., cap. X.)

l.º - Os quadros duma contabilidade económica

Falta-nos falar do formulário... que é, para a economia, o que o processo é para a Justiça: quero designar com isto a contabilidade. Além da oposição fundamental entre crédito e débito, compra e venda... a contabilidade, por partidas dobradas, revela-nos uma outra oposição, entre pessoas e coisas. O negociante, depois de ter aberto, para débito e crédito, uma conta a cada uma das pessoas com quem negoceia, abre uma para cada tipo de valor... que classifica em quatro ou cinco categorias... as quais vêem, para liquidação ou inventário, a converter-se numa conta única... exprimindo, para o negociante, o que o economista chama produto bruto e produto líquido... (Contr. Écon., cap. X.)
As questões de crédito público e de impostos são ainda questões de contabilidade comercial, aplicada ao Estado... (Idem.)
Nada é mais fácil do que regular estas contas, de fazer balanço a todos esses valores... desde que todas essas quantidades sejari fracções umas das outras: elas podem representar-se, liquidar-se e substituir-se reciprocamente; trata-se duma especulação da simples aritmética. Cap. des Clas. ouv. Pol., liv. II, cap. VIII.)

2.º - Contabilidade económica, com carácter de previsão e constituição do valor

Ainda agora citei Ricardo, como tendo dado, para um caso especial, uma regra positiva de comparação de valores; os economistas fazem ainda melhor: todos os anos recolhem quadros estatísticos das médias de todos os preços dos artigos... É verdade que esta média chega muito tarde; quem sabe, porém, se não se poderia descobri-la antecipadamente... Será um economista que ousará dizer não?
É de admitir que, num momento dado, a proporção dos valores que formam a riqueza dum país, possa ser, à custa dum inventário, determinada, pelo menos aproximadamente... Este método, aplicado à determinação dos valores, não é, afinal de contas, senão uma questão de contabilidade...
Para tanto um único trabalho deste gênero não bastaria; seriam precisos milhares e milhares de trabalhos semelhantes. (Contr. Écon,, cap. II.)

3.º - Quadros das trocas inter-industriais e variação dos coeficientes técnicos

Todas as indústrias se reúnem, através de relações mútuas, num feixe único.
Todas as produções servem, reciprocamente, de meio e de fim. (Qu’est-ce que la Prop.?, cap. III.)
Supondo... que... por uma feliz combinação de esforços, pela divisão do trabalho, pelo emprego de qualquer máquina, pela direcção mais competente da sua indústria, Prometeu (A Sociedade) encontra meios para produzir num dia o que produzia em dez: o que se seguirá? O produto mudará de lugar, no quadro dos elementos da riqueza; o seu valor relativo será diminuído. Mas este valor não será por isso menos determinado. (Contr. Écon., cap. II.)

4.º - Contabilidade económica

A Revolução, democratizando-nos, lançou-nos na via da democracia industrial... Uma... ideia resultou dai, a da determinação das tarefas e dos salários. Outrora, essa ideia teria sido um escândalo, hoje é de aproveitar...
Para avaliar equitativamente o trabalho diário dum trabalhador, é preciso saber de que se compõe, quais as quantidades que entram na formação dos preços, se não se encontram expressos nele... Não se trata aqui de redução, nem de elevação dos preços e dos salários, mas de uma perequação geral, primeira condição da riqueza. (Cap. Pol., liv. II, cap. VIII.)

5.º - Contabilidade económica e matemática

Aproxima-se o dia em que, estando todo o sucesso condicionado ao cálculo, a economia política professará este aforismo: cabe ao comprador designar a quantidade do produto. Cabe ao fabricante fixar o valor das coisas a partir da quantidade de trabalho.
Então só a dupla fórmula de Smith encontrará plena aplicação:

a) a divisão do trabalho está limitada pela extensão do mercado.

b) O consumo e a produção devem regular-se um pelo outro.
Notar-se-á, sem dúvida, como a ideia fundamental do trabalho nos conduz, através de equações sucessivas, à construção da ciência e lhe dá um carácter matemático. (Créat. de l’O., cap. IV, n.o 394-395.)

b) Ciência da organização e sociologia económica

O trabalho, considerado, subjectivamente, na sua divisão e na sua sequência, constitui a segunda parte da economia política: ela refere-se à organização... (Créat. de l’O., cap. IV.)
Aqui... os recursos comuns da economia política não bastam... já não se trata de cálculo, nem de contabilidade:... é preciso entrar na psicologia das sociedades... (Th. de l’Impôt, cap. II.)
Organizar o trabalho, é... construir a sequência social... Constituir a sociedade, é organizar o trabalho...
A economia política, neste caso a organização do trabalho e o governo das sociedades, constituem uma verdadeira ciência. (Créat. de l’O., cap. V.)

l.º - As leis do trabalho, leis da sociedade

Depois de ter declarado o trabalho pai e produtor de toda a riqueza, A. Smith observou que a eficiência do trabalho era dependente da aptidão, da inteligência e da destreza do trabalhador, quantidades que se convertiam num princípio único: a divisão...
Está aí todo o problema da transformação social...
Dividida... a produção realiza-se com o concurso de muitos. Depois dele, um outro economista... Martin Garnier formulou uma nova lei, que não era senão uma transformação da de Smith: é a lei da força colectiva...
A associação de vários homens multiplica os seus recursos... de uma maneira prodigiosa... A divisão do trabalho, a adição das forças... formam combinações em que cada um é um novo recurso...
Contudo, parece que Garnier não compreendeu a ligação última desta lei com a de Smith...; quanto às suas aplicações orgânicas e legislativas, ainda menos as vislumbrou...
Um relógio, executado... por cinquenta operários... é como se as diversas partes do relógio tivessem sido produzidas por um operário com cinquenta cabeças e cem braços.
Logo, divisão de trabalho e força colectiva ou de acção são duas forças correlativas de uma mesma lei...
Devido ao facto da divisão do trabalho se transformar em força colectiva, os trabalhadores estão em condições de associação natural e, respectivamente, solidários (Créat. de l’O., cap. IV.)

2.º - Integração do trabalhador societário e da Sociedade trabalhadora

Segundo a nova ciência, o homem, quer queira ou não, é parte integrante da sociedade, que existe, anteriormente a qualquer convenção, em nome da divisão do trabalho, e pela unidade da acção colectiva. (Créat. de l’O., n.º 572.)
O homem só é homem através da sociedade, a qual, por seu lado, só se mantém pelo equilíbrio das forças que a compõem. (Prem. Mémoire, cap. V.)
Parte integrante da existência colectiva... só por abstracção o homem pode ser considerado no estado de isolamento. (Justice, 1.º estudo). O indivíduo está imerso na sociedade (Idem.) Fora da sociedade, o homem é uma matéria explorável. (Prem. Mém., cap. V.)
O homem isolado só pode acudir a uma pequena parte das suas necessidades; toda a sua força está na sociedade e na combinação do esforço universal. (Prem. Mémoire, cap. IV.)
O trabalho é uno... todas as suas divisões e subdivisões, no fundo, não exprimem fracções verdadeiras, mas relações... Logo que o homem trabalhe, a sociedade está nele... Na sociedade trabalhadora, não há trabalhadores; há um único trabalhador, diversificado ao infinito. (Carnets, 11 de Março de 1846.)
Pascal, apreciando a filosofia da história, considerava a humanidade como um só indivíduo... a mesma condição aplica-se à economia política. A sociedade deve ser considerada como um gigante com mil braços, que exercem todas as profissões e produzem, simultaneamente, toda a riqueza. (Cap. Pol., liv. II, Cap. VIIII.)

3.º - O estudo da sociedade económica real

O campo de observação da ciência económica é a sociedade. (Contr. Econ., cap. XIV.)
Para o verdadeiro economista, a sociedade é um ser vivo, dotado duma inteligência e duma actividade própria, regido por leis próprias, que a observação permite descobrir, e cuja existência se manifesta, não sob uma forina flsica, mas pela combinação da íntima solidariedade de todos os seus membros. (Contr. Econ., cap. II.)
Não há a convicção bastante de que a economia política é a sociedade, de que os negócios do comércio, da indústria, da agricultura são a sociedade. (Carnets, 11 de Outubro de 1847.)
Creio que é possível provar a realidade positiva,... as leis do eu social ou grupo humanitário... Vejo a sociedade, o grupo humano, como um ser sui generis, constituído pela afinidade fluldica e pela solidariedade económica de todos os indivíduos, seja da nação, seja da localidade ou associação, seja da espécie inteira... Um ser que tem as suas próprias funções... as suas ideias que ele nos comunica... os seus juizos, que não se assemelham aos nossos, a sua vontade em oposição diametral aos nossos instintos. (Ph. do Progrés, 1.ª Carta.)
A sociedade produz as leis e os materiais da sua experiência (nota posta na margem de Misére De la philosophie, de Marx.)
Já sabemos que nada do que se passa na economia social tem exemplos na natureza; somos forçados, por factos sem analogia, a inventar incessantemente normas especiais... É um mundo... cujos princípios são superiores à geometria e à álgebra, cujas forças não dependem, nem da atracção, nem de nenhuma força física, mas que se serve da geometria e da álgebra como instrumentos subalternos... Este mundo envolve-nos, penetra-nos, agita-nos, sem que possamos vê-lo doutro modo que não seja através dos olhos do espírito e tocá-lo a não ser por sinais; este mundo estranho, é a sociedade, somos nós. (Contr. Écon., cap. XIV.)

4.º - Da «organografia social» à «constituição social»

O que é essa força, chamada trabalho? Qual é essa actividade colectiva?... Eis que uma ciência aparece... Uma ciência em que a humanidade tira tudo dela própria, uma ciência que, em lugar de consistir simplesmente... numa descrição racional da realidade, é a própria criação da realidade e da razão... Depois de ter produzido a razão e a experiência social, a humanidade procede à constituição duma ciência social... A ciência social é o acordo duma ciência social... A ciência social é o acordo entre a razao e a prática social. (Contr. Écon., cap. XIV.)
A sociedade é, ou oficial ou real. A sociedade oficial é este mundo, tal como nos aparece. A sociedade real é esta sociedade, que vive e se desenvolve segundo leis absolutas, imutáveis, que mantém, à custa da sua vida, esta crosta passageira e purulenta a que chamamos sociedade...
É o nosso espírito que só muda de ideias à medida que as leis sociais se lhe revelam. É o nosso espírito que depois de ter modificado os seus conceitos, modifica a sociedade oficial que é sua obra e que deve por fim identificar-se, fundir-se com a sociedade real, tornar-se adequada a ela. (Carnets, 6-7 de Nov. de 1847.)
O governo das sociedades não deve ser aprendido numa ideologia fútil, à maneira do Contrato Social... Já uma esquerda de tendência eminentemente sociais... procura, na análise dos factos económicas, surpreender os segredos da vida das sociedades. (Contr. Écon., Cap. II.)
Organizar o trabalho, é encontrar a sequência natural dos trabalhadores... Em todo o organismo, o elemento é o órgão; na sequência social, a unidade orgânica é o trabalhador; em linguagem mais abstracta, a função...
O trabalho, considerado na sua divisão, revelar-nos-á os caracteres essenciais do trabalhador, as condições que tornam a função útil e normal; e, com base nesta concepção fundamental, chegaremos, por uma espécie de integrarão... à organização das sociedades. (Créat. de l’O., n.º 413-415.)

