domingo, junho 29, 2014

A excelência da elite financeira

Durante muitos anos ouvimos e lemos rasgados elogios (e auto-elogios) à nossa elite financeira. A prova do merecimento desses elogios era, diziam-nos, a solidez dos nossos bancos, a capacidade de visão e de previsão das suas administrações, o rigor, a exigência e a seriedade da sua gestão. Os nossos financeiros eram colocados no patamar dos melhores do mundo. A sua excelência era inquestionável, garantiam-nos. Quem insistentemente o afirmou foram responsáveis e ex-responsáveis do Banco de Portugal, foram diferentes governantes de diferentes executivos, foram economistas, dos socialmente mais cotados, vários deputados do designado arco da governação, foram jornalistas, em particular os económicos, e foram os próprios financeiros...
Era neste ambiente que os nossos banqueiros não apenas se passeavam pelos corredores do poder com um impressionante à-vontade, como ditavam estratégias a ministros, e como, mais recentemente, ditavam sentenças morais aos portugueses, apontando-lhes o dedo acusatório de terem vivido acima das suas possibilidades e dizendo-lhes, com desfaçatez, que nada mais tinham a fazer senão aguentar o desemprego, o abaixamento dos salários, das reformas e das pensões e o empobrecimento generalizado.
Esta elite, que era apresentada como o paradigma da competência e da competitividade, exemplo que supostamente a sociedade portuguesa deveria venerar e que os jovens deveriam seguir, acabou a expor a pornográfica mentira em que sustentava o seu poder e a sua imagem. Na verdade, esta elite não só não era, nem é, competente nem competitiva, como tinha e tem entre os seus membros uma impressionante miscelânea de indivíduos irrecomendáveis. Exemplos:

- Oliveira e Costa, ex-presidente do BPN, está a ser julgado sob a acusação de ter cometido sete crimes económicos, entre os quais o de abuso de confiança, de burla qualificada, de falsificação de documento e de branqueamento de capitais, com o objectivo de obter poder pessoal e financeiro;
- João Rendeiro, ex-presidente do BPP, está a ser julgado sob a acusação de ter praticado diversos crimes, entre os quais o de falsificação de contabilidade, o de inexistência de contabilidade organizada, o de inobservância de regras contabilísticas que prejudicam gravemente o conhecimento da situação patrimonial e financeira da BPP, o de prestação de informações falsas ou incompletas ao Banco de Portugal;
- Jardim Gonçalves, ex-presidente do BCP, já foi condenado a uma pena suspensa de dois anos e à inibição de actividade no sector financeiro por quatro anos. Foi também condenado pelo Banco de Portugal. O processo judicial continua os seus trâmites;
- Armando Vara, ex-vice-presidente da CGD: está a ser julgado por três crimes de tráfico de influências;
- Ricardo Salgado, presidente do BES, esteve ou está envolvido, como noticia o Público de hoje, em múltiplos casos judiciais: Operação Furacão, Face Oculta, submarinos, Portucalle. Foi também acusado de receber comissões de um cliente construtor e da ocultação de informações contabilísticas aos reguladores.  Para além disto, o BES África apresenta um «buraco» que se situa entre 4 mil a 5,7 mil milhões de euro, e da holdingEspírito Santo International «desapareceram» cerca de 2 mil milhões de euros. Nesta narrativa, para além de «buracos» e de «desaparecimentos», também se registam «esquecimentos» financeiros. Em 2012, Ricardo Salgado «esqueceu-se» de declarar 8,5 milhões euros de rendimentos.
Estes cinco exemplos têm por trás de si dezenas de cúmplices, membros da designada elite financeira, constituídos arguidos e vários deles já condenados.
A estes cinco exemplos de casos de polícia, acrescem os casos de incompetência: BPI e Banif tiveram de se socorrer do Estado para não afundarem, ainda que sobre este último haja dúvidas se, mesmo com essa ajuda, sobrevive.

O cenário é, pois, medonho, mas simultaneamente esclarecedor:
i) a bradada superioridade — de exigência, de rigor, de escrutínio, de capacidade competitiva, de inovação, de resultados — do sector privado sobre o sector público tem aqui mais uma prova da sua falsidade;
ii) a submissão do poder político ao poder financeiro, que há vários anos ocorre, para além de ilegítima, tem como consequência final inexorável o prejuízo do interesse público — quem paga a incompetência e a criminalidade dos banqueiros são os bens públicos.
É obrigatório pôr fim a isto.