É hoje, exactamente, que Richard Wagner faria 200 anos. Na Alemanha, a data está a ser celebrada um pouco por todo o país, sendo Bayreuth o local oficial dos festejos, com um concerto no qual, esta noite, o maestro Christian Thielemann irá dirigir obras do compositor à frente da Orquestra do Festival de Bayreuth e ao lado de um conjunto de renomados solistas. De seguida, três obras de juventude - "Die Feen", "Das Liebesverbot" e "Rienzi" - serão apresentadas ao mesmo tempo na Ópera de Leipzig e no Bayreuth's Oberfrankenhalle.
Estas são, de resto, duas das cidades mais importantes na vida de Wagner: Bayreuth foi o local onde este erigiu o teatro que, desde 1876, acolhe um Festival inteiramente dedicado à sua música; Leipzig o lugar onde nasceu. Ali, em 1813, cresceu como o nono filho de um funcionário da polícia, que faleceu meses após o seu nascimento, sendo criado pelo segundo marido da mãe, Ludwig Geyer. Até aos 14 anos, Wagner pensou que partilhava este apelido.
De resto, de Geyer acabaria por herdar o seu amor pelo teatro. Fixados em Dresden, frequentou a escola Wetzel de Possendorf, onde iniciou os estudos de piano. Conta-se que dificilmente conseguia tocar uma escala, ainda que fosse capaz de interpretar, de ouvido, todo o tipo de aberturas teatrais.
Pela altura em que Geyer morreu e Richard continuou a instrução na Escola Kreutz de Gramática, este sonhava com ser dramaturgo e chegou a escrever uma tragédia, fortemente influenciada por Goethe e Shakespeare. Tinha 13 anos. Quando a família regressou a Leipzig, Wagner insistiu em continuar as aulas de música.
A génese do compositor
As primeiras lições de harmonia foram dadas por Christian Gottlieb Müller, em 1828. E, nesse ano, ouviu pela primeira vez as Sinfonias de Beethoven, que se tornou numa referência crucial. Três anos depois, ingressou na Universidade de Leipzig enquanto recebia lições de composição do Kantor da Igreja de São Tomás, Theodor Weinlig.
Em 1832, Wagner escrevia a sua Sinfonia em Dó Maior, com forte influência de Beethoven, tocada em Praga e em Leipzig. Um ano mais tarde, obteve a posição de maestro do coro no teatro de Würzburg e compôs a sua primeira ópera completa, "Die Feen", no estilo de Weber. Tinha então 20 anos.
Para a Ópera de Magdeburg, onde por pouco tempo foi director musical, compôs "Das Liebesverbot", que teve estreia em 1836 mas redundou num fracasso. Foi nessa altura que Wagner casou com Christine Wilhelmine Planer (Minna). Esta abandonou-o, regressando pouco depois. A relação entre ambos nunca se recompôs, ainda que se tenham mantido juntos, tortuosamente, nas três décadas seguintes. Perseguidos pelas dívidas, Riga e Paris acolheram-nos antes de se estabelecerem em Dresden, onde residiram entre 1842 e 1849.
No período de Dresden, Wagner estreou "Rienzi", composta em 1840, "O Holandês Errante", de 1843, e "Tannhäuser", escrita em 1845, as suas primeiras obras-primas. Mas o seu envolvimento com a insurreição gorada de maio de 1849 forçou-o a fugir de novo, mudando-se para Zurique, onde viveu até 1958. Antes de partir, porém, dirigiu-se ao seu amigo Franz Liszt para lhe entregar a ópera "Lohengrin", já concluída. Liszt viria a estreá-la em Weimar, em 1850. Foram tempos precários e economicamente difíceis, em que o compositor esteve à margem do mundo musical alemão.
Mas, em Dresden, havia iniciado a composição daquilo que se transformaria na tetralogia "O Anel do Nibelungo", e Wagner continuou com o projecto. Escreveu igualmente alguns ensaios como "A Obra de Arte do Futuro", no qual aprofunda a sua visão da ópera como Gesamtkunstwerk (obra de arte total), "Ópera e Drama" ou "O Judaísmo na Música", um texto polémico de ataque aos compositores judeus e que evidencia aquilo que, porventura, ensombra ainda a figura de Wagner: o seu anti-semitismo. Ao diário alemão "Die Welt", Katharina Wagner, bisneta do compositor, disse que gostaria de ter podido perguntar-lhe a razão do seu "terrível anti-semitismo, o qual lança sobre ele uma sombra, denegrindo ainda hoje o seu trabalho".
Em finais de 1853, começa a dar forma a "O Ouro do Reno", o prólogo da tetralogia, compondo "A Valquíria" em 1854. "Siegfried" viu os seus primeiros actos em 1856, mas foi abandonada em prol de "Tristão e Isolda", um dos seus mais importantes trabalhos, considerado como o início da modernidade na música. A sua originalidade como compositor estava então no seu auge, com a defesa de que, na ópera, a música devia estar ao serviço do drama.
Regresso ao país natal ao fim do exílio
Quando, em 1861, Wagner voltou à Alemanha, fixando-se em Biebrich (Prússia), o seu casamento havia chegado ao fim. "Os Mestres Cantores" começou a ser esboçada, mas em 1864 a sua carreira viria a sofrer uma viragem, quando o rei Luís II da Baviera o convidou a Munique, pagou as suas dívidas e promoveu a representação de "Tristão e Isolda", que inutilmente Wagner havia tentar produzir em Viena, "Os Mestres Cantores" e as quatro óperas que configuram "O Anel do Nibelungo".
A estreia da primeira, em 1865, foi dirigida pelo maestro Hans von Bülow, cuja esposa, Cosima, filha de Liszt, se envolveu amorosamente com o compositor. O escândalo motivou que o rei instalasse Wagner em Tribschen, perto de Lucerna. E finalmente divorciada de von Bülow, Cosima casou com Wagner em 1870.
Foi então que este conseguiu concluir "O Anel", ao qual já dedicara 25 anos da sua vida. "Siegfried" foi acabada em 1871 e "O Crepúsculo dos Deuses" em 1874. E se o rei forçou que algumas destas obras fossem tocadas, Wagner almejava levar o ciclo inteiro para um palco novo, um teatro especialmente desenhado que acolhesse as suas ideias estéticas.
A pequena povoação de Bayreuth parecia ideal para o efeito e a casa de ópera, sede do Festival de Bayreuth, acolheu a tetralogia em 1876, mantendo-se até hoje o palco principal das óperas do compositor.
Em 1877, a sua última ópera, "Parsifal", ainda iria ser escrita, em grande parte em Itália, para onde a sua já frágil saúde o fez passar longas temporadas. Logo após a estreia, em 1882, a família Wagner viajou a Veneza. Ali faleceu em fevereiro de 1883, de uma crise cardíaca, deixando uma extensa produção que marcaria toda a música posterior.