c) Ciência da repartição e direito económico

Percorremos e desenhamos, a traços largos, o campo da economia política, na sua primeira e segunda divisão. Falta a terceira, a ciência do Direito, ou ciência da distribuição dos instrumentos de trabalho e de repartição dos produtos. É ai que se verá como, devido ao salário e às trocas, a produção está socializada.... a garantia mutual criada, a justiça assente numa base indestrutlvel. (Créat. de l’O., cap. IV, n.º 448.)
Cada força tem o seu direito em si própria. (La Guerre et la Paix, liv. II, cap. VII.)
A economia política comporta duas partes: a descrição das forças económicas, fora do direito, e a sua regularização pelo direito. (Th. De la Prop., cap. X.)
O direito social, ou dizendo melhor, o direito económico, não está definido. (Cap. Pol., conclusão.)
A economia política faz nascer um direito novo que urge reconhecer e constituir... é o Direito Económico. (La Guerre et la Paix, liv. V, cap. I.)
A justiça no que respeita à sua aplicação às coisas do trabalho, da indústria, e da troca... é... o Direito Económico. (Idem, liv. IV, cap. I.)
O que constitui o Direito Económico, de que falei muitas vezes nas minhas publicações anteriores em outros termos: a aplicação da justiça à economia política - é o regime da mutualidade. Fora das instituições mutualistas... os factos económicas não são senão uma confusão de manifestações contraditórias, produto do acaso, da fraude, da tirania e do roubo. (Cap. Pol., 2.ª parte, cap. XIV.)
O principio da mutualidade, uma vez entrado na legislação e nos hábitos, e criando o Direito Económico, renova de alto a baixo o direito civil, o direito comercial e administrativo, o direito público e o direito das pessoas. Ou melhor: salientando está categoria suprema e fundamental do direito, o Direito Económico, o princípio da mutualidade conduz à unidade da ciência jurídica.
O direito antigo tinha como carácter geral ser negativo... o direito novo é... essencialmente positivo. Este carácter positivo do novo direito - as novas obrigações que dele resultam, a liberdade e a riqueza, que são o fruto dele - desenvolvemo-lo suficientemente nas questões relativas à segurança, à oferta e à procura, à fixação dos preços e dos valores, à boa fé comercial, ao crédito, aos transportes e... numa palavra, ao que chamámos instituições o funções económicas. (Cap. Polit., liv. II, cap. XV.)

l.º - Seu carácter: a objectividade

... A escola antiga, que não reconhece princípios anteriores e superiores às convenções e aos contratos... negando a objectividade do direito, é, isso mesmo, incapaz de compreender o movimento actual. (Mélange III; La Voix du peule, 14 de Abril de 1850.)
Segundo a nova ciência, o homem, quer queira quer não, é parte integrante da sociedade que, anteriormente a toda a convenção, existe pelo simples facto da divisão do trabalho e da unidade da acção colectiva...
As leis referentes à produção, à repartição, à administração... resultam objectivamente das ligações que cria esse facto duplo e são independentes da vontade e do conhecimento do homem. (Cr. de l’O., n.º 572.)
Uma lei não se inventa, descobre-se. As indicações do código são letra morta, onde estiverem em oposição com os factos e as leis. (Man. d'un Spéc., 2ª parte, 2.ª secção.)
As leis da economia social são independentes da vontade do homem, do legislador. O nosso privilégio é reconhecê-las, a nossa dignidade é obedecer-lhes. (Idée Gén. de lá Rév., 6.º estudo.)
Quando dois ou vários homens formam entre eles, através dum contrato bilateral, uma sociedade de trabalho ou de seguros, reconhecem que os seus interesses anteriormente isolados... são ligados, solidariamente, pela sua natureza íntima e pela mutualidade das suas ligações; eles não se obrigam, na realidade, em virtude da sua vontade privada; eles juram submeter-se a uma lei social anteriormente existente e até ali desconhecida. (2.e Mémoire.)

2.º - A sua origem: as relações socio-económicas

Para mim, a sociedade é um ser real... Tem pois as suas leis próprias, leis e afinidades que a observação nos revela. Dai, quanto a mim, todo um mundo de ligações que, em conjunto, forma o que eu chamo... direito económico. (Pornocratie, cap. V.)
A jurisprudência é a arte de encontrar a equação das antinomias sociais. (Carta a Beslay, 27 de Out. de 1856.)
A ordem processa-se na humanidade pelo conhecimento que o ser colectivo adquire dessas leis. (Créat. de l’O., n.º 548.)
O Legislador é o Ser colectivo, o trabalhador indiferenciado que estuda as suas próprias leis, promulgando-as e controlando-as depois, A lei é a expressão... das relações que nascem, entre os homens, do trabalho e da troca. A sociedade... é o organismo fundado sobre o conhecimento ponderado dessas leis. (Créat. de l’O., n.º 573.)
Devemos... modificar... o nosso sistema legislativo... formulando a jurisprudência a partir das relações que o comércio e a indústria geram, à medida que os acontecimentos se vão efectivando. (Cr. de l’O., n.º 547.); nunca conheceremos o fim do direito, porque nunca cessaremos de criar entre nós novas relações. (Justice, Philos. Popul.)

3.º - A sua expressão: contratos colectivos

A justiça comutativa, o regime dos contratos - noutros termos, o regime económico e industrial - substituindo o velho sistema de iustica distributiva, o regime das leis... o futuro da humanidade está nesta substituição. (Idée Gén. de la Rév., 4.º estudo.)
- Não será a mutualidade... de que tentámos traçar as linhas gerais, o contrato social?
Que é a mutualidade? Uma fórmula... em virtude da qual os membros da sociedade... associação ou indivíduos... industriais, agricultores... se comprometem e se garantem reciprocamente serviço por serviço, crédito por crédito, valor por valor, informação por informação... propriedade por propriedade. Eis através de que fórmula radical a democracia... entende fundar o direito económico. (Cap. Pol., liv. II, cap. XIV.)
O Código Napoleão é tão incapaz de servir a nova sociedade como a república platónica: mais Alguns anos e, com o elemento económico a substituir por toda a parte o direito absoluto da propriedade pelo direito relativo e móvel da mutualidade, será preciso reconstruir de alto a baixo este palácio de cartão. (Révol. Sociale, cap. VIII.)
A sua consequência necessária será a transformação do direito absoluto, sob o qual vivemos, em direito profissional. (Deux. Mémoire.)
Seja através duma batalha ou duma constituição consentido, é preciso que o regime do trabalho, do crédito e do comércio mude... A democracia industrial quebrará... a soberania do dinheiro... mudará a relação entre o trabalho e o capital e estabelecerá o direito económico. (La Guerre et la Paix, liv. II, cap. VIII.)

2. - A ESTRUTURAÇÃO MUTUALISTA

A. Princípio e meio: equilíbrio e mutualidade

a) O princípio: o equilíbrio da propriedade

Em 1840, há mais de vinte e dois anos, fiz a minha estreia na ciência económica com a publicação dum livro de 250 páginas, que tinha por título: O que é a propriedade? Não é necessário lembrar que escândalo causou a sua resposta...
Qual era então o meu pensamento?...
A propriedade, criada pela revolução, já não se pode compreender como instituição política, causadora de equilíbrio para o Estado, garantia de liberdade, de boa administração; ela considera-se, por força do hábito, como privilégio, prazer, aristocracia,... exploração das massas... Ela institui a corrupção como, sistema,... ela é escrava das grandes companhias.
Cabe agora às classes operárias compreender o seu destino e determinar, consequentemente, a sua acção. (Th. de la Prop., cap. VIII.)
Propriedade-Estado, tais são os dois polos da sociedade... (Th. de la Prop., concl.) A verdade, quanto a mim, é que, se a propriedade é um absoluto,
Estado é também um absoluto... que estes dois absolutos são chamados a viver um em face do foutro... É da oposição destes absolutos que brota o movimento político, a vida social...
O abuso da propriedade neutraliza-se através das garantias de que o Estado tem o cuidado de a rodear, do mesmo modo que o absolutismo de Estado se regulariza... pela reacçao proprietária. (Th. de la Prop., cap. VIII.)
A propriedade deve ser transformada... pela revolução económica; não no que ela tem de livre: pelo contrário, ela deve, sem cessar, ganhar em liberdade e em garantia. (Révol. Soc., cap. X.)
A revolução será... a reintegração do povo na propriedade das suas forças colectivas. (Justice, l’Etat.)
Uma vez reconhecido o destino político e social da propriedade..., para mudar os efeitos duma instituição que, nos seus primórdios, foi o cúmulo da iniquidade, só temos necessidade de a opor a ela própria, ao mesmo tempo que ao poder...
Em primeiro lugar, a propriedade... deve opor-se a si mesma, tender a limitar-se... a equilibrar-se. A acção da propriedade sobre si própria... será então este o nosso primeiro meio. (Th. De la Prop., cap. VII.)
Esgotar as consequêneias do regime proprietário desenvolvendo os direitos de todos é, na minha opinião, o único modo racional de nos educarmos sem recurso a uma forma social sintética. (Avertis. aux Prop.)
Observemos em seguida que a propriedade, qualquer que seja a sua importância na sociedade, não existe unicamente como função política, instituição económica e social;... Ela vive num meio organizado, rodeada de um certo número de funções análogas e de instituições especiais, sem as quais não poderia subsistir; consequentemente, com as quais é preciso que ela conte...
A influência das instituições, tal será, se me atrevo a dizer assim, frente a frente com a propriedade, o nosso segundo meio de governo... (Th. de la Prop., cap. VII.)
A propriedade... interessa a todos... A propriedade revela-se como uma função à qual todo o cidadão é chamado, assim como é chamado... a produzir...
Para operar esta generalização, para assegurar... o nivelamento, basta organizar um certo número de instituições e de serviços... abandonados ao monopólio e à anarquia. (Th. de la Prop., concl.)
b) O meio: a mutualidade, contrato social

Para chegar à organização... é preciso ainda fazer a equação geral de todas as nossas contradições.
Mas qual será a fórmula desta equação?
Já nos é possível antevê-la: deve ser uma lei de troca, uma teoria de mutualidade - um sistema de garantias, que transformem as formas antigas das nossas sociedades civis e comerciais e satisfaça todas as condições de eficiência, de progresso, e de justiça que a critica assinalou; - uma sociedade jamais unicamente convencional, mas real... que, pela força do seu principio, em lugar de pedir crédito ao capital e protecção ao Estado, submeta o capital e o Estado ao trabalho...
A teoria da mutualidade é, sob o ponto de vista do ser colectivo, a síntese das duas ideias de propriedade e de comunidade. (Contr. Écon., cap. XIV.)
Com efeito, há mutualidade quando,, numa indústria, todos os trabalhadores, em vez de trabalharem para um empresário, que lhes paga e guarda o seu produto, se resolvem a trabalhar uns para os outros, e concorrem assim para um produto comum, de que repartem o lucro.
Ora, estendam às associações de trabalho, consideradas como unitárias, o principio da mutualidade que une os operários de cada grupo, e tereis criado uma forma de civilização, que, sob todos os pontos de vista, político, económico, estético, diferirá totalmente das anteriores civilizações, jamais voltará a ser nem feudal nem imperial... (Man. du Spécul., concl. finais.)

l.º - A mutualidade, relação de reciprocidade

A palavra francesa mutual, mutualidade, mutaque tem por sinónima recíproco, reciprocidade, do latim mutuum, que significa empréstimo... e, sentido mais lato, troca...
Daí todas as instituições do mutualismo: seguros mútuos, crédito mútuo, socorros mútuos, ensino mútuo, garantias reciprocas de mercado, de troca, de trabalho, de boa qualidade, e de justo preço das mercadorias, etc. Eis o que o mutualismo pretende fazer com a ajuda de certas instituições, um princípio do Estado, uma lei do Estado. (Cap. Pol., liv. II, cap. IV.)

