quarta-feira, março 30, 2011

O NEGRO E O VERMELHO

A RÉPUBLICA PROUDHONIANA


Esta républica federativa, “ forma de governo à qual tende a humanidade”, e onde o “ Direito e a Liberdade têm plano de destaque”, Proudhon sabe perfeitamente que ela é ainda um ideal. Não existiria só “ se o Direito e a Liberdade reinassem sózinhos”, o que não é para amanhã. E conclui o assunto o que critica aos genoveses de terem dito da sua républica ( que lhe parece uma irmã): “ a républica não existe em nenhum lado e nunca existiu”. Para estabelecer o governo republicano na sua verdade, cinco condições são necessárias. 1º Definição do Direito económico; 2º Equilíbrio das forças económicas, formação dos grupos agrícolas, industriais, organização dos serviços de utilidade pública ( crédito, desconto, circulação, trnsportes, docks, etc) segundo o princípio da mutualidade e da gratuidade ou preço de custo; 3º Garantias políticas: liberdade de imprensa e de tribuna, iniciativa parlamentar, publicidade de controle, extensão do júri, liberdade de reunião e de associação, inviolabilidade da pessoa, do domicílio, do segredo das cartas; separação completa da justiça e do governo; 4º Descentralização administrativa, ressurreição da vida comunal e provincial; 5º Cessação do estado de guerra, demolição das fortalezas, e abolição dos exércitos permanentes. Estas condições preenchidas, Proudhon passa ao limite e descreve a perfeição do governo republicano. Nestas condições o princípio de autoridade tende a desaparecer, o estado, a coisa pública, res publica está assente na base, sempre inabalável, do Direito e das liberdades locais, corporativas e individuais, do jogo das quais resulta a liberdade nacional. O governo, a bem dizer, não existe mais; a sociedade vai ela própria pela espontaneidade das suas forças livres e ponderadas; a acção do principe de Estado aparece também pouco possível: é esta impessoalidade, resultado da liberdade e do direito, que caracteriza sobretudo o governo republicano. (1) Como vemos, a républica proudhoniana não é somente este “grande acto de confiança” do qual falará mais tarde Jaurès; repousa num optimismo que o lutador nos seus momentos de desalento não se privou de ridicularizar, mas que sobreviveu a todas as decepções. Quanto ao fundo da sua concepção política é necessário notar a couragem, as ideias novas e de futuro, e também as insuficiências. Há bem coisas verdadeiras na crítica que Proudhon fez do sufrágio universal, apesar de alguns aspectos algo contraditórios.É importante submetê-la às disciplinas da razão, de penetrá-lo antes de tudo do sentimento do direito e de organizar uma representação mais completa de todas as forças sociais, tão reais que as pessoas individuais. Deste ponto de vista a ideia dum direito social contrabalançando, como o queria Proudhon, o direito político faz o seu caminho nas teorias políticas contemporâneas. Mas fá-lo lentamente, pois apresenta-se a maior parte das vezes, sob a forma demasiado estreita duma representação puramente profissional ou económica no sentido estrito do termo, no momento em que o direito verdadeiramente social, a representação de todas as forças que compõem o ser colectivo, é muito mais larga. Mesmo sob esta forma incompleta choca com as susceptibilidades sempre vivas do poder político de tradições de regalias, que tende a manter a preponderância do político sobre o económico. Nem o projecto de constituição de 1945 em França, nem a constituição da quarta républica, em 1946, não realisaram deste ponto de vista grandes progressos sobre as leis constitucionais da terceira, apesar de encontrarmos afirmações bastante precisas do direito social, que permanece subordinado ao poder político. (2) Devemos aceitar o poder de Estado no seu domínio próprio, com a condição que não saia da sua função e que permaneça submetido, como todas as funções sociais, à única soberania do Direito. Quanto a esta superioridade da Justiça, a esta soberania do Direito, é ela como pensava Proudhon, inteiramente científica? Não estamos mais seguros que o autor da Justiça. Estabelecemos melhor a distinção do que na política e na moral, é ciência e técnicae o que é ideal moral. O equilíbrio, nome objectivo da Justiça, é certamente uma realidade, mas a crença no magistério da Justiça como regra da vida individual e colectiva, esta crença, como os actos de fé das religiões, permanece um acto de fé. Do mesmo que os fiéis das religiões experimentam apaixonadamente a necessidade de acreditar num Deus transcendente, e chamam a esta crença Verdade revelada, do mesmo os espíritos como o de Proudhon experimentam apaixonadamente a necessidade de acreditar numa Lei imanente ao universo e ao homem que eles baptizam de de Justiça, e que divinizam dando-lhe a caução da mais alta autoridade que conhecem: a Ciência. Por culpa destas crenças o universo e a vida não aparecem mais que um espectáculo absurdo e desprovido de sentido, como alguns não hesitam em proclamar hoje em dia. Um tal cepticismo, um tal niilismo são irrespiráveis pelos espíritos que não podem viver sem dar um sentido à vida, excepto ao universo. O exemplo dum Proudhon, antitético como um Pascal, permanece como uma das escolhas possíveis para sair deste mistério. 1 - Justice, notas e esclarecimentos do terceiro estudo, III, 308-309. 2 - Um dos mais autorizados comentadores de Proudhon, George Gurvitch, publicou logo da elaboração da Constituição, um opúsculo sobre o Direito Social ( Vrin, 1946) que não inspirou muito os Constituintes.

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