Este ano é ano de censos em Portugal. Os censos são uma ferramenta indispensável e cientifica que nos permite não só analisar a realidade presente como também verificar tendências, movimentos sociais, lacunas de infraestruturas, alterações ao tecido social, entre muitas outras análises possíveis. Através de correlações, podem averiguar-se relações de causa/efeito que sem os dados fornecidos pelos censos serão impossíveis ou pelo menos muito difíceis de vislumbrar. Num país moderno e organizado, as informações estatísticas fornecidas pelos censos devem servir de base para decisões políticas importantes, tanto a nível regional como nacional. Bem vindos ao maravilhoso mundo das estatísticas.
Contudo, como estes estudos acontecem apenas de 10 em 10 anos, se a sua implementação não for adequada à realidade ou se o questionário do censo não reflectir a realidade da população alvo, perde-se – para além de muito dinheiro – uma oportunidade única de se conseguirem atingir os objectivos indicados no parágrafo anterior. Por outras palavras, se o questionário não permitir uma caracterização o mais exacta possível da população os resultados das análises aos dados obtidos serão sempre incompletos, insuficientes ou, mais grave ainda, enganadores.
Ora, parece-me que a caracterização da religião da população portuguesa prevista para os Censos 2011 é francamente decepcionante. Decepcionante porque se baseia em preconceitos culturais que não podem caber num estudo com esta importância e envergadura. Embora, de acordo com “Programa de Acção para os Censos 2011″ do Instituto Nacional de Estatística (INE), os Censos em Portugal se realizem de acordo com as normalizações internacionais, parece-me que, no que diz respeito ao capítulo específico da religião, se optou por uma implementação minimalista dessas mesmas normalizações.
Para os censos de 2011, eis as opções (modalidades) disponíveis no quadro de questionário individual referente à variável religião:
•Católica
•Ortodoxa
•Protestante
•Outra cristã
•Judaica
•Muçulmana
•Outra não cristã
•Sem religião
Estas opções demonstram uma completa ignorância quanto ao fenómeno religioso em Portugal e impedem qualquer tipo de análise face às tendências perceptíveis na nossa sociedade através de outros factores. Através deste leque de opções constata-se que:
•Ateus, agnósticos e indivíduos crentes mas sem religião específica são todos parte da mesma modalidade!
•A comunidade chinesa que cresceu imenso em Portugal nos últimos anos é ignorada ao não serem descriminados o Budismo e o Taoísmo
•A comunidade oriunda do subcontinente indiano (e também de Moçambique) é igualmente ignorada ao não se considerar o Hinduísmo
•A importância de igrejas protestantes específicas a que pertencem milhares de emigrantes brasileiros e às quais muitos portugueses têm aderido é também ignorada
Com este curto leque de variáveis possíveis será impossível responder a várias questões, nomeadamente:
•Qual a percentagem de ateus em Portugal?
•Qual a percentagem de agnósticos em Portugal?
•Qual a real relação entre as diversas denominações cristãs?
•Qual a relação de tendências entre as diversas variáveis?
•Como podemos correlacionar os movimentos migratórios com a taxa de sucesso de cada variável de religião?
Enfim, muitas outras questões ficam por responder. Infelizmente, uma pesquisa sobre religião no site do INE permite-nos constatar que não existe nenhum estudo sobre o fenómeno religioso em Portugal. Pelos vistos, tudo ficará assim por mais uma boa dezena de anos uma vez que com o questionário aprovado para os Censos 2011 não se conseguirá responder às questões fundamentais que um estudo sério colocaria.
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