«Os
ricos vivem da existência de pobres. Os poucos muito ricos vivem da existência
de muitos muito pobres. O Padre António Vieira disse-o desta forma: "Não só vos comeis uns aos outros, senão que os
grandes comem os pequenos. Se fora pelo contrário, era menos-mal. Se os
pequenos comeram os grandes, bastara um grande para muitos pequenos; mas como
os grandes comem os pequenos, não bastam cem pequenos, nem mil, para um só
grande."
Sermão aos Peixes de António Vieira
O país tomou
conhecimento de que, em pleno coração da crise que está a condenar vidas em
série ao desespero, as 25 maiores fortunas portuguesas foram valorizadas em 16%
ao longo do último ano. Elas somam actualmente 16,7 mil milhões de euros, 3,3
mil milhões mais que o ano passado. 25 fortunas valem hoje 10% do produto
nacional, 1,6% mais que há um ano.
Na
semana em que o Governo aprovou o Orçamento mais agressivo das pessoas de que
há memória no pós 25 de Abril, ficámos a conhecer os rostos e os nomes de
quem está a ganhar mais com esta política. Essa coincidência no tempo traz-nos
de volta a reflexão incómoda do Padre António Vieira: "A diferença que há
entre o pão e os outros comeres é que para a carne há dias de carne, e para o
peixe dias de peixe, e para as frutas diferentes meses do ano; porém, o pão é
comer de todos os dias, que sempre e continuadamente se come: e isto é o que
padecem os pequenos. São o pão quotidiano dos grandes; e assim como o pão se
come com tudo, assim com tudo e em tudo são comidos os miseráveis
pequenos."»