quinta-feira, outubro 03, 2013

Eleições autárquicas 2013. No regresso da romaria, tudo como dantes



1 - Caciquismo

O sistema partidário é um corpo social à parte, fechado, agressivo e excludente face ao exterior que o rodeia; essa atitude visa a sua manutenção como casta beneficiária da intermediação na engorda dos capitalistas em geral e do sistema financeiro em particular à custa do saque de quem trabalha. Gera leis para si, para a sua reprodução, ocupa o espaço mediático, reserva para si o exercício da gestão da res publica, controla as burocracias, manipula as contabilidades, lambe-se com mordomias e procura manter distanciados 97% da população do exercício de funções públicas, tomada como um manso rebanho mesmo quando lhe rouba o pasto.

Quando não são criadas condições para o exercício da democracia, quando os eleitos, uma vez no poder, ignoram ou desprezam os interesses das pessoas ou as promessas feitas, o mandato conseguido em eleições perde legitimidade. Quando aos eleitores não podem retirar o mandato aos eleitos façam estes o que fizerem, quando a casta política afasta liminarmente a possibilidade do voto em pessoas e não em partidos/gangs, o mínimo que se pode dizer é: onde está a democracia?

Assim, votar é, de facto, ajudar à reprodução da casta, legitimar o folclore eleitoral que mantém a situação de não-democracia e a menoridade política da maioria da população, que se pretende um vasto conjunto de eunucos políticos para que o sistema de saque (com ou sem troika) se perpetue. Assim, como nunca se vota em abstrato, votar é votar na casta e prolongar a velha tradição caciquista portuguesa; é manter um sistema político que de democrático pouco mais tem que o nome, na maioria dos casos, mesmo quando se volta em máscaras denominadas “independentes”.

Em suma, dirigir o voto é perpetuar o caciquismo, o apoio aos agentes da putrefação do sistema político mesmo quando se afirma o apoio aos pequenos partidos contra os grandes ou o voto útil em uns contra os outros, nos da oposição (nacional ou local) contra a governação.


2 - Sebastianismo

O sistema está-se nas tintas para os votos nos pequenos partidos ou nas oposições como manifestação de um protesto que só serve para aplacar a má consciência ou o conforto do conservadorismo do eleitor. O que mais evidencia a falta de credibilidade do sistema actual não é o voto mas, a rejeição do sistema.

E por isso, em vésperas de actos eleitorais o desqualificado PR apela ao voto e até nas caixas MB aparecem recordatórias sobre a romaria eleitoral. À saída das urnas - até o nome, com a sua conotação fúnebre, revela as exéquias da democracia – lá temos os apelos velados dos chefes partidários captados pelos media. Promovem dias de reflexão numa cínica manifestação de seriedade, depois do massacre da propaganda eleitoral ou não eleitoral durante anos, através de entrevistas, programas com membros da casta que disfarçam tempos de antena, com gauleiters do voto sob a etiqueta de comentadores políticos. Impedem a concorrência do futebol em dia de eleições numa estúpida dotação de respeitabilidade ao acto eleitoral mas, não afastam outros factores de distração das massas – as missas, os centros comerciais, as praias - que, até à data, nunca foram encerradas em dia de romaria eleitoral.

Não votar ou votar branco/nulo constitui uma informal frente de rejeição do sistema político e do seu modelo de representação. Por desmotivação e desinteresse para uns, por expresso protesto para outros.

Claro que o sistema continua a funcionar, impávido, perante o facto da frente de rejeição superar o número dos que dirigiram o voto para listas partidárias ou de independentes (verdadeiros ou falsos), como aconteceu no passado dia 29. Mas nunca deixa de criminalizar, de diminuir, de caluniar quem não vota na casta política. E, até os adjuvantes da casta que nem se sentam à mesa dos orçamentos, como os ingénuos sem partido que consideram o voto dirigido a seitinhas como tendo potencialidades transformadoras, todos carregam na mesma tecla, contra quem se abstêm ou vota branco/nulo.

O problema que existe é que TODOS ficam, votantes no “útil” ou na rejeição do sistema, no dia seguinte, à espera que aconteça alguma coisa; não se reúnem para promover, a prazo – não há mudanças sob a forma de geração espontânea – as transformações, não discorrem coletivamente sobre os contornos de uma verdadeira democracia, não se organizam em redes de contestação e desobediência.

Espera, cada um de nós, que o outro tome a iniciativa, que alguém lidere o processo, dentro da lógica que vem favorecendo o tradicional caciquismo. Como dos caciques nada há a esperar de recomendável, convém ter presente que o imbecil Sebastião nunca voltou de Marrocos, que o corajoso Delgado não ressuscita e que, mesmo o Cristo tarda em regressar para trazer a salvação dos justos.


3 – Democracia? Onde?

O voto ou o não voto são instrumentos de combate, de luta política, tal como o chapéu de chuva que se usa ou não, consoante o tempo. O voto não abarca a democracia nem esta se restringe à colocação de votos em urnas.