2.º - A mutualidade, relação de solidariedade

O principio da mutualidade, no que respeita à associação, é só associar os homens enquanto às exigências da produção, o preço barato dos produtos, as necessidades do consumo, a própria segurança dos produtores, o requerem. (Capacité pol. des Classes ouv.)
Os caminhos de ferro, as minas, as fábricas estão neste caso.
Portanto, de duas coisas uma: ou o trabalhador, necessariamente parcelar, será simplesmente o assalariado do proprietário-capitalista-empresário; ou então participará nas probabilidades de perda e de lucro do estabelecimento, terá voz deliberativa no conselho; numa palavra: tornar-se-á associado.
Deste modo, não temos que hesitar, pois não temos escolha possível. Onde a produção necessitar de uma grande divisão de trabalho, de uma considerável força colectiva, há necessidade de formar, entre os agentes dessa indústria, uma Associação.
Tal é, pois, a regra que devemos pôr a nós próprios, se queremos conduzir, com alguma inteligência, a Revolução.
Toda a indústria, exploração ou empresa, que, devido à sua natureza, exija o emprego combinado dum grande número de operários de especialidades diferentes, está destinada a tornar-se o lar duma sociedade ou companhia de trabalhadores... Logo que a empresa requeira a intervenção de várias indústrias, profissões, especialidades diferentes, logo que desta combinação resulta uma obra nova, impraticável a qualquer individualidade, em que um homem se engrena a outro homem, como uma roda, a outra roda, a indústria a exercer, a obra a levar a cabo, são propriedade comum e indivisa de todos os que nela participam... (La Rév. au XIXe siècle, 6.º estudo.)

B. Formação: a teoria mutualista e federativa da propriedade

Reeonstituir a propriedade segundo os princípios da mutualidade e do direito federativo... Oferecer a teoria mutualista e federativa da propriedade, de que publiquei a crítica há vinte e cinco anos. (Capac. Polit., liv. I, cap. II e liv. II, cap. XIII.)
É na energia combinada destes dois princípios, a associação e a mutualidade, que se encontra o sistema... pelo qual a civilização aspira. (Capac. lit., liv. II, cap. XII:I.)

a) Propriedade-função, direito relativo a todo o trabalhador: propriedades mutualizadas

Com o elemento económico a substituir, por toda a parte, o direito absoluto da propriedade pelo direito relativo e móvel da mutualidade, será preciso reconstruir, de alto a baixo, esse palácio de cartão. (Rév. Soc., cap. VIII.)
Conceder ao povo os direitos políticos... teria sido preciso somente começar por lhe dar a propriedade. (Th. prop., cap. VI.)
O Estado, mesmo que constituído da maneira mais racional, mais liberal, animado das mais justas intenções, nem por isso deixa de ser uma potência enorme, capaz de tudo esmagar ao seu redor, se não se lhe der um contrapeso.
Com o sistema feudal ou com o antigo domínio germânico ou eslavo, ainda em vigor na Rússia, a sociedade caminha como um exército em batalha... (Idem.)

l.º - Uma função política

Onde encontrar uma força capaz de contrabalançar essa força formidável que é o Estado? Para tanto, não há outra, a não ser a propriedade ...
Para que uma força possa manter em respeito uma outra força, é preciso que elas sejam independentes uma da outra.
Servir de contrapeso à força pública, equilibrar o Estado, por este meio assegurar a liberdade individual: tal será pois, no sistema político, a função principal da propriedade...
A propriedade é o contrapeso natural, necessário, da força pública. A força do Estado é uma força de concentração; dêem-lhe livre curso, e toda a individualidade em breve desaparecerá, absorvida na colectividade.
Onde faltar a propriedade, onde ela for substitulda pelo domínio eslavo ou pelo feudo, há despotismo no governo.
Uma república que deixe cair a terra em feudo, que leve a propriedade ao comunismo eslavo... converter-se-á em autocracia...

2.º - Uma função pessoal

A propriedade não se põe pois a priori, como direito do homem e do cidadão, assim como se supôs até agora, e como parecem dizer as declarações de 89, 93 e 95: todos os raciocínios que se fizessem para estabelecer a priori o direito de propriedade seriam petições de principio, e implicariam contradição. A propriedade revela-se... como uma função; e é por ela ser uma função, à qual todo o cidadão é chamado, tal como é chamado a possuir e a produzir, que ela se torna um direito: direito, neste caso, resultante do destino; não o destino do direito... Ela é concedida ao homem com o fim de o proteger contra os ataques do poder e as incursões dos seus semelhantes...
Isto equivale a dizer que os cidadãos estão todos, com igual direito e igual dignidade, no Estado... dando-se a todos as mesmas garantias... (Th. de la Prop., cap. VI.)
Tornar o operário coproprietário do engenho industrial e participante nos lucros, em lugar de acorrentá-lo como a um escravo: quem ousaria dizer que não é esta a tendência do século? (Man. du Spéc., concl.)

3.º - Uma função económica

Se o leitor compreendeu o que acaba de ser dito, sob o ponto de vista político, acerca da propriedade - isto é: que ela só pode ser um direito se for uma função - ... não terá dificuldade em perceber o que me falta dizer sobre os fins da propriedade, sob o ponto de vista da economia política e da moral. É preciso que se compreenda bem: a própria humanidade não é proprietária da terra... Devemos cultivá-la, possui-la, usufrui-la, não arbitrariamente, mas segundo as regras que a consciência e a razão descobrem, e com um fim: regras e fim que excluem qualquer absolutismo da nossa parte. O homem é o contramestre do globo... A propriedade é uma função; os compromissos que tem o cidadão, com respeito a ela, são da mesma natureza e devem ter o mesmo efeito que os que ele toma relativamente ao seu trabalho... (Th. de la Prop., concl.)

4.º - Uma função social

O principio de propriedade... é... um produto do ser colectivo e da sociedade.
Um ponto capital, que é preciso não esquecer, é que o cidadão, pelo pacto federativo que lhe confere a propriedade, reúne duas atribuições contraditórias: por um lado, deve seguir a lei do seu interesse e, por outro, como membro do corpo social, deve velar para que a sua propriedade não prejudique o objecto público...
Esta dupla qualidade é essencial à constituição da liberdade: sem ela, todo o edifício desaba; é preciso voltar ao princípio policial e autoritário...
Responsável... pelos seus actos quando prejudicam terceiros, sendo a sociedade ou o Estado terceiro... o cidadão, na qualidade de quem trabalha, produz, possui - função da sociedade - não é de modo nenhum um funcionário do Estado. (Th. de la Prop., cap. VI.)

b) Federação das propriedades - funções, direito absoluto da sociedade económica; a propriedade federalista

A propriedade existe... mas... não a conhecemos. Ela ainda só é para nós, como a Federação à qual se liga, um facto empírico. (Majorats littéraires, 1.ª parte, cap. VII.)
A federação pode, só por ela, dar satisfação às necessidades da classe trabalhadora... substituir o princípio do monopólio pelo da mutualidade... resolver o problema do acordo entre o capital e o trabalho, e... da propriedade. (Princ. Fédér. concl.)
Só há um ponto de vista sob o qual se pode admitir a propriedade; é não conhecer ordem... possível que não seja a federação... Se a propriedade é uma verdade, só o pode ser sob uma condição: é que sejam admitidos os princípios de federação. (Th. de la Prop., cap. I.)
A propriedade, compreendida na sua origem, é um princípio vicioso em si e anti-social, mas destinada a tornar-se, pela sua própria generalização e através do concurso doutras instituições, a base e a mola de todo o sistema social...
Compreendo que a propriedade, que foi tema de criticas a mim dirigidas, com a sua natureza absolutista... devia ser transportada ao sistema social... propriedade é o contrapeso natural e necessário força política... (Th. Prop., cap. VIII.)
A força do Estado é uma força de concentração. A propriedade, pelo contrário, é uma força de descentralização... (Th. Prop., cap. VI.)
Pela função essencialmente política que lhe é atribuída, a propriedade, precisamente porque o seu absolutismo deve opor-se ao Estado, apresenta-se, no sistema social, como liberal, federativa. (Th. Prop., cap. VIII.)
A propriedade é federalista por natureza. (Th. Prop., cap. VII.)
Constituindo a propriedade de raiz, o legislador quis uma coisa: que a terra não fosse para as mãos do Estado - comunismo e governamentalismo perigoso - mas para a mão de todos...
É assim que, pelas regras da associação industrial, que, mais tarde ou mais cedo, incluirá vastos conjuntos de indústrias, cada trabalhador será dono duma porção do capital.
... Será assim ainda que, pela organização d crédito, todo o cidadão é dono da circulação e s tornará, ao mesmo tempo, comanditário e comanditado...
A terra... foi-nos dada para ser explorada por todos, solidariamente e individualmente, sob a nossa responsabilidade colectiva e pessoal. (Th. de la Prop. conclusão.)
A ideia duma federação... é a aplicação, à mais alta escala, dos princípios de mutualidade... e de solidariedade económica... (Princ. Fédér., cap. XI.)
O princípio federativo é sinónimo de mutualidade. (Capac. Pol., liv. II, cap. XIII.)
O princípio federativo tem como corolário a federação agrícolo-industrial... A federação agrícolo-industrial tende para a igualdade pela organizaçao, em outras mãos que não nas do Estado, de todos os serviços.
Todas as minhas ideias económicas, elaboradas desde há vinte e cinco anos a esta parte, podem resumir-se nesta três palavras: Federação Agrícolo-Industrial. (Pr. Fédér., cap. XI.) Para uma sociedade, só há uma maneira de pôr fim à especulação... é... substituir a comandita capitalista pela mutualidade dos serviços e pela associação dos trabalhadores. (Manuel dun Spéc., introdução.) Quem ousaria dizer que a equilibrarão da propriedade como eu a entendo, é a sua própria destruição, porque... entre detentores legítimos, haverá igualdade, não hierarquia... porque nós ampliámos a sua esfera de acção e generalizámos o seu desenvolvimento...
Para regressar ao pensamento fundamental deste livro... a propredade, rodeando-se das garantias que a tornem, ao mesmo tempo igual e mais inabalável, serve ela própria de garantia de liberdade e de fundamento para o Estado. Com a propriedade consolidada, moralizada, rodeada por instituições protectoras - ou, melhor dizendo, libertadores - o Estado eleva-se ao mais alto grau de força, ao mesmo tempo que o governo fica nas mãos dos cidadãos. (Th. de la Prop., cap. VII.)

