O
anúncio da greve de professores às reuniões de avaliação e a um exame nacional
veio pôr a nu o país que temos. Um país de faz de conta.
Fica
bem, democraticamente bem, dizer que “a greve é um direito”. Mas quando os
professores anunciam uma greve (a medida mais radical de contestação, que se
usa quando todas as outras se esgotaram) o democrático verniz estala. Um
profissional da política (daí, um dos responsáveis pelo estado do país e das
contas públicas), agora emboscado no comentário televisivo, acusa os
professores de desrespeitadores e de criminosos. Ministros e deputados
vociferam, diariamente, nos meios de comunicação social, incendiando a opinião
pública, que educam à medida da sua manipulação.
O
Governo lançou uma campanha espantosa de diabolização da greve dos professores,
em particular à do exame a Português, transformando os alunos nos pobres
cordeiros sacrificados à voragem do lobo mau. Como se o Governo, até à data, não
tivesse feito mais do que lançar medidas que prejudicam as famílias e, muito
particularmente, os jovens. Como se o Governo, até à data, na Educação, não
tivesse lançado medidas com efeitos muito mais gravosos do que uma greve a um
exame nacional pode causar. Mais uma vez, o Governo quer
desviar o ónus da responsabilidade para os bodes expiatórios do costume… os
professores. E há muita “opinião pública” que embarca neste discurso – ainda
merecerá um estudo aprofundado a análise desta patologia que, recorrentemente,
acomete a população sempre que os professores são assunto.
A
degradação das condições de trabalho contra a qual os professores lutam não só
põe em causa a qualidade do ensino atual (não, Sr. Ministro, não é o mesmo
ensinar a 15 ou a 30 alunos, por mais fabulosos que sejam os métodos e
competente seja o professor) como compromete perigosamente a
qualidade do ensino no futuro: quem serão os professores do
futuro, quando os que se formam atualmente (ou de há dez, quinze anos para cá)
são enxotados do ensino? quem serão os professores do futuro, quando os
bons estudantes são aconselhados a não seguir uma profissão que,
garantidamente, não tem futuro de emprego e é cada vez mais desvalorizada
e enxovalhada na sociedade?
Gostaria
que algum senhor deputado, daqueles que estão tão indignados com a greve dos
professores, me respondesse, aqui mesmo, neste espaço, frontalmente, a uma
questão, se
é que alguma vez descem da redoma onde se refugiam e isolam das pessoas que
dizem representar para falar com elas.
Responda-me,
pois, honestamente (e esta questão lanço-a também a todos os pais, a todos os
portugueses): o seu filho é um bom aluno, está no 12º ano, e diz-lhe que
quer ser professor de Biologia. Ou de Filosofia. Ou professor do primeiro
ciclo. Ficará tranquilo com essa escolha?
Achará, honestamente, que é uma boa escolha?
Tenho
duas filhas, uma no 8º e outra no 10º ano. Nenhuma delas quer ser professora.
Não por não reconhecerem valor à profissão (conhecem o meu trabalho e sabem
reconhecer o dos seus professores), mas porque sentem que a profissão não é
reconhecida. Muito menos valorizada, não só financeiramente, mas socialmente.
Insurgem-se contra os comentários que veem na televisão, por exemplo, a
propósito desta greve. Como se a mãe fosse a criminosa que o senhor Marques
Mendes diz que ela é, por fazer greve, como se a mãe não tivesse os mesmos
direitos que um varredor, um médico, um motorista, quando fazem greve. Como se
a mãe fosse uma cidadã menor. E elas não querem isso para elas. E eu, apesar de
gostar da minha profissão, também não quero isto para elas.
E
assim, senhores deputados, senhores ministros, meus caros concidadãos, estamos
a caminhar para um futuro muito mais prejudicial para muitos mais alunos do que
aqueles que vão fazer agora exame. Caminhamos
para um futuro sem professores. E
aqueles que houver, serão os menos qualificados, incapazes de entrar num curso
“melhor”. Que
ensino será, então, o nosso, com esses professores? Que será, então, dos nossos
alunos?
Percebem
agora o perigo do caminho que se está a seguir? Quem anda, afinal, a causar
verdadeiramente prejuízo aos alunos?
por Fátima Inácio Gomes, professora de português