O problema em Portugal é o sistema e não um governo – este ou outro - que dele emane. Alguma coisa estava em vias de mudar com estas autárquicas? Cremos que não, a não ser a maior disponibilidade do PS para assumir as suas “responsabilidades” para com a troika, aumentando o número de pontes com o governo, clarificando melhor o que é um ménage à trois. Assim, não votar ou votar branco/nulo é uma das escassas possibilidades oferecidas pelo sistema de nos manifestarmos contra ele e a sua classe política, TODA ela bem unidinha na manutenção do sistema cleptocrático.

Pela primeira vez desde 1975, quem votou em partidos ou em "independentes" somou um número inferior ao de quem não tomou essa opção - 49% contra 51% (57.3% e 42.7%, respetivamente, em 2009). Nos distritos de Lisboa e Setúbal, os não votantes em listas foram 59.1% e 61.8%. respetivamente (49.5% e 52% em 2009). Devemos interpretar isso como um sinal evidente da putrefação do sistema, sendo tudo o mais acessório ou forma de iludir aquela realidade.

A falta de democracia é óbvia, em todo o sistema político e no modelo de representação, a começar pela paródia do recenseamento eleitoral que não merece dos grandes cuidados que a classe política coloca no apuro das bases de dados do Fisco; é que estas últimas, são essenciais para o saque, para controlar os rendimentos do trabalho e dos pensionistas mas, bem mais tolerantes para com capitalistas
.

A classe política borrifa-se na democracia. Há 700 mil a um milhão de eleitores fantasmas mas, isso até lhes convém pois o número de vereadores (gente dos partidos) é assim aumentado, artificialmente, em muitos sítios.

Onde está a democracia quando um grupo partidário tem maioria absoluta (!) com 16.2% em Setúbal, 22.9% em Lisboa ou 28% em Braga? Lembram-se que o Cavaco foi eleito com 23%, como presidente de "todos" os portugueses? Têm estado atentos à sua maléfica atuação para com a multidão? Nos próximos quatro anos, nas autarquias, grupos restritos, fechados como gangs, irão consultar os eleitores para alguma coisa ou, vão atuar como se os haveres comuns da autarquia sejam sua propriedade?

Eles elegem-se com qualquer número de votos. Cantam vitórias e disfarçam derrotas com um mesmo focinho sorridente.

Vejamos. Face a 2009, o PS teve menos 280000 votos, o PSD menos 430000, o CDS menos 20000, o BE menos 46000, as várias coligações com o PSD e/ou o CDS não tiveram variação e quem ganhou foram apenas os "grupos de cidadãos" (+120000) e o PC (+13000). E convém não esquecer que muitos independentes não passaram de máscaras partidárias (por exemplo, Porto, Sintra e Oeiras, onde a população se mostrou solidária com um confirmado corrupto).

Eleições autárquicas em Portugal são uma fraude:

1 – Não beliscam a ligação corrupta entre autarcas e seus partidos com os negócios imobiliários e com os bancos;

2 - Não há possibilidade de as pessoas apearem nenhum autarca que tenha  sido eleito, por mais idiota ou corrupto que se mostre;

3 -Está montada a arquitetura que permite aos dinossauros saltitões perpetuarem-se em suas funções e mordomias autárquicas, como se autarca fosse profissão;

4 -  Na realidade, só partidos (ou grupos por eles construídos) é que podem participar em eleições autárquicas, não sendo fácil ultrapassar as barreiras administrativas, nem a concorrência dos gangs instalados por parte de outsiders;

5 - Vota-se em grupos fechados, verdadeiras seitas ou mafias e, não em pessoas; nem sequer se pode riscar um elemento suspeito numa lista apresentada a votos;

6 – As castas políticas mantêm as mordomias (algumas, legalmente secretas) sem qualquer pudor ou respeito perante os cortes que atingem o grosso da população e que passam pela assinatura de algumas delas;

7 - Não há transparência na gestão autárquica nem sequer uma real prestação de contas. Que controlo democrático existiu para evitar o endividamento das câmaras? Que controlo democrático há com a redistribuição do IRS devolvido pelo Estado?;

8 - Não há qualquer forma de tomada de decisão pela população sobre questões concretas e significativas (apenas a aldrabice do orçamento participativo e apenas onde o gang local quiser aplicar);

9 -   Não há referendos locais, naturalmente, pois a classe política é intocável e portadora de toda a sapiência

10 - A manutenção do sistema atual é firmemente sustentada pelo "bando dos 5", o pentapartido;

Posto isto, quem não dirige o seu voto para gangs partidários ou suas máscaras - não votando, ou votando branco/nulo - favorece a direita? É irresponsável? Quem vota na esquerda do sistema molesta os gangs à sua direita? Alguém acha seriamente que o verme Passos vai pensar nos resultados eleitorais autárquicos antes de avançar, em breve, para novos assaltos ?