C. Características: uma socialização liberal anti-estadual

a) O caso: a necessidade da produção colectiva

O que se passa debaixo dos nossos olhos, nos caminhos de ferro, na navegação, nas instituições de crédito, etc., prova que o futuro, isto é, a força, a liberdade, a segurança, a riqueza, pertencem aos grandes capitais. Como grandes capitais, não referimos precisamente as grandes riquezas, o que não mudaria em nada o regime da sociedade antiga e só indicaria uma retrogradação social. Referimo-nos às grandes empresas, às coisas feitas em grande escala, por massas, e que requerem a comandita, a associação.
Certamente que a iniciativa individual não deve, nem pode, ser eliminada... Mas chegamos a uma época em que a própria acção individual, para se desenvolver, tem necessidade de se apoiar no grupo, na solidariedade dos interesses; e, até certo ponto, na sua centralização: servimo-nos destas palavras, à falta de outras, para designar uma situação até aqui sem exemplo.
Deste modo, em consideração às necessidades que o prazer do bem-estar criou e que desenvolveu a cada dia, dizemos que a produção individualista é fraca, pouco frutificante; nao aumenta de volume; não pode criar a abundância, o preço baixo, a vida cómoda.
É pois preciso que pelo menos uma parte das forças individuais seja agrupada, que estas formem, pela sua união, organismos poderosos, ligados entre si. Está aqui um princípio, doravante compreendido por toda a gente, tanto pelo povo como pela burguesia, pelo camponês e operário como pelo capitalista.
... A agitação socialista, presentemente reprimida, não revela, no fundo, outra coisa. Dela resulta, necessariamente, uma reorganização da indústria, do comércio e da agricultura. (Réfor. à opérer, cap. V.)

b) A consequência: um colectivismo liberal

Uma mudança de regime é necessária.
O que constitui a base de toda a empresa industrial, de toda a especulação mercantil ou financeira, é a divisão do trabalho, o grupo operário, a solidariedade entre a produção e o consumo, tudo coisas que indicam uma acção ou função colectiva. Que a colectividade adquira, pois, a sua própria consciência, e em vez de servir a exploração individual, não mais queira produzir a não ser para si; então, as instituições de crédito, os serviços públicos, as associações operárias, em lugar de agirem em proveito de alguns, trabalharão para todos; e a propriedade, tal como o Estado, será revolucionada... O que é, por exemplo, um caminho de ferro? Uma indústria, servida por um grupo de trabalhadores de diversos graus e espécies...
O que são uma mina, uma fundição, uma vidraria, uma fábrica de gás ou de produtos químicos, um serviço de autocarros, unia empresa de navegações? Outras tantas indústrias diferentes, servidas por grupos distintos de operários e empregados.
O mesmo quanto ao Banco de França e outras instituições de crédito, estaleiros, portos e todos os estabelecimentos que servem para recepção, depósito, carga e descarga de mercadorias: sempre serviços prestados por grupos de homens...
Sem esgotar a lista dos factos recentes, e para só falar do que há de mais antigo à face da terra, no fundo, o que é a comuna rural? Um grupo de traba lhadores...
É possível admitir que este movimento societário, resultante, não de teorias utopistas, mas das necessidades económicas, e que invade todos os canos da produção, permaneça eternamente fechado ao operário?... Será pois que o assalariado, o antigo escravo, excluído, desde a origem do mundo, da Propriedade, deverá sê-lo agora, até à consumação dos séculos, da Sociedade?...
A economia, que tem a pretensão de ser uma ciência positiva, não pode recusar-se a admitir a generalização segundo a qual o trabalho deve amortizar todos os capitais... Assim, a criação dessas inumeráveis companhias que tentam subjugar para todo o sempre a humanidade trabalhadora - e que tantas pessoas são tentadas a considerar como um movimento atrasado - é, em última análise, uma transição regeneradora. É através dela que toda a subalternização do homem ao homem deve desaparecer e que as classes que apelidamos de superiora e inferiora, nascidas da anarquia económica e do individualismo especulativo, devem voltar à homogeneidade e converterem-se numa única e mesma associação de produtores ... (Man. dun Spéc., conclusão.)
Se pussuis a ciência social, sabeis que o problema da organização consiste... em organizar os produtores e, por esta organização, submeter o capital e subalternizar o poder. Tal é a guerra que tendes de sustentar: guerra do trabalho contra o capital; guerra da liberdade contra a autoridade... Não serve para nada mudar os detentores do poder... é preciso encontrar uma combinação agrícola e industrial por meio da qual o poder, hoje dominador da sociedade, se torne escravo desta...
Para as classes trabalhadoras, o problema consiste pois, não em conquistar, mas em vencer, ao mesmo tempo, o poder e o monopólio. (Contr. Écon., cap. VII.)

D. Organização: um mutualismo federativo

Nós, produtores associados, não temos necessidade do Estado... A exploração pelo Estado é sempre a monarquia, sempre o salariato... Não queremos mais um governo do homem pelo homem do que a exploração do homem pelo homem... O socialismo é o contrário do governamentalismo... Queremos que as minas, os canais, os caminhos de ferro, sejam entregues a associações operárias, trabalhando... sob a sua própria responsabilidade. Queremos que esta associações sejam... essa vasta federação de companhias reunidas no nó comum da república democrática e social. (Mélanges I, Manifesto eleit. do povo.)

a) A mutualização federativa da agricultura

l.º - A mutuazização: as propriedades individuais de exploração

Todos os socialistas, Saint-Simon, Fourier, Owen, Cabet, Louis Blanc, os Cartistas, conceberam a organização agrícola de duas maneiras:
Ou o lavrador é simplesmente operário associado de uma grande oficina de cultura que é a comuna, o Falanstério;
Ou então, estando a propriedade territorial nas mãos do Estado, cada cultivador passa a ser, ele próprio, caseiro do Estado, que é proprietário único, rendeiro único.
... Se a ideia de associação agrícola ou de cultura, pelo Governo, alguma vez surgisse, de maneira séria, na Revolução... o problema da insurreição pôr-se-ia, ao camponês. Haveria para este, mesmo da parte dos que se diziam socialistas, uma ameaça de tirania. - O segundo sistema parece mais liberal: deixa o cultivador à vontade na sua exploração, nao o submete a nenhum conselho, não lhe impõe nenhum regulamento. Encontro sempre nele, porém, um carácter de autocracia governamental, que me desagrada...
Este domínio evidente, como dizem os legistas, do homem sobre a terra, está proibido ao cidadão e inteiramente reservado a esse ser fictício, sem paixão, sem moralidade, que se chama o Estado. Nestas condições, o novo explorador é-o menos, relativamente ao solo, que o antigo; perdeu mais do que deixou de ganhar; parece que o torrão de terra se insurge contra ele e lhe diz: tu não és senão um escravo do fisco, não te conheço!...
Essa renda universal, absoluta, irrevogável, contrária às mais precisas aspirações da época, parece-me, no estado actual das coisas, soberanamente impolítica...
Fui levado a concluir que a hipótese duma renda geral não continha a solução que eu procurava, e que, depois de liquidada a terra, era preciso pensar seriamente em devolvê-la, com toda a soberania, ao lavrador; sem o que, nem o seu orgulho de cidadão, nem os seus direitos de produtor podiam ser satisfeitos...
O trabalho agrícola é aquele que menos exige, melhor dizendo, que repele com maior energia a forma societária... Isso repugna à alma do camponês...
O direito do cultivador à mais-valia da propriedade que cultiva... é um dos primeiros que o legislador deverá reconhecer, pelo menos em princípio, sob pena de revolta, e talvez duma insurreição...
Sou o primeiro a reconhecer a legitimidade do direito à mais-valia. Mas este direito tem um defeito, que é de lhe faltar lógica, audácia. Do mesmo modo que a propriedade não aumenta de valor a não ser pelo trabalho do caseiro, também ela só conserva o valor adquirido através desse mesmo trabalho..Conservar uma propriedade, é refazê-la todos os dias... Se é, pois, justo reconhecer ao caseiro uma parte na mais-valia que, pelo seu trabalho, ele acrescenta à propriedade, é igualmente justo reconhecer-lhe uma outra parte pela sua manutenção. Depois de ter reconhecido ao caseiro um direito à mais-valia, será preciso reconhecer o direito de conservação...
Mas... apesar de toda a boa vontade que os representantes do povo dedicam a isso, duvido que eles consigam fazer uma lei que satisfaça os seus constituintes e o seu amor próprio...
Proponho que se decrete:
Todo o pagamento de renda pela exploração de um imóvel, reverterá a favor do rendeiro como Parte na propriedade do imóvel, em regime de hipoteca... Logo que a propriedade de raiz tiver sido, deste modo, integralmente reembolsada, todas as comunas da república deverão entender-se para acertar, entre elas as diferenças de qualidade das terras e as características de cultura. A parte das rendas à qual elas têm direito, em função das fracções do seu respectivo território, servirá para estabelecer as necessárias compensações e a segurança geral.
A renda não será então perpétua; ela será atribuída anualmente sobre o preço da coisa, valendo como título de propriedade...
Providenciar-se-á, por diligência das comunas, à instalação dos cultivadores e à delimitação dos domínios, tendo o cuidado de compensar, tanto quanto possível, as diferenças de extensão superficial, em conformidade com a qualidade da terra...
É por isso que, no nosso projecto de liquidação, estipulámos, para todas as espécies de culturas, uma renda proporcional, destinada a estabelecer, para com os lavradores, a compensação dos lucros e a garantia dos produtos. (Idée Gén. De la Rév., 3.º, 5.º e 6.º estudos.)
Logo que, por acumulação das anuidades, o proprietário for reembolsado pelo valor do seu imóvel, a propriedade regresse à sociedade central de agricultura, encarregada de acautelar, pela criação de companhias locais, a organização agrícola...
O que é este resgate do solo? O único fim é centralizar a exploração agrícola e tornar mais soli;dárias as diversas partes do território, sem nada tirar à liberdade, e à responsabilidade do colono. (Prog. Rév.)

2.º - A federação agrícola: a agricultura de grupo

O país não deveria permitir que a agricultura fosse abandonada... à sorte da pequena cultura, ao bel-prazer da rotina. (Prog. Rév.)
Uma das causas da inferioridade da agricultura, em França, é esse excessivo desmembramento... Um outro erro, não menos prejudicial que o precedente, é o de uma exploração anárquica, sem acordo entre os exploradores, sem capitais suficientes, entregue à ignorância e ao acaso...
Seria preciso que o pequeno propietário pudesse tirar proveito das descobertas da ciência... mas o caso é que isto só pode acontecer associando as pequenas propriedades. (Th. de la Prop., cap. VI.)
A posse individual não é um obstáculo à grande cultura e à unidade de exploração. (Premier Mém., cap. V.)
O decréscimo das despesas gerais deve-se ao mesmo tempo à grandeza da empresa e à sua especialidade... Combinando esta lei com a propriedade e a liberdade individual, chega-se a este aforismo:
- divisão do trabalho, grande exploração;
- pequena propriedade, grande cultura. (Créat. de l’O., cap. IV.)
Suponhamos que o industriais (tomo esta palavra na sua mais honrosa acepção), voltando ao seu ponto de partida e envolvendo, nas suas especulações, a própria terra, fazia da exploração do solo uma indústria, - e afirmo, ainda, que tal é a tendência da nossa agricultura - é claro que a renda devia desaparecer e a terra ficar nas mãos dos que a cultivam. (Droit au Tr. et à la Prop.)
Ciência ainda mal definida, mal determinada, mal distribuída... tudo está preparado para tratar a agricultura analogamente ao comércio e à indústria, isto é, para lhe impor as mesmas regras de produção, circulação e consumo. Decomposição das despesas, constituição do preço de revenda, concorrência, etc.. Tudo isto torna-se hoje indispensável. A agricultura, durante muito tempo subtraída à lei do número e da medida, submete-se hoje a ela. (Carnets, 11 de Out. de 1847.)
A agricultura indústria individualista por excelência, não escapará ao movimento. Seja qual for a maneira segundo a qual o solo se distribua, em pequenos lotes ou em vastos domínios, qualquer que seja a extensão das explorações e a independência das propriedades, não nos parece que o trabalho agrícola, chamado a valer à alimentação das massas industriais, sempre crescentes, possa subtrair-se às únicas condições económicas que lhe permitem aumentar os seus produtos, e em que mais decisiva, nessas circunstâncias, é a divisão do trabalho. Ora, a divisão do trabalho é o primeiro passo para a aglomeração agrícola: é ela que, tornando-a primeiro possível, a tornará dentro em breve necessária. (Des Réf. à opérer, cap. V.)
b) A socialização federativa da indústria
l.º - A socialização: propriedades colectivas de empresa

