Às vezes fico com a sensação de que Portugal foi-nos entregue só para tomarmos conta. Ou seja, não somos um povo soberano, somos apenas os caseiros. Talvez por isso tenhamos que estar permanentemente a prestar contas lá fora.
Sobre a detenção de um ex-primeiro-ministro, por exemplo, das poucas coisas que o Presidente da República disse foi que a imagem externa do país “não se vai alterar significativamente”. Parece que um dos filhos dos caseiros foi apanhado com um charro, mas o pai não está preocupado porque os patrões estão satisfeitos com o trabalho e sabem que estas coisas acontecem.
Bom, mas é claro que a imagem externa do país foi a grande preocupação dos portugueses, quando repararam que um individuo que governou o país durante seis anos foi preso por corrupção. Nem os portugueses pensaram noutra coisa.
Às vezes podiam ter ficado preocupados com o que lhes estará eventualmente a custar essa corrupção. Podiam ter ficado intrigados sobre a dimensão dos crimes que são apontados ao ex-primeiro-ministro. Sobre as vulnerabilidades do Estado de Direito. Sobre a desconfiança relativamente ao poder judicial.
Mas não. O que preocupa verdadeiramente os portugueses deve ser a imagem externa do país, segundo o Presidente deles. E o Presidente está tranquilo, porque estas coisas não beliscam a imagem externa. Nem o ex-primeiro-ministro ser acusado de corrupção, fraude fiscal e branqueamento de capitais, encontrando-se em prisão preventiva. Nem os chineses estarem a conquistar a Europa através de um sistema de corrupção em Portugal. Nem o actual primeiro-ministro ser suspeito de estar envolvido num esquema que servia para desviar fundos comunitários. Nem o vice-primeiro-ministro ter sido o ministro da Defesa quando foram feitos vários negócios que estão sob investigação. E muito menos belisca a imagem externa de Portugal, naturalmente, o facto de o Presidente da República ter sido o maior amigo dos mentores de uma das maiores fraudes financeiras, lucrando também com ela. Sem saber, claro. Porque se um amigo meu me viesse agora dar a ganhar duzentos mil euros, eu, dependendo do amigo, também não queria saber como é que ele os conseguia.
Então o que é que afecta a imagem externa do país? – perguntam enfim os portugueses, já também eles próprios se lixando para eles próprios. Bom, afecta a imagem externa do país… ora bem… afecta a imagem externa do país… bom, assim de repente… já sei! Afecta a imagem externa do país o Éder, por exemplo, que não tem jogado grande coisa. Sim, o Éder pode eventualmente afectar a imagem externa do país, mas tudo o resto o mundo lá fora sabe que são coisas que acontecem.
Entretanto, hoje queria sair mais cedo, mas não sei se ainda estão cá os patrões. Sim, porque eles vieram cá agora por causa disto do Zézito ter ido para a cadeia. Pelo menos a comunicação social portuguesa fez várias notícias sobre a presença da comunicação social estrangeira, que é uma espécie de alerta para toda a quinta “cuidado, estão cá os patrões”.