A habitação, o direito de todos os cidadãos a um tecto, o ordenamento do território como valor essencial a preservar em qualquer país com aspirações a destino turístico, as eternas clientelas que orbitam ao redor de um arco que tudo sacrifica para as beneficiar, a questão fiscal. “Há cada vez mais sem abrigo num país com 1 milhão de casas vazias”, titula o Público em jeito de balanço dos últimos quase 50 anos deste emaranhado de interesses.
Temos um Estado que tem imóveis devolutos mas que não tem uma bolsa de habitação social capaz de responder ao número crescente de novos pobres que são despejados na rua pelas políticas de depauperação de mais um Governo que enriquece uma elite em função do sacrifício de todos os demais, incluindo o próprio interesse nacional.Temos um Estado que justifica abdicar da cobrança de qualquer imposto ao maior proprietário imobiliário do país com a obra social da Igreja Católica, mas que lhe permite ter imóveis vazios de pessoas, cheios da mesma insensibilidade social que convive alegremente com a existência de concidadãos sem tecto.
Temos uma fiscalidade ao serviço da especulação imobiliária, que não tributa diferenciadamente imóveis habitados e imóveis desabitados para não criar uma pressão vendedora que faz cair os preços, medida do interesse do cidadão sobrecarregado com impostos mas contrária aos interesses de sociedades imobiliárias que, ao invés de penalizadas, ainda são incentivadas e protegidas através de reduções fiscais em sede de IMI e de IRC. O interesse dos cidadãos é também sacrificado em benefício de uma teia de prosperidades geradas com a construção de selvas de caixotes de betão ao redor das nossas cidades, que, tal como as estradas e auto-estradas para chegar até lá, não existiriam se os poderes públicos não tivessem dado, continuam a dar, à especulação plena liberdade para fixar preços exorbitantes para os imóveis dos centros desertos.
Temos um regime de licenciamento de construção de prédios urbanos completamente independente das necessidades de habitação das populações, que desde 1965 permite construir aqui ou ali, com 2 ou com 10 andares, avançar para novos bairros com ruas estreitas ou com avenidas largas, sem qualquer planeamento e sem qualquer critério que não o de proporcionar rendas e lucros especulativos.
Temos um regime de propriedade que isenta os proprietários do pagamento dos danos causados ao país pela sua incúria, tais como os custos inerentes ao alongamento dos trajectos casa-trabalho e centros cada vez mais degradados e desertificados que, juntamente com o ordenamento do território que eles valorizam e nós não, oferecemos aos turistas que nos visitam como convite para não voltarem.
E temos uma cultura cada vez mais individualista que contempla este e outros milagres económicos impávida e serena, de preferência da janela LED full HD do castelo altaneiro. Da casinha própria, pois então, que podia custar metade, mas não seria a mesma coisa, sobretudo se custasse menos do que a casota do vizinho. Somos escravos da prestação do crédito à habitação que o banco nos faz sumir da conta todos os meses. Deixámos de conviver nas nossas praças, nos nossos jardins, no café da esquina, que por isso mesmo, por terem deixado de ser NOSSOS, deixaram também de nos interessar se estão ou não a cair de podre. Substituímo-los por visitas periódicas a paraísos do consumo com regras e padrões comportamentais fixados por Belmiros que fazem o favor de nos deixar entrar. Somos um mais um mais um, um aqui e outro ali, dispersos no espaço, , sem relações de vizinhança, sem semtimento de pertença e, consequentemente, sem ideais colectivos. Um galinheiro para cada família de galinhas. O melhor povo do mundo deixou-se domesticar.
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