sexta-feira, maio 30, 2014

Piketty rejeita acusações do Financial Times

O académico francês, autor do best-seller sobre o capital que tem feito furor, respondeu ponto por ponto às críticas do jornal britânico. Mas admite que a informação disponível sobre a riqueza é limitada para fazer grandes projeções para o futuro e quase ironiza com o caso atual do Reino Unido.

O autor de "Capital no século XXI" atualizou ontem algumas explicações sobre dados usados e escolhas metodológicas no apêndice técnico ao livro que mantém no seu site. Mas reafirmou que as conclusões que apresentou no livro não sofrem beliscadura, nomeadamente que a desigualdade na riqueza aumentou moderadamente desde as décadas 1980-1990 na Europa e ainda mais fortemente nos Estados Unidos em décadas mais recentes.
Essas conclusões tinham sido o pomo da divergência entre Thomas Piketty e o "Financial Times" (FT) na semana passada. Chris Giles, o editor de Economia do jornal britânico, contrapôs na crítica que publicou no dia 23 de maio que a tendência desde os anos 1980-1990 tem sido "plana", baseando-se num conjunto de alegados erros em dados e discordâncias metodológicas no seu tratamento que apontou ao capítulo 10 - Desigualdades na Propriedade do Capital - do livro. No dia em que o FT publicou a crítica, o Expresso publicou uma entrevista com o polémico professor francês.
Thomas Piketty rejeita duplamente a críticas. "Não achei a crítica do FT particularmente construtiva", diz. Rebate a acusação de erros no uso das bases de dados - algo que o colocaria na galeria para que foram empurrados no ano passado Carmen Reinhart e Kenneth Rogoff - e não aceita as correções propostas por Giles, que acha inclusive "em grande parte relativamente menores e que não afetam as evoluções de longo prazo e a minha análise global". E contra-ataca afirmando que as opções metodológicas feitas por Giles "são bastante discutíveis (para dizer o mínimo) ".
Não sou "determinista"
Contudo, Thomas Piketty sublinha que o seu ponto de vista não é "determinista", separando águas com as correntes na economia ou na economia política que assim pensam.
"A principal mensagem que sai do meu livro não é a de que deverá existir sempre uma tendência determinística no sentido de uma crescente desigualdade (eu não acredito nisso). A principal mensagem é que necessitamos de mais transparência democrática sobre as dinâmicas da riqueza, de modo a podermos ajustar as nossas instituições e políticas ao que quer que seja que observemos". Sublinha inclusive: "Deixem-me tornar muito claro que não acredito que a r>g [em que r é a taxa de retorno do capital privado e g a taxa de crescimento do rendimento e do output, o que considera ser a "contradição central do capitalismo"] seja a única força que determina a dinâmica da desigualdade na riqueza. Há muitas outras forças importantes que, em princípio, podem conduzir a desigualdade na riqueza para outras direções".
Concede que poderia ter explicado "mais claramente", tornado "mais explícitas", certas opções que fez ao lidar com séries de dados nos quatro países desenvolvidos analisados (EUA, França, Suécia e Reino Unido) em termos de uso das séries (por exemplo, médias decenais) e de escolhas metodológicas (por exemplo, médias simples em vez de médias ponderadas, ou o uso de técnicas de Pareto para estimativas).
Em alguns pontos, o académico francês acusa o FT de não ter consultado com cuidado a informação técnica sobretudo nas críticas sobre França e de ignorar investigação mais recente como no caso dos EUA, em que a investigação de Emmanuel Saez, da Universidade de Berkeley, e de Gabriel Zucman, da London Business School, confirmam o padrão apontado no livro, que inclusive pecaria por defeito - a tendência recente de crescimento da desigualdade é ainda mais elevada do que Piketty apontava.
Limitações e incertezas na análise
Concede que há "grandes incertezas e limitações na nossa capacidade coletiva de medir a recente evolução da desigualdade nos países desenvolvidos, particularmente no caso da Grã-Bretanha". Piketty acha que "este é um grande desafio para as nossas instituições estatísticas e democráticas".
O professor francês admite que no campo da concentração da riqueza em décadas recentes os dados são limitados e que, por isso, no livro trabalhou com a diversidade e heterogeneidade das séries de dados existentes. Piketty concorda que "as fontes de dados disponíveis sobre desigualdade na riqueza são muito menos sistemáticas do que as que existem sobre desigualdade no rendimento" e que a capacidade para analisar "as tendências mais recentes sobre a desigualdade da riqueza é limitada, sobretudo em virtude do crescimento gigantesco em ativos financeiros transfronteiriços e na riqueza em paraísos fiscais".
Por isso ele propõe uma política fiscal sobre a riqueza, a cooperação internacional e a troca automática de informação bancária como formas de "desenvolver mais a transparência e obter fontes de informação mais confiáveis sobre a dinâmica da riqueza".
O estranho caso do Reino Unido ser mais igualitário do que a Suécia
Thomas Piketty rejeita a opção metodológica de Chris Giles, do Financial Times (FT), ao usar um inquérito recente do Instituto Nacional de Estatísticas britânico sobre a riqueza e ativos que inclusive é experimental e que estima a partir do que os inquiridos auto reportaram. Mas o caso do Reino Unido deixa o francês intrigado: "o que aconteceu à desigualdade na riqueza na Grã-Bretanha em décadas recentes?".
O matemático Carter Price já havia chamado, esta semana, à atenção para a fragilidade da escolha do editor do FT. Piketty, pelo contrário, tinha optado no livro por usar os dados do Her Majesty's Revenue & Customs (a autoridade tributária).
Com base nos dados do inquérito que o FT usa como argumento central para demolir a tese de Piketty, o país da City seria "atualmente um dos países mais igualitários na história em termos de distribuição da riqueza", comenta Piketty. Mais: "a Grã-Bretanha seria muito mais igualitária que a Suécia, e inclusive muito mais do que [aquele país nórdico] alguma vez foi (incluindo na década de 1980). Isto não parece particularmente plausível". O professor francês conclui, por isso, que se trata "de um interessante debate para o futuro, e que todos concordaremos que sabemos pouco sobre ele".
DAQUI