Se não há nenhum perigo para a liberdade do trabalho, do crédito e da troca no facto de cada família rural possuir tanta terra quanta possa cultivar, não se passa o mesmo quando se faz questão de aglomerar num pequeno número de mãos um vasto território... de entregar a 5 ou 6 companhias toda a circulação financeira e mercantil dum império. Criando tais privilégios, sob o pretexto de que as funções de ordem económica não são da sua competência, o governo não faz outra coisa senão preparar a escravidão do país e a sua própria escravidão. Ele aliena assim a sua iniciativa, demite-se da sua legítima influência. Faz-se servo das suas próprias criaturas. (Th. de la Prop., apêndice.)
O princípio que prevaleceu no lugar do salariado e do mestrado... foi a participação, isto é, a mutualização dos serviços, que veio completar a força da divisão e a força da colectividade.
Há, de facto, mutualidade quando, numa indústria, todos os trabalhadores, em vez de trabalharem para um empresário, que lhes paga e arrecada os produtos desse trabalho, trabalham uns para os outros e contribuem para um produto comum, de que dividem o lucro. (Man. dun Spéc., consid. fin.)
Tornar o operário co-proprietário do engenho industrial e participante nos seus lucros, em vez de o acorrentar a ele como escravo: quem ousaria negar que não seja esta a tendência do século?...
Para operar esta transformação definitiva, basta, no que diz respeito ao Direito, um pequeno número de modificações a introduzir nos estatutos das actuais companhias... Quanto à transferência da propriedade, salvo o caso duma luta, que poria a burguesia à mercê do povo, só é preciso uma simples operação de amortização; o trabalho deve amortizar todos os capitais.
É no trabalho que reside o princípio da amortização...

- A democratização da sociedade anónima: as fábricas autónomas.

Um novo sistema de agrupamento económico... teve, entre nós, a sua decisiva inauguração: primeiro, grupo industrial; mais tarde, grupo agrícola ou eomuna rural.
Ora, uma vez dada a base económica, a forma. imediatamente se deduz daquela... Ela encontra-se completamente formulada... nos artigos... referentes às socidades anónimas.
- A sociedade anónima não existe sob um nome social... A uma colectividade industrial, repugna qualquer etiqueta dinástica.
- Ela é administrada por mandatários, por tempo limitado, revogáveis... Todas as sociedades anónimas, pelas quais se distribui a acção industrial e comercial dum pais, devem formar um todo harmónico... A supressão de toda a personalidade na administração, o mandato temporário, a publicidade das contas, as assembléias gerais - em que o controlo, a aprovação ou a reprovação, livremente e contraditoriamente expressas, fazem lei para a gerência - tal é o carácter do novo grupo industrial...
A sociedade anónima é uma verdadeira república efectiva...
Deste modo, a sociedade anónima é a forma jurídica do grupo industrial... As companhias de caminho de ferro são estabelecidos com base no princípio legal da sociedade anónima. Sobre isto, nada a censurar. Somos tão partidários desta forma de sociedade, que queríamos democratizá-la ainda mais, e vê-la aplicar por toda a parte. É a pedra de espera da república universal, de que falsos arquitectos desdenharam, porque a tradição monárquiea, que lhes servia de modelo, não lha tinha dado a conhecer.
A que se deverá que a sociedade anónima, tão liberal na sua forma, tão expressiva por natureza, se tenha tornado, com os caminhos de ferro um principio de exclusão, o gérmen de uma casta?...
É um facto grave, que fere, hoje, todos os olhos, e que deve ocasionar uma modificação profunda na constituição das companhias; queremos referir-nos a esse imenso salariato... (Des Réformes à opérer, cap. V.)
Seria preciso que as companhias, em vez de tratarem com empresários, que lhes são ou podem ser estranhos, os admitissem exclusivamente no seu seio: de maneira que cada companhia fosse um conjunto de empresas secundárias, reunidas e reciprocamente obrigadas em relação a uma empresa superior e comum. Só assim as companhias anónimas podem ser purgadas do parasitismo que as infesta. (Des Réformes à opérer dans l’ex. des ch. de f., cap. VI.)
- Um dos meios de socialização: a participação.
Há três maneiras de explorar os objectos de utilidade pública: pelo Estado, como hoje o Correio; pelas sociedades capitalistas, como o são actualmente todos os caminhos de ferro; finalmente por associações operárias.
Sendo este terceiro modo o único que não teve aplicação, subsiste, a seu respeito, alguma obscuridade, que vou esforçar-me por dissipar... Podemos proceder de várias maneiras, sobretudo no que diz respeito à formação do capital. Cingir-me-ia a indicar uma delas. Suponho que, em 1840, quando foi dada a conclusão do caminho de ferro do Norte, o governo... quis ao mesmo tempo oferecer um lucro aos capitais privados e fazer participar nele o trabalho; eis o que me parece que, sem dificuldade, ele teria podido fazer.
A sociedade teria existido, não somente entre os accionistas, que forneceram o capital social, mas entre os accionistas e os operários.
Os lucros de exploração seriam repartidos pelos operários e pelos accionistas, segundo uma determinada proporção. A parte dos lucros a favor dos trabalhadores seria repartida entre eles, proporcionalmente à sua função, posto, etc..
Os operários estariam representados no conselho de administração, formando metade ou um terço dos membros do referido conselho. A direcção seria confiada a um ou vários directores, pertencentes à categoria operária (isto é, engenheiíros, arquitectos, comissionistas, etc.).
Quando expirasse a concessão, a companhia... tornar-se-ia exclusivamente operária.
O Estado faz parte, por direito, do conselho fiscal e do conselho de administração; esta ingerência do Estado não tem por fim perturbar a liberdade da associação nem subordiná-la à visão e à autoridade administrativa, mas somente velar pela educação económica e social da classe operária, pelo desenvolvimento das suas ideias, pela prudência dos seus conselhos... pela observância dos princípios de igualdade e de liberdade sobre os quais assenta a instituição.
Em princípio, todos os operários empregues na exploração são associados, isto é, participantes... Em tal matéria, é sobretudo a prática que deve fornecer as luzes do saber que a teoria, a priori, nunca dá. No entanto, reconheço que não me custa imaginar que não seja tão fácil explorar um caminho de ferro por uma companhia de operários, na maior parte ignorantes; aceito-os, porém, mas convenientemente representados e aconselhados, e não uma companhia de accionistas, que só se ocupam dos seus dividendos e deixam a gestão dos seus interesses a cargo de gerentes presunçosos e, muitas vezes, infiéis.
Eis, meu caro Villiaumé, o que lhe posso dizer; você conhece bastante bem estes assuntos para compreender que, em semelhante situação, nada é improvisado e que longos estudos são, muitas vezes, necessários para encontrar uma solução cujo enunciado exige apenas uma linha... (Lettre à Villiaumé, 24 de Janeiro de 1856.)
- Funcionamento das companhias operárias:
Apresentemos então os princípios do pacto que deve orientar esta nova força revolucionária...
Para com a Sociedade, de que ela é uma criação e uma dependêcia, a companhia operária compromete-se a fornecer sempre, ao preço mais próximo que for possível do preço de revenda, os produtos e serviços que lhe são pedidos, e a satisfazer o público com todos os melhoramentos e aperfeiçoamentos desejáveis.
Para este fim, a companhia operária priva-se de qualquer coligação, submete-se à lei da concorrência, mantém os seus livros e arquivos à disposição da sociedade, que conserva, em relação a ela, como sanção do seu direito de controlo, a faculdade de a dissolver.
Perante as pessoas e famílias cujo trabalho constitui o objectivo da associação, a companhia tem como regras:
Todo o indivíduo que é empregado da associação, homem, mulher, criança, velho, chefe de repartição, contramestre, operário, aprendiz, tem um direito indiviso na propriedade da companhia;
Assiste-lhe o direito de preencher, sucessivamente todos os cargos, de preencher todas as categorias, sgundo as conveniências de sexo, idade, talento, antiguidade;
A sua educação, a sua instrução e a sua aprendizagem devem, consequentemente, ser dirigidos de tal modo que, fazendo-os suportar a sua parte nos trabalhos repugnantes e penosos, os façam percorrer uma série de trabalhos e de conhecimentos, e lhes assegurem, na altura da maturidade, uma aptidão enciclopédica e um rendimento suficiente;
Os cargos são efectivos, e os regulamentos submetidos à aprovação dos associados;
O salário é proporcional à natureza do cargo, à importância do talento, à extensão da responsabilidade;
Todo o associado participa nos lucros :e nos encargos da companhia, na proporção dos seus serviços;
Cada um é livre de deixar à sua vontade a associação, consequentemente de mandar regularizar a sua conta e liquidar os seus direitos, e reciprocamente a companhia pode sempre agregar a si novos membros.
Estes princípios gerais bastam para fazer conhecer o espírito e o alcance desta instituição - sem precedentes, tal como sem modelos. Eles fornecem a solução para dois importantes problemas da economia social: o da força colectiva e o da divisão do trabalho.
Pela participação nos encargos e nos lucros, pela subida dos salários e pela elevação de todas as categorias e cargos, a força colectiva, produto da comunidade, deixa de ser aproveitada apenas por um pequeno número de privilegiados e especuladores; ela torna-se propriedade de todos os operários. Ao mesmo tempo, pela educação enciclopédica, pela obrigação da aprendizagem e cooperação em todas as partes do trabalho colectivo, a divisão do trabalho jamais poderá ser para o operário uma causa de degradação; ela é pelo contrário o instrumento da sua educação e a garantia da sua segurança... é preciso reconhecê-lo: se a classe trabalhadora, pela sua força numérica e pela pressão irresistlvel que pode exercer sobre as decisões duma assembléia não for da mesma forma - com o concurso de alguns cidadãos esclarecidos - capaz de realizar a primeira parte do programa revolucionário (a liquidação social e a constituição da propriedade de raiz) ela será ainda, pela insuficiência da sua visão e a sua inexperiência nos negócios, incapaz de gerir tão grandes interesses como os do comércio e da alta indústria, e consequentemente abaixo do seu próprio destino.
Os homens falham no proletariado como em Democracia.
... Força seria então, no que respeita à exploração das grandes indústrias, associar aos traba. lhadores livres notabilidades industriais e comerciais que os iniciassem na disciplina dos negócios. (Id. Gén. de Ia Rév., 6.º estudo.)

