sexta-feira, novembro 07, 2014

Polvo à luxemburguesa

Hoje ficámos a conhecer mais umapontinha do iceberg desse maravilhoso submundo de relações tentaculares e de captura do poder político pelo poder económico que não hesita em trocar o bem-estar dos cidadãos por proveitos muito bem repartidos nas suas costas. Um Consórcio Internacional de Jornalistas de Investigação, que teve acesso a documentos oficiais secretos de 20 países, faz hoje as manchetes de jornais de todo o mundo com a notícia de que o Luxemburgo tem servido para centenas de empresas multinacionais como a Apple, Amazon, Ikea ou Pepsi fugirem aos impostos em vários países, servindo-se da assessoria da PricewaterhouseCoopers, a consultora que entre 2002 e 2010 negociou em segredo com os governos do actual Presidente da Comissão Europeia, Jean-Claude Juncker, acordos que continuam a traduzir-se em milhares de milhões de euros em receitas fiscais perdidas pelos “parceiros” europeus onde as 340 empresas investigadas reportam os seus lucros.

Recordemos que Juncker, recentemente eleito para presidir aos destinos da Europa com os votos dos portugueses PSD, CDS, PS e MPT, prometeu devolver ética e transparência à fiscalidade europeia. A notícia do dia dá-nos a conhecer que ética e que transparência são as suas. Recordemos também que o ex-primeiro-ministro luxemburguês tem sido uma das figuras que se opõem à “Parceria Transatlântica”, o tal acordo para pôr as multinacionais a decidir os nossos destinos sobre o qual escrevi no Domingo passado. Hoje ficámos a saber que Jean-Claude Juncker afinal já tinha a sua própria parceria, com proveitos pessoais a apurar.

O lugar onde Jean-Claude Juncker deveria estar por direito próprio não é a Presidência da Comissão Europeia, tal como o lugar mais apropriado para quem juntou o seu voto ao da maioria que o elegeu também não é o Parlamento Europeu. E há-de ser isto que o vai safar. Para que o crime que hoje o mundo ficou a conhecer tivesse consequências para o representante das multinacionais na Comissão Europeia, os representantes das mesmas multinacionais no Parlamento Europeu também não sairiam ilesos deste escândalo. O consenso para o final feliz não será nada difícil, não apenas de alcançar, como também de alargar aos representantes das multinacionais nos Governos e Parlamentos nacionais, onde aprovam reduções de IRC às grandes empresas ao mesmo tempo que aumentam o IRS às pessoas. Maravilha. Toda a gente sabe que consensos alargados são melhores para todos.