quarta-feira, abril 02, 2014

Futuro zero

Com a aproximação da data de partida oficial da troika e sobretudo com novas eleições no horizonte, o governo e os seus porta-vozes inauguraram o discurso da “recuperação económica” como prova do “êxito” das medidas de austeridade.
O ministro da economia, Pires de Lima, foi um dos pioneiros desta nova linha de propaganda. Mas, para além da insegurança e da precariedade dos dados em que a conversa se baseia — sublinhadas de resto por fontes tão insuspeitas como o FMI — é o próprio discurso do ministro que revela a fraqueza do que é dito e das circunstâncias em que a falada “recuperação” se processa.
Em entrevista ao Público no princípio de Janeiro, Pires de Lima, reconheceu ter perdido a batalha para baixar o IVA da restauração, por que se batera antes de ser ministro. Garantiu que gostaria de ter aumentado o salário mínimo, mas não pode ser. E que teria sido bom baixar o IRS, mas também não pode ser. E explicou que não se governa o país como se gere uma empresa.
Mas não foi ele, e outros como ele, que reclamaram para a pasta da Economia alguém com prática empresarial, conhecedor “do país real”? Não defenderam, ele e outros, o alívio da carga fiscal para “relançar” a economia? Qual foi o muro contra o qual esbarraram as enérgicas propostas do gestor antes de ser ministro?
O próprio entrevistado se encarrega, talvez sem querer, de dar a resposta. A decantada retoma económica do país resume-se ao crescimento das exportações e à queda das importações por redução do consumo interno. Por isso, diz Pires de Lima, “vai demorar” até que as pessoas sintam “melhoria real”, porque “uma coisa é a recuperação das empresas, outra é a vida das pessoas”. Exacto: uma coisa é a recuperação (de alguns sectores) do capital, outra coisa oposta é a melhoria das condições de vida dos assalariados do capital.
Também por isso, prossegue Pires de Lima, os que foram despedidos pela falência das empresas viradas para o consumo interno ficarão “desempregados durante muito tempo”. O resto da vida? Para muitos sim, como demonstram os números do desemprego que apontam uma subida do desemprego de longa duração.
Por isso ainda, diz o ministro, resta ao governo “preocupar-se” em assegurar “o mínimo de dignidade humana” a essas pessoas, a quem o ministro chama “os excluídos desta transformação económica”. O mínimo, portanto, para pensões de reforma, serviços de saúde, educação, subsídio de desemprego — tarefa de que se encarrega o colega da Segurança Social, o também “social-cristão” Mota Soares. É nessa direcção que apontam os novos cortes anunciados de 2 mil milhões de euros, parte substancial deles correspondentes a mais reduções nas prestações sociais, entre elas as pensões.
Dito por outras palavras: a recuperação económica de que o governo fala é apenas o êxito do capital que não se afoga na crise. Esse capital salva-se pela razão de que muitos outros meios de produção são eliminados, muitos trabalhadores são despedidos e os restantes sofrem uma quebra geral de salários e de condições de vida. Que futuro oferece este capitalismo? Zero.