2.º - A federação industrial

Estendei às associações trabalhadoras, consideradas com unidades, o princípio da mutualidade, que une os operários de cada grupo, e tereis criado uma forma de civilização que, sob todos os pontos de vista... diferirá totalmente das anteriores civilizações; que jamais poderá tornar a ser feudal, ou imperial; que... com todas as garantias possíveis de liberdade, com uma publicidade leal, com um sistema impenetrável de garantia contra a superprodução,, a estagnação, os atravancamentos, o desemprego, a doença... vos oferecerá... sempre o direito. (Man. d'un Suéc., consid. finais.)
As indústrias são irmãs; umas são desmembramentos das outras; uma não pode sofrer sem que as outras padeçam. Que elas se federem então, não para se absorverem e se confundirem, mas para garantirem mutuamente condições de prosperidade que lhes são comuns e que nenhuma pode atribuir a si o monopólio.
Considerada em si mesma, a ideia de uma federação industrial... recebe a mais brilhante confirmação dos princípios da eeonomía. É a aplicação, ,ao mais alto nível, dos principios de mutualidade, de divisão do trabalho e de solidariedade económica, a vontade do povo transformaria em leis do Estado. (Pr. Fédér., cap. XI.)

c) A federação dos produtores-consumidores e a organização cooperativa dos serviços

l.º - A federação agrícolo-industrial

Casar a agricultura com a indústria... a causa dos camponeses é a mesma dos trabalhadores da indústria, a marianne dos campos é a contrapartida da sociale das cidades... Cabe à democracia industrial das grandes cidades... encontrar os pontos de ligação que existem entre ela e a democracia camponesa. (Cap. Pol., liv. I, cap. II.)
A finalidade destas federações particulares é subtrair os cidadãos... à exploração capitalista e bancoerática. Elas formam, no seu conjunto, em oposição à feudalidade financeira, hoje dominante, o que chamaria uma federação agrícolo-industrial...
A feudalidade financeira e industrial tem por objectivo consagrar, pela monopolização dos serviços públicos, pelo privilégio da instrução, o parcelamento do trabalho, o interesse dos capitais, a desigualdade do imposto, etc., a degradação política das massas, a escravidão económica do salariato; numa palavra: a desigualdade de condições e de fortunas. A federação agrícolo-industrial, pelo contrário, tende a fazer atingir, cada vez mais, a igualdade através da organização, ao mais baixo preço e noutras mãos que não as do Estado, de todos os serviços... pela mutualidade do crédito e dos seguros... pela garantia do trabalho... (Princ. Féd., cap. XI.)
A pequena indústria é tão grande asneira como a pequena cultura:... é a igualdade das fortunas que é preciso procurar, não o desmenbramento industrial. A grande indústria e a grande cultura aparecem-nos devido ao grande monopólio e à grande propriedade: é preciso no futuro fazê-las nascer da associação. (Carnets, 6 de Set. de 1846.)

2.º - Os agrupamentos de consumidores

Na via em que a civilização está empenhada... , tende-se sempre para o despotismo do monopólio, e consequentemente para a opressão dos consumidores. (Contr. Écon., cap. VII.)
Não têm, as coligações burguesas, por testemunhas todos os que, devido a elas, sofrem, trabalhadores e consumidores? (Cap. Pol., conclusão.)
Se cada produto só encontrar escoamento para os produtores de espécie diferente, a garantia de mercado só pode ser obtida, em principio, por uma convenção entre os produtores e os consumidores.
Esta convenção, em geral fácil pelo lado do produtor, sobretudo quando não existe monopólio, sê-lo-á tanto mais da parte da clientela, quanto esta se encontrar formada por grupos que possam tratar, com um só homem, quer do seu consumo colectivo, quer mesmo, em certos casos, dos seus consumos individuais... (Des Réf. à opérer, cap. V.)

3.º - O sindicato geral da produção e do consumo

O que nós pedimos é uma certa solidariedade, não só abstracta, mas oficial, entre todos os produtores, entre todos os consumidores e entre os produtores e os consumidores. É a conversão em direito... das leis absolutas da ciência económica. Nós fazemos depender deste pacto a garantia do nosso bem-estar. (Solut. du Probl. Soc.)
Foi criada, desde a presente data, para este fim, uma divisão especial, sob o titulo de Sindicato geral da Produção e do Consumo. (Banque du Peuple.)
É preciso que o exército dos trabalhadores-consumidores absorva o exército capitalista. (Carnets, l.º de Outubro de 1847.)
Quando se fala de produtores,... quando se fala de consumidores... não se trata de classes de homens; trata-se de pontos de vista que se opõem... Estabelecer a Justiça na troca, regularizar a circulação, será, ao mesmo tempo, regularizar o consumo e a produção, e transformar a propriedade e o salariato. (Carnets, 6 de Março de 1847.)

4.º - A organização cooperativa dos serviços

- O comércio:
- Na fase do pormenor: um sistema ‘Leclerc’ cooperativo:

Se a igualdade no comércio fosse conseguido, um progresso novo, um progresso imenso seria realizado em direcção à igualdade das fortunas... Perseverando nessa direcção igualitária, que viria a ser, muito em breve, da hierarquia, o sistema de subordinação e de autoridade?
Nestes últimos tempos, o governo imperial tentou regulamentar o comércio de carne e de panificação, a produção de álcoois, etc. À custa de multas, conseguiu fazer respeitar as suas taxas; mas como não depende do governo marcar o preço natural das coisas, muito menos ainda eliminar do preço corrente as sobrecargas com que o parasitismo o agrava, o governo só teve êxito em constatar oficialmente que o pão estava caro, a carne caríssima, as aguardentes inacessíveis e sancionar esta carestia. O governo, que não garantiu nenhuma invenção, lembrou-se, de repente, para bem do povo, de garantir a carestia dos alimentos. Que filantropia!
No entanto, um capitalista (M. Delamarre) aproveitando uma ideia socialista, diz: não aspiro a fixar o preço das coisas; mas praticarei um comércio verídico, farei uma vida barata, não sendo, para já, completa a troca legal. Usarei de lealdade comercial, não por virtude, mas por especulação, e obterei melhores resultados...
M. Delamarre abriu um grande armazém onde oferece ao público, a preço de revenda, toda a espécie de produtos, garantidos pela natureza, quantidade, qualidade e peso. Por preço de revenda, M. Delamarre entende os encargos do produtor, que ele não discute, aumentados de l0% a saber: 5% de lucro para o produtor, 2,5% para os encargos de armazém, 2,5% para lucro dele, Delamarre. Existe, como ele próprio o diz, lealdade comercial; não há ainda igualdade, porque nos encargos do produtor e nos 10% de suplemento entram ainda, em grande número, elementos parasitas.
Que seria preciso para que a reciprocidade fosse completa ?
Seria preciso, independentemente da expurgarão absoluta do parasitismo, que o arniazém geral, ou estaleiro, em vez de estar por conta dum empresário, leal e seguro, estivesse por conta dos próprios produtores, garantindo uns aos outros lealdade e sinceridade.
A quem pode pertencer o direito de debater e fixar, conforme a hora e o lugar, o preço exacto de cada coisa, se são os produtores-consumidores, reciprocamente os interessados, quer na venda, quer na compra?
Nada mais simples que este sistema, que faria desaparecer três quartos das lojas, e ofereceria à produção uma multidão de inteligências e de braços, absorvidos num negócio inútil...
É de admitir até que, único da sua espécie, um tal estabelecimento sucumbisse, sem que o princípio, segundo o qual foi criado, seja o menos comprometido do mundo. Tais inovações não podem partir da iniciativa privada: é necessária uma conjugação de interesses, o apoio do governo ou da opinião... (Justice dans la Rév., Les Biens.)
-Na fase do comércio grossista: a disciplina dos mercados esociedades reguladoras.
Para que o comércio fosse leal e sem motivo de censura, seria preciso, independentemente da apreciação mútua dos serviços e dos produtos... que o transporte, a distribuição e a troca das mercadorias se fizessem o mais barato possível e com o máximo proveito para toda a gente. Para isso, seria preciso que, em cada pais, todos os produtores, negociantes, condutores de mercadorias, comissionistas e consumidores - reciprocamente informados e devidamente garantidos sobre tudo o que respeita às proveniências, matérias-primas, existências, qualidades, pesos, preços de revenda, encargos de transporte, de manutenção, etc. - se comprometessem, além disso, uns a fornecer, os outros a receber as quantidades combinadas, mediante preços e condições determinadas. Deveriam então ser publicados, perpetuamente, estatísticas sobre o estado das colheitas, a mão-de-obra, os salários, os riscos e os sinistros, a abundância e a raridade de braços, a importância das encomendas, o movimento dos mercados, etc.
No estado actual da Sociedade, o comércio, entregue à mais completa anarquia, sem direcção, sera informações, sem pontos de referência e sem princípio, é essencialmente especulador; ele não pode deixar de o ser. Portanto, é preciso, ou condenar tudo, ou permitir tudo, ou reformar tudo...
Num meio insolidário, desprovido de garantia, cada um trabalha para si, ninguém para outrem. O lucro legitimo não se distingue da especulação. Toda a gente se esforça por retirar o máximo lucro: o comerciante e o industrial especulam...
Realmente, só os assalariados, operários, serventes ou funcionários públicos não especulam, pois são pagos através de ordenados ou salários fixos...
O mutualismo propõe-se curar esta lepra, mas não envolvendo-a numa rede de penalidades, mais ou menos sensatas e quase sempre vãs; não entravando a liberdade de comércio, remédio pior que mal, mas tratando o comércio como o seguro - quero dizer, rodeando-o de todas as garantias públicas - e, por este meio, conduzindo-o à mutualidade.
Tão bem como seja quem for, os adeptos da mutualidade conhecem a lei da oferta e da procura: estão muito longe de a transgredir. Estatísticas detalhadas e muitas vezes renovadas, informações precisas sobre as necessidades e as existências, uma análise leal dos preços de revenda, a previsão de todas as eventualidades, a fixação entre produtores, comerciantes e consumidores, após discussão amigável, de uma taxa de lucro máxima e mínima, conforme as dificuldades e os riscos, a organização de sociedades reguladoras: tal é, aproximadamente, o conjunto das medidas por meio das quais eles pensam disciplinar o mercado. (Cap. Pol., liv. II, cap. VIII.)
- Os estaleiros e a constituição cooperativa dum mercado nacional.
Há um bom número de objectos que custam 100% mais caro ao operário que ao comprador grossista... Realizar esta economia em proveito dos operários... ; com o regime da mutualidade este objectivo é atingido e a liberdade individual, a vida privada, permanece intacta...
O que torna os preços baixos é o grande entreposto, o grande comércio. É o comércio! e o entreposto universal... baseado na igualdade das trocas. (Carnets. l de Out. de 1847.)
Pôr em ligação directa, qualquer que seja a distância que os separa, o produtor e o consumidor, e consequentemente... suprimir, tanto quanto possível, os intermediários.
Este resultado, observado à primeira vista, conduziu à ideia dos estaleiros...
Assim unidos, ligados entre eles pela rede de circulação, em correspondência perpétua e instantânea pelo telégrafo, estes novos instrumentos de troca, formariam, por toda a França, um imenso mercado, único e permanente, uma bolsa continua, onde o preço dos artigos se equilibre, rodeada de todas as garantias de boa fé e de certeza, e dum movimento uniforme...
Deste modo... pelo estabelecimento dos estaleiros, todo o sistema comercial é revolucionado de alto a baixo... (Réf. à opérer, cap. V.)
A formação dum organismo especial, uma sociedade, é necessária; falta uma única resolução... é chamar a fazer parte da nova Sociedade, sem limitação de número nem de prazo, todos aqueles que, pelo seu trabalho, as suas trocas, o seu consumo, as necessidades da sua indústria, etc., estão interessados na nova instituição; noutros termos, é de tomar como comanditários da sociedade mesmo aqueles que devem vir a ser seus clientes...
A Sociedade, sendo somente um estabelecimento de comissão, de troca e de crédito, simples intermediário entre os produtores e os consumidores... agiria sempre por conta de outrem...
A Sociedade-mãe, criada em Paris... rodear-se-ia, em cada província e departamento, de sucursais, constituídas à sua imagem. (Th. de la Propr., apêndice.)
- O crédito mutual e o banco do Povo.
Em 1849, o banco do povo perseguiria um só objectivo: era trabalhar através de exemplos de pormenor... na instrução económica do povo. (Cap. Pol., cap. XIII.)
A ideia de uma instituição de crédito, organizada sob a vigilância do Estado, e funcionando, não em proveito duma companhia privilegiada de comanditários, mas por conta da nação, e com mais baixo desconto possível, é doravante uma ideia vulgar, que a inteligência pública assimilou; que, em cada dia, sugere novos modos de aplicação, e sobre a qual já não me compete ter um sistema meu.
A ideia pertence ao domínio público, como a da liberdade e a da igualdade, que jamais desaparecerão; a fórmula, cabe escolhê-la à inteligência geral, tal como compete a cada teórico variá-la. (Lettre à Villiaumé, 24 de Jan. de 1856.)
O juro do dinheiro, a que a lei de 3 de Setembro de 1807 tinha fixado o máximo de 6% ao ano, em matéria comercial, e 5% em matéria civil, é o mais pesado entrave que pesa sobre o trabalho, e é, para o consumo, o adiantamento menos justificado e mais desastroso...
Ora, no que diz respeito, em primeiro lugar, à circulação e ao desconto, é claro que o juro comercial exigido pelos banqueiros, a 7, 8 e 9% é um tributo benevolentemente pago pelos comerciantes aos detentores de numerário e cambistas, já que... eles poderiam garantir-se uns aos outros mediante um bónus muito leve... com o qual nenhuma companhia se contentaria...
Quanto aos adiantamentos a fazer à agricultura e à indústria, destinados, necessariamente, à aquisição de matérias-primas, instrumentos de trabalho, de alimentos e de mão-de-obra... é ainda evidente que, neste campo, a mutualidade pode e deve ter uma das suas mais belas aplicações... O crédito agrícola e industrial organizado... consistiria em empréstimos a 2%.
Devendo todo o adiantamento deste tipo ser feito com a intenção duma reprodução, cabe aos reprodutores organizar, por meio de um sindicato, as prestações duns relativamente aos outros, em condições baratas impossíveis de obter dos manejadores de dinheiro...
Há pois aqui, como em toda a parte, um triplo engano a destruir, engano que desde há muito tempo teria desaparecido se não fosse o disparate dos nossos fabricantes e a cumplicidade dos nossos governos: violação, cada vez mais obstinada, do direito económico; levantamento antecipado, em pura perda e sempre crescente, duma parte da riqueza criada em cada ano, sob a forma de lucros; desenvolvimento dum parasitismo desenfreados e cada vez mais corruptor.
Deste modo, o que distingue as reformas mutualistas é que elas são, ao mesmo tempo, de direito exacto e de alta sociabilidade: consistem em suprimir os tributos de todo o género lançados sobre os trabalhadores, sob pretextos e por meios que, um dia serão revistos pelas constituições, e imputáveis ao governo (Cap. Polit., liv. II, cap. XII.)
O que admira é que, desde há muito tempo, não se tenha formado uma sociedade de negociantes dos mais conceituados de Paris e dos departamentos, para a circulação das suas letras de câmbio, sem dedução de desconto. (Banque d’éch.)
Aideia do numerário cair em desuso... não é tão nova como pensam. Os peritos dizem, há vários anos, que a necessidade do numerário só traduz ausência de organização. Quanto a mim, concebo uma sociedade onde tudo se liquidaria por transferência de verbas em contas. (Banque d’éch.)
- A companhia de seguros mútuos.
Então como é que as companhias de seguros mútuos não substituíram, desde há muito tempo, todas as outras? Ah! é que há muito poucos particulares que queiram ocupar-se das coisas que interessam a toda a gente, mas não trazem nada a ninguém; é que o governo, que poderia tomar essa iniciativa, recusa-a...
Aqui, o que há a recear, como sempre, é que o governo, sob o pretexto de utilidade pública, crie um grande monopólio... monopólio que serviria para compensar mais que um fiel servidor, a quem a penúria do Tesouro não permite recompensar pelos seus longos serviços. Assim, no regime de insolidariedade mútua em que vivemos, vamos desde a exploração pelas companhias até à exploração pelo governo, e tudo porque não sabemos entender-nos...
A companhia de seguros mútuos, abandonada pela autoridade pública, a quem pertencia encarregar-se dela,, só é ainda uma ideia.
Quando o espírito de iniciativa e o sentimento de colectividade, que dormem em França, tivere o devido impulso, os seguros tornar-se-ão um contrato entre os cidadãos, uma associação, eujos benefícios aproveitarão a todos os segurados. (Cap. Polit. liv. II, cap. VI.)
-A habitação.
O direito de propriedade, bastante respeitável na sua causa, quando esta causa não é outra senão o trabalho, tornou-se, em Paris e na maior parte das cidades, um instrumento de especulação abusiva e imoral, a respeito da habitação dos cidadãos. Pune-se como delito, algumas vezes como crime, a especulação com o pão e os géneros de primeira necessidade: será então um acto mais lícito especular com a habitação do povo?
Proponho operar a liquidação dos aluguéis.
Todo o pagamento de renda acarretará, para locatário, uma parte proporcional e indivisa na ca por ele habitada e na totalidade das construções exploradas para aluguer e que sirvam para habitação dos cidadãos.
O preço das habitações só se comporia de três coisas: a amortização do capital gasto na construção as despesas de conservação da construção, e o imposto; o contrato de aluguer deixaria de ser um empréstimo, para uso, para ser uma venda, da parte do empreiteiro da construção ao domiciliado.
Para as reparações, disposição e conservação dos edifícios, como para as novas construções, a comunas contactarão com as companhias de pedreiros ou associações de operários da construção civil de acordo com os princípios e regras do novo contrato social.
Os proprietários que ocupem sozinhos as suas próprias casas conservarão a sua propriedade por tanto tempo quanto julguem útil aos seus interesses. (Id. Gén. de la Rév., 5.º estudo.)

