Questionário na Internet foi respondido por 1820 pessoas. Só cerca de um quinto dos investigadores que responderam já teve um contrato de trabalho.
O inquérito feito pela Associação de Combate à Precariedade
– Precários Inflexíveis (PI) aos investigadores conclui que quase 46,4% dos
investigadores que responderam ao questionário tem vontade de emigrar ou já
emigrou. Segundo os resultados divulgados nesta quarta-feira, das 1820 pessoas
que participaram no inquérito, apenas 22,2% disseram ter tido um contrato de
trabalho na área da investigação – portanto, 77,8% nunca tiveram um contrato.
O
inquérito dedicado à comunidade científica, que esteve disponível no site
dos PI para ser respondido entre 12 de Fevereiro e 11 de Março deste ano,
estava aberto a quem quisesse participar. Na altura, a associação lançou o
questionário em resposta às declarações de Miguel Seabra, presidente da
Fundação para a Ciência e a Tecnologia (FCT), numa entrevista dada em Janeiro
ao PÚBLICO, na qual descrevia as dificuldades de reunir dados sobre o número de
bolseiros a trabalhar em Portugal.
“Este interesse dos actuais decisores políticos em esconder
a precariedade no trabalho científico e a emigração que esta provoca merece uma
resposta”, lia-se, na altura, no site dos Precários Inflexíveis.
Não é possível saber a proporção de pessoas que responderam
em relação ao tamanho da comunidade científica portuguesa. Mas, para se ter
algum enquadramento, basta dizer que a FCT deu 1875 bolsas de doutoramento e de
pós-doutoramento no concurso de 2012 e no concurso de 2013 concorreram 2305
investigadores só às bolsas de pós-doutoramento.
Ao inquérito, responderam desde professores universitários
até técnicos que apoiam a investigação, mestrandos e desempregados. No entanto,
os doutorandos (32,7%) e pós-doutorandos (25%) representaram mais de metade da
população que respondeu ao inquérito. Todas as áreas do saber estão
representadas.
12% dos doutorados desempregados
Dos inquiridos, 900 pessoas já estiveram desempregadas em
algum momento das suas vidas, e cerca de metade destas pessoas já estiveram
mais de seis meses desempregadas. “Considerando que 715 destas pessoas
indicaram nunca ter tido acesso a um contrato de trabalho na área da
investigação, inferimos que 79,5% destes investigadores não tiveram acesso a
protecção social quando estiveram numa situação de desemprego”, lê-se no
relatório.
Entre os investigadores bolseiros que responderam ao
inquérito, num total de 1254 pessoas, há 50,2% a acumular bolsas há mais de
cinco anos, o equivalente a 630 cientistas. Destes, 200 investigadores têm
bolsas há mais de dez anos e 20 são bolseiros há mais de 15 anos.
Dos investigadores que já completaram o doutoramento e não
emigraram (660 pessoas), 12% estão desempregados, 59% têm uma bolsa, 28% têm um
vínculo laboral e 1% estão a investigar sem receber dinheiro.
Em relação à intenção de emigrar, 33% dos inquiridos
responderam que estão a pensar em emigrar, 13,4% já emigraram, 33,1% disseram
estar indecisos e apenas 20,4% responderam negativamente. Segundo o inquérito,
quem não tem um vínculo laboral, incluem-se aqui os bolseiros, pensa mais em
emigrar (39,1%) do que ficar no país (21,5%) em relação a quem tem vínculo
laboral. Neste último grupo, 38,8% diz não pensar emigrar, enquanto 30,8% pensa
em emigrar e 30,3% está indeciso. “A precariedade associada à condição de
bolseiro é um factor decisivo na escolha pela emigração”, lê-se no relatório.
“Os resultados deste inquérito demonstram que a estratégia
de desenvolvimento e sustentabilidade do edifício científico desenvolvida nos
últimos anos revela grandes fragilidades, tendo sido conseguida à custa da
precarização do sector”, lê-se no relatório. “A chamada ‘fuga de cérebros’ é
uma realidade grave e um fenómeno já de enorme dimensão.”