domingo, outubro 05, 2014

O dia em que ofenderam o país

O dia em que Paulo Portas e Passos Coelho ofenderam o país foi o dia em que transformaram o Salário Mínimo Nacional (SMN) num instrumento de campanha eleitoral. O acordo, anunciado com aquele jeito muito próprio de quem sabe partilhar uma garrafa de Murganheira, já existia desde 2011. Foi o Governo que chegou tarde e sem compromisso de futuro. O aumento é pontual, como convém, e, ao contrário do anterior (suspenso pelo governo Sócrates), não faz parte de qualquer estratégia de valorização do trabalho no longo prazo.
O dia em que Carlos Silva, secretário-geral da UGT, ofendeu o país, foi o dia em que considerou 'justo' o 'aumento' do SMN para €505, esquecendo-se que o 'aumento' de 20€ não chega sequer para compensar a inflação desde 2011.
O dia em que Mota Soares, o Ministro da Solidariedade, Emprego e Segurança Social, ofendeu o país, foi o dia em que deixou de ver o salário mínimo como um mecanismo de combate à pobreza e de defesa da dignidade dos trabalhadores, para o transformar num mecanismo de chantagem sobre a produtividade.
É insultuoso, num país onde 14% dos trabalhadores por conta de outrem sobrevivem com o SMN, e 41% não ultrapassam sequer os 600€, brutos! Talvez por isso, para uma em cada dez pessoas, o trabalho não chega para fintar a pobreza, mesmo já contando com as prestações sociais.
É perverso, porque as empresas menos produtivas são exatamente aquelas onde se faz trabalho menos qualificado e mais mal pago e, portanto, o resultado prático é condenar estas pessoas a um salário que devia envergonhar um país que se diz 'desenvolvido'.
E é ignorante, porque a produtividade não depende do esforço dos trabalhadores. Depende do investimento em setores de mais ou menos valor acrescentado, com mais ou menos intensidade tecnológica, que trabalham em economias com mais ou menos custos de contexto, mais ou menos competências, e com melhores ou piores estratégias empresarias e de política económica.
O dia em que Mota Soares, o Ministro da Solidariedade, Emprego e Segurança Social, ofendeu duplamente o país, foi o dia em que retirou 23 milhões ao Orçamento da Segurança Social para 'compensar' os patrões pelo aumento do SMN. Das duas, uma: ou é a Segurança Social que se descapitaliza (para que depois o governo venha dizer que não é sustentável), ou então são os contribuintes que vão ter de compensar a borla aos patrões.
O dia em que o Governo ofendeu o país foi o dia em que permitiu que Bruxelas mandasse um porta-voz avisar o país que a Comissão Europeia está desagradada com o 'aumento' do Salário Mínimo, e que 'vai avaliar a decisão', sabe-se lá com que consequências. Porque, claro, neste país arrasado pela austeridade, onde se pagam swaps especulativos a bancos agiotas, PPP com rendas leoninas, e se amparam todos os golpes de banqueiros sem escrúpulos, a preocupação de Bruxelas, e partilhada pelo governo, é sobre os impactos negativos de um aumento miserável de um salário, já ele, miserável. É o avesso da decência.