d) Condições de instauração do mutualismo federativo

1.º - Necessidade da concorrência

Uma mesma sociedade nunca poderia abranger, nem todos os operários duma mesma indústria, nem todas as corporacões industriais, nem, por mais forte razão, uma nação de 36 milhões de homens. (Id. Gén. de la Rév., 3.º estudo.)
A companhia operária... submete-se à lei da concorrência, mantém os seus livros e arquivos à disposição da sociedade que conserva como sanção do seu direito de controlo a faculdade de a dissolver. (Id. Gén. de la Rév., 6.º estudo.)
A oficina implica necessariamente um interesse de corpo e interesses privados, uma pessoa colectiva e indivíduos. Vêm em seguida as ligações de oficina a oficina... Noutros termos, a concorrência e a associação apoiam-se uma na outra; não existem uma sem a outra...
Quem diz concorrência, supõe já um objectivo comum...
Mas a concorrência, abandonada a si própria e privada da direcção de um principio superior, não é mais do que uma oscilação, sem finalidade, da força industrial, eternamente balançada entre estes dois extremos, igualmente funestos: dum lado as corporacões... do outro o monopólio... Segundo M. Blanc, o remédio contra a concorrência, ou mehor, o meio de a abolir consiste na intervenção da autoridade, na substituição da liberdade individual pelo Estado...
Ao protestar, com razão, contra a concorrência anárquica, o socialismo não propôs nada de satisfatório, e os utopistas... viram... as reformas entregues, ora à corporacão hierárquica, ora ao monopólio do Estado ou ao despotismo da comunidade.
A concorrência, considerada na sua origem, é o resultado necessário da intervenção das máquinas, da constituição da oficina, e da teoria da redução dos encargos gerais; considerada no seu significado próprio e na sua tendência, ela é o modo segundo o qual se manifesta e se exerce a actividade colectiva, a expressão da espontaneidade social, o emblema da democracia, o instrumento da constituição do valor, o suporte da associação, a garantia da liberdade.
Não se trata, pois, aqui. de destruir a concorrência; trata-se de encontrar o seu equilíbrio, diria de boa vontade, a polícia, pois toda a força, toda a espontaneidade, seja individual seja colectiva, deve receber a sua determinação...
Se a concorrência só se exerce em proveito de intresses privados e se os seus efeitos sociais não forem determinados nem pela ciência, nem dissimulados pelo Estado, haverá, na concorrência como na democracia, tendência contínua desde a guerra civil à oligarquia e da oligarquia ao despotismo... eis porque a concorrência... tal como o valor tem necessidade dum principio superior que a socialize e a defina. (Contr. Econ., cap. V.)

2.º - Necessidade de uma transformação revolucionária

Agradar-me-ia menos que a ninguém criticar as massas operárias no momento em que elas tentam juntar os seus esforços... para assegurar a sua emancipação comum.
Contudo... não posso deixar de notar a timidez de alguns; que tratam de seguir, de maneira sábia, passo a passo, a prática burguesa e fariam, de boa vontade, consistir o seu mutualismo no facto de a classe operária ter os seus banqueiros enquanto os empresários e os negociantes teriam os seus... Os seus bancos não estão prontos para fazer uma guerra séria ao Capitalismo... Não é através de cisões, de concorrências insignificantes, muito menos ainda de subvenções filantróficas ou subscrições de dedicação que se dará, na Europa... toda a força de uma vontade colectiva. (Cap. Pol., liv. II, cap. XII.)
Propõem organizar uma comuna de ensaio num meio inassociado, e não vêem que, com estas tentativas parciais, se perdem cada vez mais no labirinto. (Sol. du Probl. soc.)
Uma liquidação geral é o preâmbulo forçado de toda a revolução... Uma segunda noite de 4 de Agosto é indispensável... Somos ainda senhores de proceder, com toda a prudência, toda a moderação que for considerada útil. Mais tarde, o nosso, destino poderia já não depender do nosso livre arbítrio. Entre o reembolso por anuidade e a confiscação, bem podem existir meios termos...
Que a contra-revolução prossiga o curso das suas proezas... então já não será o direito ao trabalho, depgis o direito à mais-valia, que invocariam os camponeses e os operários: será ao direito à guerra e às represálias, que teremos de responder? (Id. Gén. de la Rév., 5.º estudo.)


