O vendedor de novas Marques Mendes disse ontem na SIC que o Governo "já tem um número" para os cortes no próximo ano e revelou um valor que oscilará entre os 1500 e os 1700 milhões de euros. Grande novidade nos dá. Basta olhar para as metas sucessivamente revistas do memorando cuja aplicação alegadamente terminará no próximo mês de Maio, ou para o tecto de -0,5% do PIB fixado para o défice "estrutural" pelo pacto orçamental aprovado no Parlamento por PSD, PS e CDS, ou para os excedentes orçamentais de 3% que, conjuntamente com crescimentos anuais de 4% durante as próximas duas décadas, são condição necessária para tornar pagável a dívida impagável que os mesmos três partidos não querem renegociar. Todos eles apontam para duas décadas de cortes em cima de cortes, pelo que o mexerico de Marques Mendes apenas surpreenderá quem ande realmente distraído.
E não devem ser assim tão poucos como isso. No mesmo dia, o vendedor de esperança António José Seguro deu a mesma novidade aumentada em apenas 300 milhões de euros e antecipada em meio ano, acusando o Governo de ter uma agenda escondida de 2 mil milhões em cortes a aplicar depois das eleições para o Parlamento europeu. Mas afinal o que faria Seguro se fosse Primeiro-Ministro? Seguro diz que não quer mais cortes, o que é bastante diferente de se comprometer em não prosseguir com a mesma austeridade que critica nos outros e que terá que seguir ao recusar qualquer renegociação da nossa dívida. O mesmo relativamente à recuperação de salários e pensões, que tanto o seu cabeça de lista às europeias como aquela réplica de Gaspar que foi desencantar à Metro Mondego para o assessorar em questões económicas tinham garantido na véspera não serem possíveis de forma nenhuma e que, para emendar a mão sem nunca os contradizer, Seguro dá agora forma de "serão as prioridades de um Governo PS quando for possível".
E o que será lá isso de "quando for possível"? O mesmo Seguro que na oposição encontrou inconstitucionalidades em cortes vendidos pelo Governo como excepcionais e transitórios diz que quando for Primeiro-ministro estes cortes apenas deixarão de ser definitivos – e a normalidade constitucional apenas será restabelecida – quando for possível, isto é, quando se verificarem em simultâneo duas originalidades anos a fio: um superavit orçamental de 3% e um crescimento económico de 4%. Tal como a recuperação económica e o equilíbrio das contas públicas prometidas por Pedro Passos Coelho e Paulo Portas, O "quando for possível" de Seguro está marcado para dia de S. Nunca logo pela manhãzinha. Muito antes, e se quisermos falar em agenda escondida, a revisão constitucional que enterrará de vez o 25 de Abril é possível fazê-la quando Seguro chegar a um consenso com Passos Coelho quanto àquele alfarrábio que fala em democracia só servir para atrapalhar e enervar os mercados.