A pergunta sobre o
sentido da política e a desconfiança em relação à política são muito antigas,
tão antigas quanto a tradição da filosofia política. Elas remontam a Platão e
talvez até mesmo a Parménides e nasceram de experiências muito reais de
filósofos com a polis: significa
a forma de organização do convívio humano, que determinou, de forma tão
exemplar e decisiva, aquilo que entendemos hoje por política que até mesmo a
nossa palavra para isso, em todos os idiomas europeus, deriva daí.
Tão antigas quanto a
pergunta sobre o sentido da política são as respostas que justificam a
política; quase todas as classificações ou definições da coisa política que
encontramos na nossa tradição são, quanto ao seu conteúdo original,
justificações. Falando de maneira bastante geral, todas essas justificações ou
definições têm como objectivo classificar a política como um meio para um fim mais
elevado, sendo a determinação dessa finalidade bem diferente ao longo dos
séculos. Contudo, essa diferença também pode ser reduzida a algumas poucas
respostas básicas, e o facto de assim ser indica a simplicidade elementar das
coisas com as quais temos de lidar aqui.
A política, assim
aprendemos, é algo como uma necessidade imperiosa para a vida humana e, na
verdade, tanto para a vida do indivíduo
como da sociedade. Como o homem não é autárquico, porém depende de outros na
sua existência, precisa haver um provimento da vida relativo a todos, sem o
qual não seria possível justamente o convívio. Tarefa e objectivo da política é
a garantia da vida no sentido mais amplo. Ela possibilita ao indivíduo procurar
os seus objectivos, em paz e tranquilidade, ou seja, sem ser incomodado
pela política — sendo antes de mais nada indiferente em quais esferas da vida
se situam esses objectivos garantidos pela política, quer se trate, no sentido
da Antiguidade, de possibilitar a poucos a ocupação com a filosofia, quer se
trate, no sentido moderno, de assegurar a muitos a vida, o ganha-pão e um
mínimo de felicidade. Como além disso, conforme Madison observou um dia,
trata-se nesse convívio de homens e não de anjos,5 o provimento da vida
só pode realizar-se através de um Estado, que possui o monopólio do poder e
impede a guerra de todos contra todos.
Comum a essas
respostas é o fato de elas se julgarem naturais, de que a política existe e
existiu sempre e em toda parte, onde os homens convivem num sentido
histórico-civilizacional. Para esse carácter natural, costuma-se recorrer à
definição aristotélica do homem enquanto ser político, e esse recurso não é
indiferente porque a polis determinou
de maneira decisiva, tanto em termos de idioma como de conteúdo, a concepção
europeia do que seria política originalmente e que sentido ela tem. Tampouco é
indiferente porque a citação de Aristóteles baseia-se num equívoco também
bastante antigo, embora pós-clássico. Aristóteles, para quem a palavra politikon era de fato um adjectivo da
organização da polis e não uma designação qualquer para
o convívio humano, não achava, de maneira nenhuma, que todos os homens fossem
políticos ou que a política, ou seja, a polis, houvesse em toda parte onde viviam
homens. Da sua definição estavam excluídos não apenas os escravos, mas também
os bárbaros asiáticos, os reinos de governo despótico, de cuja qualidade humana
não duvidava, de maneira alguma. Ele julgava ser apenas uma característica do
homem o facto de poder viver numa polis e que essa organização da polisrepresentava a forma mais
elevada do convívio humano; por conseguinte, é humana num sentido específico,
tão distante do divino que pode existir apenas para si em plena liberdade e
independência, e do animal cujo estar junto, onde existe, é uma forma da vida na
sua necessidade. Portanto, a política na acepção de Aristóteles — e Aristóteles
não reproduz aqui, como em muitos outros pontos dos seus escritos políticos, a
sua opinião sobre a coisa, mas sim a opinião compartilhada por todos os gregos
da época, embora em geral não articulada — não é, de maneira nenhuma, algo
natural e não se encontra, de modo algum, em toda parte onde os homens
convivem. Ela existiu, segundo a opinião dos gregos, apenas na Grécia e mesmo
ali num espaço de tempo relativamente curto.
Hannah Arendt