terça-feira, outubro 14, 2014

BARBÁRIE GLOBALIZADA

Uma tentativa de entender o fenómeno do "Estado Islâmico".

Mais uma. Mais uma vez, o presidente dos Estados Unidos mobiliza a coligação dos dispostos a entrar em campo contra “o mal" (Spiegel Online). Desta vez é o grupo terrorista "Estado Islâmico" (EI) que deve ser derrotado numa campanha de três anos, em cuja sua primeira fase a Força Aérea dos EUA vai estender os ataques aéreos à Síria. Ao mesmo tempo, a Casa Branca exige ao Congresso a bagatela de 500 milhões de dólares, a fim de "treinar e armar rebeldes sírios moderados", como informou a Reuters.

Esta abordagem faz lembrar uma fase anterior da guerra civil síria, quando os serviços secretos ocidentais, em comunhão íntima com com os despotismos fundamentalistas do golfo, como a Arábia Saudita, apoiaram a oposição síria, apoio a partir do qual surgiu o Estado Islâmico, além de uma variedade de outras milícias islamistas. E naturalmente que dentro do movimento de oposição síria dominam justamente facções fundamentalistas que estão em concorrência com o Estado Islâmico e lutam contra ele.

Um dos principais grupos rebeldes sírios, por exemplo, é a aliança fundamentalista Frente Islâmica, cujo líder Hassan Abboud foi morto recentemente num atentado supostamente realizado pelo EI. A Frente Islâmica representa o maior contingente dentro dos rebeldes sírios – e tem contactos estreitos com o grupo jihadista al-Nusra.

É esta mesma filial síria da Al-Qaeda, o Jabhat al-Nusra, que vem tentando, depois de uma pesada derrota contra o EIdistanciar-se do Estado Islâmico através da libertação de reféns norte-americanos. Consequentemente, esses rebeldes "moderados" de futuro vão completar a sua formação militar no território da democracia de referência que é a Arábia Saudita.

Falando claramente: O Ocidente está mais uma vez em vias de armar islamistas para combater islamistas – e, ao mesmo tempo, prosseguir os seus interesses geopolíticos, que no caso da Síria visam o derrube do regime de Assad. Coloca-se apenas a questão de saber que grupo jihadista, que agora ainda faz parte da "oposição moderada", ficará mais uma vez fora de controlo dentro de alguns anos e terá de ser eliminado por meio duma intervenção militar. O Ocidente, na sua luta de moinhos de vento contra o fundamentalismo islâmico, é como o célebre aprendiz de feiticeiro, que já não se consegue livrar dos espíritos por ele convocados para fins de instrumentalização nesta região abalada pela falência estatal.

Não é só a geopolítica do Ocidente que dá força aos jihadistas. Países ocidentais também servem como um importante campo de recrutamento para o EI. Cerca de 3.000 jihadistas da Europa Ocidental, EUA, Canadá e Austrália combatem nas fileiras do Estado Islâmico segundo a imprensa americana. Dos cerca de 31.500 combatentes que se terão juntado a esta estrutura terrorista, cerca de um terço terá sido recrutado no exterior – principalmente por meio de uma campanha de recrutamento sofisticada.

Um bombista suicida do EI aprisionado nas regiões autónomas curdas da Síria relatou perante representantes dos média um fluxo constante de turistas jihadistas de todo o mundo que desejam juntar-se aos grupos de combate deste exército terrorista:

"Há nacionalidades de todo o mundo. Entre eles há muitos britânicos. Vêm de países asiáticos, da Europa e da América. Vêm para aqui de toda a parte."

O EI, portanto, representa uma espécie de subproduto da globalização capitalista em crise. Não se trata aqui de uma insurgência nativa, tradicionalista e surgida das associações de clãs e "tribos" regionais, mas de um exército de ocupação, globalizado ao mais alto grau, que se constituíu nas regiões em colapso sócio-económico e político da Mesopotâmia. Portanto, o Estado Islâmico massacra não só os "infiéis", mas também os sunitas que se atrevem a opor-se ao domínio estrangeiro. Quase 700 membros de uma associação de clãs sunita no leste da Síria foram literalmente abatidos pelo EI em meados de Agosto, depois de os seus líderes tribais terem recusado fidelidade aos jihadistas.