sexta-feira, outubro 03, 2014

O PS de Costa — renovar a ilusão

Não faltaram frases grandiloquentes para enaltecer a vitória de António Costa na arrastada disputa interna travada no PS. “Nova esperança”, “o princípio do fim deste governo”, “o PS de novo alinhado com o povo” são algumas das tiradas que tentam projectar o novo líder e fazer crer que depende dele virar o país do avesso.
Todo este discurso não pretende mais do que renovar nos eleitores a ilusão de que o PS é a alternativa à parelha Coelho-Portas e à austeridade. É, por isso mesmo, um discurso de curta duração e de curto alcance.
Antes de mais, importa lembrar este facto simples de que a disputa interna no PS e a ascensão de Costa contra Seguro se deveu ao descrédito geral que atingiu o PS. Ninguém efectivamente já acredita, pelo que foi visto nos últimos três anos, que o PS seja muito diferente da dupla PSD-CDS. E os que têm memória lembram-se perfeitamente dos PEC de Sócrates que abriram caminho à austeridade, e depois à troika e ao governo de Passos Coelho.
Conhecido este lastro, uma parte do PS percebeu que, ao ritmo de Seguro, o partido se arriscava a perder as próximas eleições ou a ganhá-las por pouco — e a ficar em qualquer dos casos em maus lençóis: ou afundar-se ainda mais perante a opinião pública e tornar-se irrelevante, ou arcar com um governo frágil, sem vontade própria e final a prazo.
Foi contra estes riscos que a onda oposicionista de Costa se levantou, revestindo-se, claro está, com o discurso do interesse nacional e popular.
Esta motivação primeira da disputa interna permite perceber que o propósito da facção Costa é, acima de tudo, o de reabilitar o PS como partido de poder e de governo — e nesse sentido estrito constituir alternativa ao PSD. Quanto à política, logo se verá…
Sintomático disto mesmo é o facto, destacado com espanto por muitos ingénuos que esperavam por novos programas de acção, de as propostas políticas dignas desse nome não terem aparecido, nem contra Seguro, nem contra o governo.
Está pois em curso a renovação de uma ilusão: a de que o PS é a alternativa a Passos Coelho e à austeridade. Ou, dito de forma mais tradicional: a de que o PS é “a alternativa à direita”.
A questão que se põe à esquerda anticapitalista é a de saber porque se renova ciclicamente esta ilusão, que tem tanta idade como a dos governos constitucionais.
A resposta, quanto a nós é esta: a acção reivindicativa e política dos trabalhadores tem vivido, há quase 40 anos, na dependência estratégica do PS — na esperança sempre baldada de o fazer pender para a esquerda e de, com esse expediente de baixo custo, forjar “uma maioria” que permitisse dar curso a uma política popular, à imagem do 25 de Abril. Esquece quem assim pensa que, naquela altura, era o movimento dos trabalhadores que tinha a iniciativa, que ousava agir por si próprio contra o domínio do capital e contra o sistema político, coagindo o patronato e os governos a abrir mão de concessões. Foi isso que, por breve período, fez do PS “esquerda”.
Aquela dependência continuará enquanto o PS não for considerado como aquilo que efectivamente é: um partido do patronato, do capital — e portanto da direita — como a prática política de décadas tem mostrado.
A febre de alianças que atinge regularmente todos os partidos e partidecos da esquerda demonstra isto mesmo, e ajuda a renovar (por pouco tempo, é certo) essa imagem “de esquerda”, que agora inevitavelmente recai sobre António Costa.
A esquerda tem de se dispor a essa coisa elementar que é erguer um movimento anticapitalista, com base nos trabalhadores, politicamente independente das forças do poder. É segundo este prisma que os Coelhos ou os Portas, mas também os Costas, podem ser justamente avaliados.