Uma Política Federalista

I
A FRANÇA E OS FRANCESES

1. - RETRATO DA NAÇÃO FRANCESA

Será verdade que sejamos a raça eleita... o povo arauto e monitor das revoluções? Livremo-nos deste nacionalismo... de que ainda hoje repartimos o ridículo com os Americanos, os Ingleses, os Alemães, os Eslavos...
A preponderância que obteve, muitas vezes seguidas, a nação francesa, foi sempre efeito duma situação forçada, nunca duma vocação misteriosa ou dum talento especial...
A nação francesa, ainda que frondosa e irrequieta, curiosa por novidades, incapaz duma disciplina rigorosa, rica em espíritos inventivas e em caracteres empreendedores, no fundo não é menos por isso, e tomada na totalidade, o representante, em tudo, do meio termo e da estabilidade.
Tendo todas as qualidades os seus defeitos, aquela tem também os seus, que não dissimularei: em suma, ela atesta a magnanimidade e a firmeza do nosso juízo. É a extrema liberdade da nossa razão, e não a inércia da nossa inteligência, que nos conduz, sem cessar, ao indiferentismo e amortece em nós a paixão, que, sozinha, é capaz de manter a von,tade fora dos caminhos vulgares...
Todos os nossos erros, todos os nossos ridículos, assim como as nossas derrotas e os nossos sucessos vêm daí.
Quantas vezes, em consequência desta desconfiança inata pela especulação e pelo desconhecido, roemos a corda ao progresso!...
Em política, fizemos uma grande revolução, é verdade, mas sem prever de forma alguma as suas consequências... Nem sequer tivemos o trabalho de fazer para nós uma Constituição nacional: copiámos a dos Ingleses...
Depois de termos querido apoderar-nos de tudo, na Ásia e na América, tudo perdemos, em grande parte, por incapacidade. Durante vinte anos, aplicámos, na Argélia, dois milhões e duzentos mil homens, sem termos podido criar raizes. As nossas obras-primas brilham nos palácios de cristal, mas não sabemos fazer a sua troca; os nossos mecânicos e os nossos engenheiros, desdenhados por nós, vão para o estrangeiro...
As inteligências superiores não faltam, certamente, na nossa raça, e Paris, local de encontro das individualidades fora do vulgar, é sempre o cérebro do globo. Mas aqui trata-se do povo, da colectividade francesa, e da sua acção unitária...
Sempre que a nação francesa se mostrou violenta, seja na reacção, seja na revolução, isso foi unicamente porque o seu bem-estar... lhe parecia comprometido, ora pela política dos príncipes, ora pelo fanatismo dos partidos e das seitas... A revolução surgiu sempre em França do meio termo ofendido...
Sim, vencemos em 89 a monarquia de direito divino, e, empurrados pelas circunstâncias, colocámo-nos à cabeça da civilização. Mas depressa nos detivemos no constitucionalismo; em vez de acabar a revolução através da organização das forças industriais, desviámo-la através duma vã reconciliação de poderes políticos...
Quem não vê que esta necessidade, tornada tão pungente, duma ponderação das forças económicas e duma distribuição mais equitativa dos bens da natureza e dos produtos da indústria é o resultado do movimento levado a cabo durante os últimos sessenta anos?...
Aceitará a nação, suportará ela, contrariamente ao seu carácter e às suas tendências, a condição anormal que a improvidência dos seus chefes lhe prepara? Consentirá ela, por medo do comunismo, em voltar ao antigo estado feudal?...
Tal é o problema que o progresso dos séculos nos manda resolver, não através de fórmulas inúteis de governo e de convenções insuficientes, mas através duma rigorosa disciplina das forças industriais...
Há duas Franças na actual França. Há a França que se conhece a ela própria, vive nas suas tradições, liga-se a elas com desespero, protesta contra uma revolução sem analogia; e a França do futuro, que ainda não se conhece, que se procura, que ja se sente, com todas as suas aspirações e objectivos, em oposição com a do passado. O contflito está ai. Todos, enquanto vivemos, devotos e cépticos, monárquicos e republicanos, enquanto racioeinamos segundo as ideias recebidas e os interesses estabelecidos, somos conservadores; enquanto obedecemos aos nossos instintos secretos, às forças ocultas que nos pressionam, aos desejos de melhoria geral que as circunstâncias nos sugerem, somos revolucionários. (Confes. dun Rév., post-scriptum.)

2. - A CAPACIDADE POLITICA DA CLASSE OPERARIA

A burguesia acabou...
A plebe também acabou, o que foi bom para ela. A soberania do povo nunca foi senão um mito: é preciso que o mito fatal se desvaneça, por sua vez, diante da realidade...
Quando a indignação deita fogo aos privilégios... é preciso, por isso, descer até às bases do povo... (Justice, conscience et liberté.)
O povo, a quem a revolução de 1848 concedeu a faculdade de votar, será, ou não, capaz de intervir em política? Isto é:
1.º de formar sobre as questões que interessam à colectividade social uma opinião de acordo com a sua condição, o seu futuro, os seus interesses;
2.º por consequência, de dar sobre as mesmas questões, submetidas à sua arbitragem directa ou indirecta, um veredicto ponderado;
3.º enfim, de constituir um centro de acção, expressão das suas ideias, dos seus objectivos, das suas esperanças, e encarregado de proceder à execução dos seus projectos?...
Observemos, em primeiro lugar, que a palavra capacidade, falando do cidadão, é tomada sob dois pontos de vista diferentes: há a capacidade legal, e a capacidade real...
Uma vez que tratamos, como historiadores e filósofos, da capacidade política, é-nos preciso abandonar as ficções e, por isso, chegar à capacidade real; a única de que nos ocuparemos.
Para que haja, num sujeito, indivíduo, associação ou colectividade, capacidade política, são requeridos três condições fundamentais:
1.º que o sujeito tenha consciência de si próprio, da sua dignidade, do seu valor, do lugar que ocupa na sociedade, do papel que ele desempenha, das funções que ele tem o direito de pretender, dos interesses que ele representa ou personifica;
2.º como resultado dessa consciência de si próprio em todos os seus domínios, é indispensável que esse sujeito afirme a sua ideia, isto é, que saiba mostrar pela inteligência, traduzir pela palavra, explicar pelo raciocínio, no seu principio e nas suas consequências, a lei do seu ser;
3.º enfim, é necessário que, a partir dessa ideia, posta como profissão de fé, ele possa, segundo a necessidade e a diversidade das circunstâncias, deduzir sempre conclusões práticas...
Possuir a capacidade política, é ter consciência de si como membro duma colectividade, afirmar a ideia que dai resulta, e proceder à sua realização. Todo aquele que reúna estas três condições é capaz...
O problema da capacidade política, na classe operária, do mesmo modo que na classe burguesa e outrora na nobreza, equivale pois a perguntar:
a) se a classe operária, sob o ponto de vista das suas relações com a sociedade e com o Estado, adquiriu consciência de si própria; se, como ser colectivo, moral e livre, se distingue da classe burguesa; se separa desta os seus interesses, se pretende nunca se confundir com ela;
b) se possui uma ideia, isto é, se criou uma noção da sua própria constituição; se conhece as leis, condições e fórmulas da sua existência; se prevê, com base nisso, o destino, o fim; se se compreende a si própria, nas suas relações com o Estado, com a nação e a ordem universal;
c) se, a partir dessa ideia, enfim, a classe operária está em condições de deduzir, para a organização da sociedade, conclusões práticas que lhe sejam convenientes, e - no caso em que o poder, pela decadência ou pela retirada da burguesia, lhe for devolvido - de criar e de desenvolver uma nova ordem política... (Capac. Polit., liv. II, cap. II.)


II

O DUPLO OBSTÁCULO:
DESPOTISMO E DEMAGOGIA


Segundo a ordem natural, o poder nasce da sociedade; ele é a resultante De acordo com a concepção empírica do poder, ele é o gerador dela, ele é superior a ela... o antagonismo estabelece-se entre o poder e a sociedade Uma vez alienada a força social, o governo oscila da demagogia ao despotismo e do despotismo à demagogia (Justice, l'État.)

1. - PRIMEIRO OBSTÁCULO:
DESPOTISMO DO ESTADO

A. O povo e a tentação autoritária

Antes de atacar o despotismo dos príncipes, não será preciso, tantas vezes, que comecemos por combater o dos soldados da liberdade? Conhecem algo que se pareça mais com um tirano que um tribuno do povo, e não será que, por vezes, a intolerância dos mártires vos parecem tão odiosa como a raiva dos perseguidores?...
Acreditam, por exemplo, que a autocracia russa seja unicamente um produto da força brutal e das intrigas dinásticas?
Não terá ela as suas bases escondidas, as suas raizes secretas, no coração da nação russa? Oh caro Herzen, o mais franco dos homens, nunca ficaste escandalizado, desolado, pela hipocrisia e pelo maquiavelismo daqueles a quem a democracia europeia, a torto e a direito, se submete ou reconhece para seus chefes? Nada de divisões perante o inimigo, vais tu dizer-me.
Mas, caro Herzen, o que é mais de temer para a liberdade: a cisão ou a traição?...
Para mim, a experiência do Ocidente, que vejo de perto, é uma conjectura do que se deve passar nesse Norte, que não conheço; porque, sob todos os meridianos, a humanidade é semelhante a ela própria... (Lettre à A. Herzen, 25 de Julho de 1855.)
Há sempre maneiras de fazer com que a colectividade abstracta do povo sirva ao parasitismo da minoria e à opressão do grande número. (La Rév. au XIXE siècle, 4.º estudo.)

B. O fatalismo politíco e a democracia absoluta

O sistema da razão do Estado, que não é outro senão o de Fatum, motivado no princípio duma desigualdade puramente hipotética, regeu todos os povos antigos; ele rege os modernos...
Não podemos persuadir-nos, só porque o cristianismo espalhou sobre o mundo a sua água baptismal, de que o paganismo, o primeiro a dar sanção destino, tenha desaparecido.
Em política, o paganismo vive sempre, e quanto mais a dissolução do corpo social se torna iminente, mais ele se vangloria de curar este pela força... Temos o segredo do fatalismo político, conhecemos a sua teoria, podemos em algumas linhas apreciar esta religião do Destino... A filosofia alemã fez, por sua vez, variantes acerca deste tema antigo, mas não o mudou. (Justice, l'État.)
O primeiro pensamento da democracia trabalhadora, procurando a sua lei e colocando-se como antítese da burguesia, devia ter sido virar contra esta as suas próprias sentenças; é o que ressalta do primeiro relance sobre o exame do tema comunista. Os comunistas... cerceiam tudo à soberania do povo, ao direito da colectividade; a sua noção do poder ou do Estado é absolutamente a mesma que a dos seus velhos mestres... : abranger todas as liberdades associativas, locais e particulares. O sistema político pode definir-se: uma democracia compacta, fundada aparentemente sobre a ditadura das massas, mas em que as massas só têm o poder de assegurar a servidão universal... (Capac. Pol., liv. II, cap. III.)
O Estado, digam o que disserem e façam o que fizerem, não é, nem nunca será, a mesma coisa que a universalidade dos cidadãos; consequentemente, a fortuna do Estado nunca se poderia identificar com a totalidade das fortunas particulares; nem, pela mesma razão, as obrigações do Estado, pode tornar-se comuns e solidárias a cada contribuinte...
É a associação real dos trabalhadores, é esta solidariedade económica que... unicamente pode dar crédito e satisfação, tanto ao produtor como ao Consumidor. (Contr. Écon., cap. X.)

2. - SEGUNDO OBSTACULO:
A DECOMPOSIÇÃO DEMOCRATICA

A. O cepticismo político e social

Em consequêneia do movimento político, económico e social, e da inevitável imperfeição da lei, já não se quer ver no Estado senão uma constituição arbitrária, vantajosa unicamente para os ambiciosos e para os intriguistas...
Admite-se um sistema de convenções, mais ou menos bem expressas e garantidas pelo Estado, que cada um se compromete a respeitar, e que respeitará, com efeito, tanto quanto o seu interesse e o risco de infracção o determinem...
As leis multiplicam-se, pois, em vão;... Cada decreto do legislador traz novos meios de se desviar da lei, in péssima republica plurimae leges.
A ditadura apodera-se do governo e tenta, como Augusto, regenerar os costumes: mas ela só servirá para pôr em relevo a dissolução universal, e acabará por ser, ela própria, dentro em breve, submersa... Foi assim que acabaram, umas após outras, todas as nações ilustres da história. Em cada morte, o desastre foi, em certa medida, reparado; e a civilização pôde continuar, ora devido à exaltarão de raças mais jovens, ora com a ajuda de imensas e espantosas revoluções. (Justice, Progrès et Décadence.)

B. As imprecisões da democracia

Tomando para ideal a utopia de Jean-Jacques, substituindo a política dos princípios pela dos instintos, decalcando o seu governo pelo do absolutismo, a democracia terminou no suicídio de 93, nas místicas atrocidades de 94, nas deserções de Thermidor e de Brumaire, nas eleições, muito esquecidas, de 1800 e 1804, nas de 1848, 1851 e 1852, que, espero, jamais serão esquecidas. Qual é o democrata de boa fé que, nesta hora, ousa testemunhar a firmeza, a elevada sabedoria, a razão infalível da multidão? Ao abandonarem a multidão, depois de a fazerem votar, haja o que houver, tapando-lhe os olhos e prendendo-lhe as mãos, colocando-a sob tutela; a partir disto, onde está a democracia? (Justice, Philos. prop.)