Este texto foi escrito há vinte anos atrás sobre o 25 de Abril. Hoje, não há palavra alguma a acrescentar a esse texto. Por isso o (re)publico tal e qual como está!
Euforicamente
desde o início do ano, por parte da classe política coadjuvada pelos meios de
comunicação social de dimensão nacional à evocação, quiçá, sublime, por parte
de quem materialmente lucrou com a Revolução, aos vinte anos do 25 de abril.
Façamos nós também, aqui e agora, um balanço daquilo que foi, paradoxalmente
falando, a revolução feita com cravos.
O
golpe militar de à vinte anos, porque foi disso que se tratou, foi desejado por
diferentes sectores políticos e pela burguesia ansiosa pela integração do país
no capitalismo ocidental. Apesar de tudo o que se seguiu, o golpe teve origem
no descontentamento dos capitães do exército por razões de salários, de
promoções e pela situação já insustentável da greve colonial.
Na
manhã do 25 de Abril, os militares avisaram a população para ficar em casa a
aguardar os acontecimentos. Porém a população, sai espontaneamente para a rua e
manifesta-se contra o regime derrubado. A Pide foi desmantelada, os seus
elementos presos e foram soltos os presos políticos. Estes foram, sem dúvida,
os momentos mais importantes em termos efectivos de mudança social, juntamente
com a ocupação de terras e de fábricas, uma parte delas abandonadas pelos
capitalistas que entretanto tinham fugido do país financeiramente acompanhados.
Estas mudanças foram curtas no tempo tendo em conta que os responsáveis
políticos juntamente com os pides nunca foram julgados e foram libertos pouco
tempo depois, do mesmo modo que o movimento espontâneo nas fábricas e no mundo
rural foi de curta duração, a partir do momento em que foi enquadrado pelo Partido Comunista. Posteriormente os
capitalistas voltaram, recuperaram as terras e as fábricas e a sua vingança
faz-se ainda hoje sentir...
Vinte
anos volvidos e tentando ser sociológica e históricamente objectivos, o que é
que cada um e todos nós - estamos a falar do cidadão comum - ganhamos, em todos
os sentidos da palavra, com a queda do "ancien régime"? Em todas as
respostas possíveis a palavra liberdade, duma ou doutra maneira, estará
presente. Mas dizer só isto é confundir toda a realidade social, pois esta
liberdade é unicamente no plano político. Social e economicamente continuamos
tão dependentes como antes...
Relembramos
a este propósito um texto de Proudhon: "Sob o ponto de vista bárbaro,
liberdade é sinónimo de isolamento; é-se tanto mais livre quanto menos a acção
for limitada pela acção dos outros... Sob o ponto de vista social, liberdade e
solidariedade são termos idênticos: encontrando a liberdade de cada um na
liberdade de outrém, não um limite... mas um auxiliar, o homem mais livre é
aquele que tiver mais relações com os seus semelhantes."
Se
fizermos um apanhado dos grandes problemas actuais da sociedade portuguesa,
vemos bem como fede, como tresanda a pus, derivado do cancro social que é o
capitalismo selvagem, grande vencedor do 25 de Abril: desemprego, inflacção,
concorrência desenfreada, sistema de saúde nas lonas, previdência social a dar
o berro, corrupção política e económica, miragem europeia, proliferação de
igrejas e profetas, falência da agricultura, a coesão social que conduz ao
aumento da taxa de suicídio, crimes, delinquência juvenil e ao maior número de
desamparados e pedintes.
Escusado
será continuar nesta enumeração. Daí que tenhamos de concluir que as
iniciativas de "solidariedade social" que por aí abundam, por bem
intencionadas que uma pequena parte delas seja, não pode deixar de revoltar as
nossas consciências de libertários, mesmo que não nos consideremos como tal.
"Só serei verdadeiramente livre - já dizia Bakunine - quando todos os
seres humanos que me cercam, homens e mulheres, forem igualmente livres... de
modo que quanto mais numerosos forem os homens livres que me rodeiam e quanto
mais profunda e maior for a sua liberdade, mais profunda e maior será a minha
liberdade... eu só posso considerar-me completamente livre quando a minha
liberdade ou, o que é a mesma coisa quando a minha dignidade de homem, o meu
direito humano... reflectidos pela consciência igualmente livre de todos, me
forem confirmados pelo assentimento de toda a gente. A minha liberdade pessoal,
assim confirmada pela liberdade de todos, estende-se até ao infinito."